Capítulo 422: Projeto
Nos dois dias seguintes, Talia participou das aulas sobre Maquinações e Estruturações de Cadeias Químicas, além de uma palestre sobre Biologia Molecular e Refinada, uma matéria que atraiu apenas dez pessoas das quase trezentas que eram Aspirantes.
No final da aula, o Subcomandante Rem solicitou que os nomes dos Aspirantes fossem colocados em um papel para que entregasse ao Comandos. Talia viu Nana e Astrid, as duas presentes em lugares diferentes.
Sempre estavam presentes, mas Astrid tinha um trabalho orquestrado com Comandante Humber e Nana já tinha se tornada quase uma afilhada do General do Comandos. Talia, no entanto, tinha afastado os dois Oficiais que a ajudavam, e perdeu contato com o Comandante que queria instrui-la por conta da caída de sua nota.
Ela assinou seu nome e entregou de volta para Rem. O professor olhou sua assinatura, e passou direto, subindo os degraus e saindo da sala. Os outros foram saindo, um a um. Sozinha naquele salão inteiro, ela abaixou a cabeça, tocando a testa na madeira gélida e suspirou.
— Existe algo dentro da Energia Cósmica? — Uma voz chegou até ela, vindo do quadro. — Talvez. Ou talvez, nunca exista nada além disso para nos guiar. A humanidade sempre precisou de um pequeno impulso para realizar ações, então, por que não fazemos mais isso? Não existem mais gênios, não existem mais riscos, apenas… estabilidade.
Talia levantou a cabeça um pouco vendo um homem limpar a mesa do professor com um pano. Ele carregava um pequeno balde e um esfregão, colocando-o apoiado no quadro. Os cabelos brancos, feito neve e um olhar centrado no que fazia.
Ele esfregava com delicadeza, sem emitir som algum.
— Lá fora, o mundo é imenso. Aqui dentro, ele se limita ao que conhece.
Mais um pouco, Talia focou sua atenção. Quando ele terminou de limpar, soprou um pouco de ar e a mesa ganhou uma crosta de gelo na sua superfície. Em seguida, num estalar de dedos, ela se transformou em uma camada fina e amarelada.
Em seguida, sumiu.
— Deve ser por isso que ninguém consegue fazer mais nada de interessante hoje em dia. — O homem pegou o esfregão e saiu caminhando. Ele passou por uma porta lateral, mas aquela era um quarto fechado, para guardar utensílios.
Talia levantou sem entender. Desceu as escadas esperando que ele voltasse. Passou alguns minutos, quase cinco. Ela caminhou e abriu a porta.
— Senhor?
Nada. Estava cheio de esfregões, cheio de folhas, caixas e alguns pequenos pergaminhos guardados na parte de cima das prateleiras.
— Não tem nada… — Ela fechou a porta e abriu novamente, mas estava da mesma maneira. Uma bagunça. — Como isso…?
— Aspirante Talia. — A jovem se virou rapidamente, encontrando o Comandante Humber parado do outro lado da mesa com uma expressão divertida. — Acredito que esteja interessado mais na arte da limpeza atualmente para estar tão empenhada em querer entrar nessa porta.
— Não. Não foi isso. — A porta foi fechada e ainda não fazia ideia do que tinha acontecido. — O senhor vai me achar maluca, mas eu acabei de ver um homem limpar a mesa, e entrar nessa porta.
O sorriso e divertimento de Humber faleceu na mesma hora, dando vida a algo mais crítico.
— Ele limpou a mesa, assoprou e saiu?
Talia rapidamente apontou para Humber.
— Exatamente, já viu ele? Era um senhor pequeno.
O Comandante rapidamente olhou ao redor. Em seguida, colocou a mão na boca e pediu que ela chegasse mais perto. Talia concordou e assim que chegou, Humber colocou a mão na mesa e sussurrou:
— Não fale disso pra ninguém. Entendeu? Vamos sair e eu te explico na minha sala. — Os olhos dele eram incertos, com dúvidas e um certo receio. — Tem algo além disso pra explicar, algo importante.
Talia rapidamente se colocou a seguir o Comandante Humber. Não importava quanto tempo se passava ao seu lado, a sensação que tinha quando o encontrava era de um homem que vivia mais tempo do que realmente tinha. Pelo fato de ter ficado preso tanto tempo no oceano, ela nunca esperaria que ele tinha encontrado seu irmão.
