Capítulo 13 — Ecos
O branco começava a desaparecer.
A cada passo, a neve dava lugar à rocha úmida, escura e desgastada. A trilha antes coberta por gelo agora se abria em fendas naturais, com musgos ralos e o som do vento sussurrando entre as pedras. Ian seguia em silêncio. Seus olhos varriam o caminho como se procurassem algo. Então parou.
À esquerda, uma pedra curvada pelo tempo, nela um risco. Não, mais que isso.
Um símbolo.
Ele se aproximou devagar e passou os dedos sobre a superfície.
Três marcas circulares, conectadas por um traço oblíquo. Quase apagadas.
— Isso é… uma runa? — Aisha perguntou, observando-o.
— De alarme — respondeu Ian. — Gravei isso aqui há muitos anos. Era pra alertar caso algo cruzasse essa trilha, agora… mal dá pra ver.
Aisha se inclinou, tocando com cuidado.
— O tempo apagou quase tudo.
— O tempo apaga tudo… bem… quase tudo.
Ela olhou para ele.
— Quantos lugares como este você deixou espalhados?
Ian respirou fundo.
— Mais do que eu gostaria de lembrar.
— E fora daqui? Como é o mundo dentro da barreira? — Aisha perguntou, seus olhos brilhando com curiosidade.
Ian hesitou, passando a mão pelo cabelo. Não costumava falar sobre isso com ninguém, mas após alguns minutos de caminhada ele optou por falar, era melhor do que manter o clima desconfortável.
— Ao Sul… — começou devagar, olhando para o horizonte — Florestas que respiram mana selvagem, território dos Rumbra. Árvores vivas, animais que carregam poder na carne. O próprio ar parece pulsar com uma energia primitiva.
— Árvores vivas? — Aisha arqueou as sobrancelhas, surpresa. — Como assim?
Ian deu um meio sorriso, lembrando-se das histórias que ouvira.
— É. Já vi viajantes perdidos serem engolidos pelas raízes, como se a floresta decidisse que eles não deveriam sair. As árvores têm uma consciência própria afinal possuem trações da linhagem dos Rumbra, elas podem ser perigosas se você não souber como lidar com elas.
Aisha estremeceu, imaginando a cena.
— E o que mais? — perguntou, curiosa.
— Eles gostam de obter conhecimento, então são bem observadores é difícil notar um deles se você não estiver procurando. — Ian continuou, sua voz tomando um tom mais reflexivo.
— No centro oeste é um deserto — ele disse, olhando para o chão — Basicamente Areia infinita. O sol castiga até a alma. Mas… também esconde ruínas antigas, templos meio enterrados. Thamir jura que lá existiu um império que controlava a mana do fogo.
— Thamir?
— Um amigo…
Aisha piscou, surpresa.
— E alguém ainda vive lá?
Ian pensou antes de responder, pesando as palavras.
— Alguns sobrevivem. Caravanas nômades que conhecem o deserto como a palma da mão. Mas viver ali é um desafio para qualquer um, pior ainda para magos de gelo como eu.
Aisha puxou o sobretudo mais junto ao corpo, sentindo um arrepio.
— E o Leste? — perguntou, curiosa.
Os olhos de Ian suavizaram levemente, e um sorriso leve surgiu em seu rosto.
— Campos vastos. Rios que parecem não ter fim. O solo é fértil, e os ventos trazem chuvas na época certa. É um lugar de abundância e beleza.
Aisha sorriu de leve, imaginando o cenário.
— Parece bonito.
— É — Ian concordou. — Mas também é cobiçado. Reinos já se destruíram por causa daquelas terras. A luta pelo poder e pelo controle é constante.
Ela se calou, absorvendo cada palavra. e revivendo memorias que voltavam à tona após tantos anos. Ian continuou, sua voz tomando um tom mais pensativo.
— E o Norte… um verdadeiro Labirinto montanhoso recheado de ruínas — Ian falou, seu tom de voz tornando-se mais sério enquanto encarava Aisha. — Um conselho, se você entrar em uma caverna aqui no Norte e encontrar ruínas…
Ian parou de andar, seus olhos fixos nos de Aisha, transmitindo uma seriedade que a fez sentir um arrepio.
— Não entre. Vá embora correndo, se possível.
Aisha franziu a testa, preocupada com a intensidade de Ian.
— Por quê? O que há de tão perigoso nessas ruínas?
Ian hesitou por um momento antes de responder, sua voz baixa e séria.
— Essas montanhas foram povoadas há muitos anos e o que habita nos tuneis são coisas que não deveriam ser perturbadas. Há uma chance de que, em noventa e nove ruínas que você entrar, nada de ruim aconteça e você até encontre recursos valiosos. Mas há também a chance de você dar de cara com um Túmulo ou prisão… e acredite em mim, é melhor estar longe quando algo lá começar a se mexer.
Aisha sentiu um calafrio percorrer sua espinha ao ouvir as palavras de Ian. Afinal o que poderia deixar um homem como ele tão assustado.
— O que você quer dizer com “coisas que não deveriam ser perturbadas”? — perguntou, sua voz quase num sussurro.
Ian hesitou novamente, como se não soubesse como explicar.
— Coisas que é melhor deixar em paz. Coisas que podem despertar e causar problemas. Da última vez…. eu nem consegui entender o que aconteceu, antes de três amigos morrerem.
A caminhada continuou por algumas horas, mas nenhuma outra palavra foi trocada, aos poucos a estrada foi se tornando mais larga e robusta,
— Havia um acampamento mais à frente — Ian murmurou tentando aliviar o clima tenso. — Um conjunto de tendas… nada fixo. Se ainda estiver de pé, podemos descansar ali.
Mas o que surgiu adiante não eram tendas. Eram estruturas de pedra. Torres baixas, paredes reforçadas. Um portão arqueado entre duas rochas. Chamas queimando em suportes. Ian parou.
— Isso não estava aqui… — disse em voz baixa.
— É o acampamento?
— Não, é novo.
Foi quando a voz ecoou.
— Parem aí!
Três figuras surgiram das sombras do portão.
Armaduras finas, adornadas com filetes prateados. Os mantos azul-escuros ondulavam com o vento suave. Uma delas deu dois passos à frente, erguendo a mão.
— Essa trilha está desativada. É rota de risco. Monitoramento da barreira. Quem são vocês?
Ian manteve a calma.
— Viemos do Norte — disse. — Seguimos por uma rota antiga. E encontramos isso pelo caminho.
A guarda franziu o cenho.
— Essa construção é um posto avançado de Altheria da Nevoa — A guarda falava enquanto analisava os itens que Ian estava carregando — Essa rota foi abandonada há anos. Só é usada para vigília. Nenhum viajante vem por aqui.
— … Você disse Altheria? — Ian perguntou parecendo levemente abalado.
— É o nome da cidade.
— Pois é — murmurou Ian. Recuperando a compostura
— Não era minha intenção reencontrar a civilização desse lado. Mas o tempo muda tudo.
Os olhos da guarda estreitaram.
— Nomes. Agora.
Ian respirou fundo. Deu um passo à frente.
— Ian.
— Ian o quê?
Ele fitou a soldado por um momento antes de responder.
— O Guardião do Norte.
…
A guarda o encarou por alguns segundos… e riu.
— Claro que é. E eu sou a Rainha das Neves.
Atrás dela, as outras duas guardas também sorriram, prontas para ordenar a detenção.
Mas Ian apenas cruzou os braços. Não respondeu. Apenas manteve o olhar firme.
Porque ele sabia… que aquilo era só o começo.
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