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    A escola abandonada parecia agora mais fria, mais escura, mais distante da realidade. Os ecos das revelações de Yummi ainda dançavam na mente de Yoru Akemi como fantasmas zombeteiros, sussurrando perguntas que ele ainda não sabia formular.

    A presença dela… sua irmã… uma meia-irmã que carregava segredos demais nos olhos e palavras de menos nos lábios, agora sumia entre os corredores, deixando-o com mais dúvidas do que respostas.

    — YUMMI! — gritou ele, correndo entre os escombros, tropeçando em tábuas, virando corredores com os pés afundando em poças esquecidas pela chuva.

    Mas ela já não estava mais lá.

    Apenas o silêncio.

    Apenas o passado esmagando seu peito.

    — POR QUE VOCÊ NÃO ME CONTA?! — berrou ele para o vazio, a voz ecoando pelos corredores mortos.

    E então, em meio à brisa fria que cortava os corredores, algo caiu no chão, deslizante.
    Uma foto.

    Yoru se aproximou, ajoelhado. Pegou o papel velho, amarelado pelo tempo, os cantos rasgados… e congelou ao ver a imagem.

    Ali estavam três pessoas.

    Sua mãe — Mei Akemi, sorrindo como ele jamais imaginara. Ao lado dela, uma versão mais jovem de Yummi, com cabelos trançados e um olhar inocente. E no centro, ele mesmo, ainda bebê, nos braços da mãe, com um olhar curioso e mãos agarrando o colar que ela usava. Um colar com um símbolo estranho — uma marca circular com dois traços cruzando no centro, como um selo antigo.

    Yoru sentiu o coração acelerar.

    A voz de Yummi ecoou atrás dele, fria como sempre:

    — Essa foto… é a chave de tudo.

    Ele se virou de supetão, mas ela já caminhava para longe, com o sobretudo ondulando ao vento noturno.

    — O QUE ISSO QUER DIZER? — gritou Yoru.

    — Quando entender o passado… o presente vai se reorganizar sozinho. — respondeu ela sem olhar para trás.

    E desapareceu entre os portões destruídos.

    Yoru ficou ali, ajoelhado com a foto entre os dedos, sem saber se chorava ou gritava.

    [No dia seguinte ]

    O céu estava cinzento, carregado, como se refletisse o peso que Yoru carregava. O jovem caminhava pelos corredores da escola com passos lentos, arrastados, a cabeça baixa e os olhos perdidos. O som da juventude — risadas, discussões, trotes e desafios — parecia distante, abafado, como se o mundo ao redor estivesse em outra frequência.

    Na área externa, entre as arquibancadas de concreto próximas ao ginásio, Hayato, seu amigo de longa data, notou o comportamento estranho do companheiro.

    — Ei… Yoru. Tá tudo bem?

    Yoru, sentado em uma mureta com a mochila ao lado, olhou para ele. Seus olhos estavam fundos. As olheiras gritavam.

    — Não. Não tá, Hayato.

    Hayato se aproximou, sentando ao lado.

    — Fala comigo, cara. A gente passou por muita coisa junto. Se eu puder ajudar…

    Yoru suspirou e tirou a foto do bolso, entregando a ele.

    — Isso aqui… fui eu que recebi ontem. Na escola abandonada.
    Aquela escola que fica no setor Higashiro.

    Hayato franziu a testa ao ver a imagem.

    — É você? E essa… essa é sua mãe?

    — Sim… e a garota é minha irmã. Meia-irmã, na verdade. Mas ela não quer contar muita coisa. Só disse que essa foto é uma “chave”… e desapareceu.

    Hayato virou a foto algumas vezes, como se esperando que ela revelasse algo em braile invisível. Depois devolveu.

    — Isso parece coisa de filme de conspiração… Mas esse colar… essa marca. — apontou — Eu já vi isso em algum lugar.

    — Onde?

    — Não sei ao certo. Em algum livro da biblioteca, talvez… ou na aula do professor de História Secreta. Era algo sobre círculos filosóficos ou rituais antigos.

    Foi quando a voz de Leonard, um dos alunos mais inteligentes e esquisitos da escola, surgiu atrás dos dois.

    — Isso não é um símbolo filosófico. É um emblema de fusão das Seis Doutrinas. Representa a unificação entre as forças que mantêm as gerações separadas.

    Yoru e Hayato se viraram ao mesmo tempo.