Por isso, não se importava de quantas vezes ter que parar para ouvi-lo. Quando o nome de Dante era tocado por ele, era sobre sua grande habilidade e performance. Ela o viu naquele dia, e não poderia ignorá-lo.
Mas, Humber sempre dizia que falaria o que Dante havia falado e também entregar algo a ela que seria importante.
Nunca aconteceu.
— Ouvi que você dispensou os Oficiais ontem — disse Humber passando pela porta que dava para o lado de fora da Academia do Comandos. Eles seguiram a passos apressados para o outro lado da Capital. — Foi uma escolha muito complexa de se fazer.
— Vai me dar bronca também?
— Eu? — Humber nem parecia assutado por ela ter feito aquilo, na verdade. — Gosto de saber que quer fazer as coisas por vontade própria. Deveria ter feito isso há bastante tempo. Vamos, não podemos perder tempo.
Eles passaram pela Academia inteira, subindo alguns degraus que ligavam as torres onde os Comandantes costumavam conversar. De paredes ornamentadas por ferro e símbolos que costumavam ser uma das relíquias do Comandos.
Aos poucos, o que Talia acreditava ser uma imensa honra se tornou comum. E Comandante Humber continuou além da torre, tocando os pés numa das áreas mais isoladas, onde alguns costumavam usar como ala de treinamento para a Energia Cósmica.
A porta de ferro foi puxada lateralmente, e a escuridão foi inundada pelo sol do lado de fora, esperando sua chance de ser clareada. Humber seguiu para mais afundo, chegando até uma das salas, e abriu uma segunda e depois uma terceira porta.
Talia já estava achando estranho, mas quando a quarta porta se abriu, ela deu de cara com uma imensidão de papiros guardados em estantes de madeira. E o mais interessante era que não havia pó, nem sinal de que o tempo tinha deixado aquele lugar sujo.
O chão varrido, sem teias de aranha. Talia parou para entender que era uma estante entre diversas ao redor. Cada uma delas esticada por quase dez metros, e mais a frente, Humber fez uma curva para a direita e depois para a esquerda.
Esse lugar é enorme.
— Por aqui — a voz do Comandante veio um pouco mais distante. Talia seguiu fazendo uma curva e o encontrou mais distante, perto de uma mesa com vários dos pergaminhos ao redor. Ele tinha preparado um deles, abrindo e com o dedo em cima. — Achei.
— O quê, senhor?
— Quando era mais novo, havia um boato de que um fantasma rondava a Academia do Comandos. Esse fantasma aparecia do nada, sempre quando ninguém estava observando, limpava alguma coisa, mas ele sempre entrava por uma porta e saía por outra.
Talia arqueou a sobrancelha, achando estranho o comentário.
— Quer dizer que o velho que vi era o Fantasma?
— Talia, aquele homem que você viu não é um fantasma. — Humber apontou para baixo, na direção do pergaminho. — O homem que você viu é quem seu irmão está procurando do outro lado do mundo. O nome dele é Merlin, o Senhor das Portas.
O pergaminho que o Comandante apontava não era um qualquer, era o pergaminho de transferência. Talia reconhecia aquelas escrituras, brilhando fracamente em azul, enquanto uma onda de Energia Cósmica se libertava de suas letras.
— Esse é o pergaminho que…
— Sim. — Humber concordou na mesma hora. — Usado naquele dia que seu irmão foi jogado para um lugar longe conhecido como Kappz. E ele não deveria estar ativo. Isso quer dizer que aquele homem que viu consegue ativar qualquer coisa que faça transferência, inclusive uma que já foi utilizada.
Talia parou por um segundo. Sua mente foi mais rápida, e ela segurou o pergaminho rapidamente.
— Consigo reescrever seu conteúdo, utilizando Energia Cósmica residual, da mesma forma como esse Merlin fez. Eu poderia acessar outro lugar se…
Humber tocou seu ombro, a fazendo respirar lentamente.
— Acalme-se. Mas, sim. Esse vai ser nosso projeto. — Talia viu o sorriso dele de lado. — Vamos criar o Sistema de Portas.
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