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    POV: RENATA SILVEIRA.

    Era estranho como, depois de tantas aulas com o professor Francisco, eu ainda sentia aquela mistura de cansaço e curiosidade sempre que ele escrevia algo novo no quadro. Depois da última aula de treino de energia com o professor Miguel, era interessante rever um pouco do básico nesta aula.

    Não havia o característico cheiro de giz, afinal, era uma lousa digital. Mas a experiência, no fundo, era legal.

    A escola já no seu ritmo rotineiro de período de aulas, havia perdido o barulho de agitação das primeiras duas semanas. A normalidade do ano letivo se instaurou novamente em todo mundo.

    Especialmente, no nosso querido professor, ele sempre encontrava um jeito de transformar as revisões em algo que fazia sentido até para nós, que já estávamos saturados de ouvir os mesmos conceitos.

    Naquele dia, ele começou com algo simples, quase óbvio, mas que ganhou outro peso em sua voz:

    — As marcas literárias, como já vimos, possuem quatro características básicas: o livro-base, o tempo de maestria, o nível de dominador e sua habilidade. Isso vocês já sabem.

    Todos os alunos daquela escola já ouviram aquilo pelo menos alguma vez na vida. 

    Já tínhamos lido isso desde o primeiro ano do ensino fundamental. 

    Mas ainda assim, ouvir dele dava uma sensação de confirmação, como se ele estivesse nos puxando de volta para o chão, antes de avançar demais.

    Enquanto ele falava, riscava no quadro círculos que se conectavam por setas, um desenho torto que só ele parecia entender. Eu tentava acompanhar.

    — Vejam, essas quatro características formam a base, mas o que importa é o modo como elas se entrelaçam nas diferentes profissões, — comentou, assim que concluía o diagrama anterior.

    E dentro dele, foi anotando várias profissões comuns do dia-dia.

    — Hoje, vocês veem cientistas, cuja aplicação das marcas é majoritariamente análoga, com camadas e camadas de estilo interpretativo. Já os atletas, por outro lado, são dominados por marcas de estilo literal. Cada movimento, cada técnica, está atrelada a essa forma mais direta de manifestação.

    Aquilo me fez pensar. Eu sempre gostei de observar como diferentes pessoas se relacionavam com suas marcas. 

    Minha mãe, por exemplo, nunca foi atleta, mas sua marca tinha uma precisão quase física, como se fosse feita para movimentos. 

    Eu, ao contrário, sentia que a minha se espalhava como uma mancha de tinta: mais interpretativa, menos prática.

    Francisco interrompeu minhas divagações com um bater da caneta digital no quadro.

    — Agora, vamos revisar os códigos de dominadores. Todos conhecem: azul para secundário, roxo para primário, vermelho para autoral, e o raro e incerto: dourado, para geracional.

    A sala inteira murmurou, como se a simples menção ao dourado carregasse um peso maior. Eu também sentia isso.

    Dourado sempre me pareceu uma cor distante, quase inalcançável. Parecia uma história de faz de conta. 

    — Cada cor se origina do fluxo de energia mágica que corre pelos nervos ligados ao cérebro — continuou ele, gesticulava como se pudesse traçar o caminho daquela energia no ar. — E segue até os pulsos, onde a maioria de nós materializa seus poderes.

    Eu olhei para minhas mãos. 

    Quantas vezes já tinha sentido aquele formigamento nos pulsos, como se a energia estivesse pedindo para ser liberada? 

    Era estranho pensar que aquele brilho, aquela luz que todos nós conhecíamos, era só o efeito visível de algo muito mais microscópico acontecendo dentro do corpo. Víamos apenas o resultado, mas a natureza científica da coisa ocorria em escalas que nem imaginávamos. 

    Francisco parou, respirou fundo e lançou uma pergunta:

    — Gente, o que acham desse raciocínio: se supostamente nunca vimos autores geracionais, como é que já temos descrições da cor que eles emitem?

    O silêncio que se seguiu foi desconfortável. 

    Eu não tinha resposta, mas pensei nas teorias que circulavam por aí, aquelas que eu adorava discutir sobre. Sempre havia alguém que dizia conhecer alguém que jurava ter visto um autor dourado.

    O professor não esperou muito e ele mesmo respondeu:

    — Isso é mais comum do que parece. Muitos acreditam que nunca existiram, mas na verdade, já tivemos autores geracionais. Pouquíssimos, é claro, e em épocas onde os registros eram falhos. Por isso, as evidências são escassas.

    Ele deu um meio sorriso, como se estivesse prestes a revelar um segredo.

    — O exemplo mais famoso é o clássico e famoso, William Shakespeare

    A sala reagiu de imediato, alguns riram, outros arregalaram os olhos. Eu fiquei no meio-termo, confusa. Claro que conhecia Shakespeare, quem não conhecia?

    Mas, me peguei pensando: Como deveriam ser seus poderes?

    Dando continuidade a explicação, o professor concluiu:

    — Todos conhecem suas obras, mas o impacto que ele teve não é apenas cultural. É mágico. Shakespeare provavelmente foi o maior mago e autor que já existiu. Seu impacto não se mede apenas em popularidade, mas em profundidade de ideias.

    Eu anotei rápido, sem saber ao certo por quê. Talvez fosse só a força da afirmação dele.

    — Há quem diga que ele nunca existiu de verdade — continuou Francisco. — Alguns afirmam que Shakespeare era apenas um pseudônimo usado como fachada pela Rainha Elizabeth I.

    Um burburinho percorreu a sala. A teoria não era nova, mas ouvir da boca do professor tornava tudo mais intrigante.

    — Essas pessoas defendem que é impossível que um único homem tenha escrito tantas obras memoráveis em tão pouco tempo. Estranho, não? Questionamos o passado, mas raramente olhamos para o presente.

    Ele apoiou o braço na cadeira ao lado da mesa e cruzou os braços.

    — Com tanta tecnologia, tanto conhecimento, por que hoje não temos mais grandes gênios como os antigos polímatas?

    A pergunta ficou suspensa no ar. 

    Eu a senti pesar sobre mim. Será que era verdade? S

    Será que nossa era estava condenada à mediocridade, incapaz de gerar um novo Shakespeare, um novo Leonardo da Vinci?

    Pensei em mim mesma, nas minhas dificuldades, nas minhas tentativas frustradas de dominar minha marca. 

    Seria possível chegar perto de algo assim? Ou estávamos todos presos em um tempo onde a genialidade era rara, quase impossível?

    Enquanto a turma discutia em voz baixa, eu continuei olhando para minhas mãos. 

    Talvez, pensei, o problema não fosse a falta de gênios, mas a forma como olhávamos para eles. 

    Talvez estivessem por aí, escondidos entre nós, esperando que alguém os reconhecesse.

    E, por um instante, me perguntei se algum dia eu poderia ser lembrada desse jeito.

    “Quem sabe um dia…”


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