    — Leonard?! Que porra você tá dizendo?

    O garoto, de óculos escuros mesmo num dia nublado, se aproximou devagar, as mãos nos bolsos do casaco.

    — Eu ouvi vocês falarem da escola de Higashiro. Aquilo ali… não é só um prédio abandonado. Aquela escola… foi uma das 35 Escolas Fundamentais da Velha Ordem.

    — Velha Ordem? — repetiu Yoru.

    Leonard assentiu.

    — Décadas atrás, antes da Primeira Geração se tornar o que foi… havia uma organização que tentava reunir jovens promissores em escolas específicas. Não só pra ensinar matemática ou literatura… mas pra criar líderes, soldados, estrategistas… e armas sociais.

    Hayato arregalou os olhos.

    — E o que aconteceu?

    Leonard se sentou num banco de pedra.

    — O último dono dessas escolas, um homem chamado Curt Blenk, percebeu que tudo estava saindo de controle. As escolas estavam formando monstros. Pessoas como a Kira, por exemplo.
    Então… ele tentou fechar tudo. Dissolver o projeto, apagar os registros, dispersar os alunos.

    Yoru se inclinou, interessado.

    — E ele conseguiu?

    — Em partes.
    A maioria das escolas foi fechada, sim… mas outras, como a de Higashiro, foram “reconvertidas”. O governo encobriu tudo. Só que… Charles Choi se adiantou. Ele pegou o modelo das escolas e reiniciou por conta própria. Usou a base da Primeira Geração para arquitetar a Segunda. E agora, com o que está acontecendo… parece que a Terceira Geração já está sendo preparada. Em resumo, de certa forma somos frutos de Charles, todos os delinquentes sem excessão

    Silêncio.

    Hayato passou a mão nos cabelos.

    — Isso é… doentio.

    Yoru olhou para a foto outra vez. As palavras de Yummi ecoaram:

    “Quando entender o passado… o presente vai se reorganizar sozinho.”

    — Leonard… você consegue descobrir mais sobre esse colar? Sobre essa marca?

    Leonard sorriu de lado.

    — Me dá 48 horas.

    — Faça isso. — disse Yoru, determinado — Eu vou descobrir tudo. Sobre Charles, Kira, minha mãe, minha irmã… e sobre mim.

    Porque agora, a verdade não era mais uma escolha.

    Era uma necessidade.

    O tempo passou como uma lâmina suave, cortando a ansiedade de Yoru Akemi em mil pedaços silenciosos. As 48 horas prometidas por Leonard se arrastaram lentamente, como se o universo estivesse segurando o fôlego. Cada segundo era uma batida surda no peito. Cada passo pelos corredores da escola, cada sala de aula, cada risada de fundo, soavam como ruído, sombras distantes de uma realidade que ele já não conseguia mais sentir como sua.

    O mundo, antes de concreto e regras, agora era uma teia invisível de segredos, símbolos e nomes sussurrados.

    E então, no final da tarde do segundo dia, Leonard apareceu.

    Ele estava na biblioteca subterrânea da escola técnica, um dos lugares mais esquecidos do prédio, e, ironicamente, o mais cheio de verdades escondidas.

    Yoru entrou às pressas, os olhos vidrados.

    — Achou?

    Leonard fechou o livro devagar. Um exemplar antigo, capa dura com páginas manchadas pelo tempo.

    — Sim. E o que eu descobri… muda muita coisa.

    Yoru se aproximou. O coração disparava como um tambor de guerra.

    — O colar que você usava… — começou Leonard, tirando uma cópia da imagem do colar desenhada à mão — ele carrega o símbolo da Gangue da Lua. Um grupo quase mitológico que surgiu nas sombras durante o final da Primeira Geração.

    — A Gangue da Lua? — Yoru repetiu, sentindo um arrepio nas costas.

    — Eles não eram como as outras gangues. Eram silenciosos, estratégicos, infiltrados em instituições, governos, escolas. Eram quase uma sociedade secreta. E dizem que, ao contrário de outras gangues que buscavam poder, eles buscavam preservar ou destruir certas verdades.

    Yoru segurou a borda da mesa. Os dedos tremiam.

    — E o que isso tem a ver com a minha mãe?

    Leonard respirou fundo.

    — Os registros dizem que os únicos que usavam esse colar… eram membros de alto escalão. Líderes, fundadores… ou agentes centrais.
    Se Mei usava isso… então ela não era uma simples espectadora dessa guerra. Ela era parte dela. Talvez o coração dela.

    Yoru sentiu o estômago revirar. Uma memória fragmentada voltou — sua mãe em silêncio, olhando pela janela, o colar sempre pendurado em seu pescoço, como se fosse parte de sua carne.

    — E Charles? — perguntou ele, quase sem ar. — O que ele tem a ver com isso?

    Leonard abaixou o olhar.

    — É aí que tudo começa a fazer sentido.
    Os arquivos mais obscuros que encontrei… mencionam que a Gangue da Lua jamais teve um líder declarado.
    Mas havia… alguém. Um arquiteto. Um “investidor das sombras”. Um nome que nunca era mencionado diretamente.

    Yoru murmurou, como se o nome tivesse vindo sozinho aos seus lábios:

    — Charles Choi.

    — Talvez sim. Talvez ele tenha fundado a gangue. Talvez tenha manipulado todos desde o início… ou talvez esteja se escondendo atrás dela até hoje.

    Nesse momento, os passos de dois garotos invadiram a sala abafada da biblioteca. Nathan e Hiroshi apareceram ofegantes, como se tivessem corrido desde o outro prédio.

    — Ouvimos tudo. — disse Nathan, sério. — A informação já corre pelos corredores. Yoru… se sua mãe era da Gangue da Lua… então tudo que sabemos até agora está incompleto.

    E, atrás deles, entrou Beak. Diferente dos demais, Beak parecia calmo demais. Como se ele já tivesse sentido o gosto daquilo antes.

    — A Gangue da Lua não tem um líder, porque… ela nunca precisou de um.
    Ela foi criada pra ser um organismo vivo, com várias cabeças pensantes, onde ninguém poderia controlar tudo sozinho.

    — Então por que o nome do Charles surge tanto? — indagou Hiroshi, confuso.

    Beak cruzou os braços.

    — Porque talvez ele não seja o “líder”…
    Mas sim o fundamento. O criador. O arquétipo por trás do sistema.
    Aquele que plantou as sementes, criou as escolas, desenvolveu a Kira… e eliminou os que fugiam do controle.
    Incluindo a mãe do Yoru.

    Yoru arregalou os olhos.

    — Você acha que… ele matou ela?

    Beak não respondeu de imediato. Apenas o olhou nos olhos.

    — Eu acho que ela morreu tentando impedi-lo.
    E agora… você é o próximo na linha.
    Ou para continuar a luta dela…
    Ou para cair como ela caiu.

    O peso daquela frase foi tão brutal que ninguém ousou falar por alguns segundos. O silêncio era denso como ferro derretido.

    Foi quando a porta da biblioteca rangeu mais uma vez, revelando a figura elegante de Sophie, de cabelos presos e vestida com um casaco militar, expressão firme.

    — Se for pra descobrir a verdade… — disse ela, entrando com passos lentos e seguros — …então talvez seja hora de encarar Charles cara a cara.

    Todos se viraram para ela.

    — Você ficou louca? — perguntou Nathan. — Ele é inacessível. Protegido por mil esquemas, exércitos, informantes…

    — E é exatamente por isso que precisamos ir agora. — respondeu ela. — Porque ele ainda não espera que vocês, os rejeitos da nova geração, tomem a dianteira.

    Yoru levantou-se.

    — Você sabe onde ele está?

    Sophie assentiu.

    — Não exatamente. Mas… sei onde ele estará. Em três dias, haverá uma conferência fechada no Distrito Akatsuki, zona leste de Tóquio. Charles vai aparecer como palestrante convidado da Ordem Econômica Ocidental. É o único momento em que ele surge em público sem filtros.

    Leonard franziu o cenho.

    — Infiltrar-se em Akatsuki é suicídio.

    — Então que seja. — Yoru respondeu, os olhos queimando. — Se isso for o preço para descobrir por que minha mãe morreu… por que minha irmã fugiu… por que essa geração foi moldada como uma arma…
    Então que seja.

    Ele tirou a foto do bolso e ergueu.

    — Se essa imagem é a chave… então eu vou usá-la pra abrir o último portão.
    E, se Charles Choi estiver por trás dele…

    Eu vou derrubar o império dele com as próprias mãos.

    Os demais ficaram em silêncio. Não por medo, mas por reverência.
    Porque naquele instante… não era apenas Yoru que carregava a vontade da verdade.
    Era a geração inteira.

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