Capítulo 25 – Instintos Conhecidos
Eu e Kairin já tínhamos compartilhado nossa energia prismática antes. É um processo simples: ligamos nossas essências e ele consegue me enviar parte de sua própria força para que eu possa usar como se fosse minha.
Algo de diferente acontece agora. Provavelmente algo relacionado ao fato de não possuirmos uma conexão tão simples quanto era anteriormente. Quando me conecto com ele, eu pisco de forma quase instintiva um formigamento esquisito nas minhas costas, bem entre as escápulas.
Pisco, e o mundo se transforma. A grama, antes na altura dos meus joelhos, é agora uma floresta densa sob minhas garras. O céu, antes um domo distante, é o meu lar, me chamando. Eu não vejo mais com meus olhos, mas com os dele, e a perspectiva vertiginosa quase me derruba, mesmo que meu corpo esteja parado.
Eu sinto que… Isso já aconteceu antes. Quando eu acordei do coma, depois da batalha de Lazil. Eu não estava em mim mesma, estava em Kairin. Como se nossa conexão me permitisse ver o mundo através dos seus olhos também.
— Isso é… Estranho. — Ouço a voz dele. Dessa vez, ele parece estar ali comigo.
Tento mexer meu braço direito, mas o que se move é a asa dele. Olhando através de seus olhos, encaro as penas amarelas como se fossem minhas e estranho a sensação.
Eu pisco novamente e estou de volta no meu corpo.
Sinto meu braço se mover sozinho, como se não tivesse controle sobre mim mesma e percebo que a intenção da movimentação não parte de mim, mas do próprio Kairin. Ele também consegue habitar meu corpo durante nossa conexão, então?
Meus dedos se movem, abrindo e fechando como se estivessem apertando alguma coisa. Percebo que ele está testando a sensação de como é ter dedos nos membros superiores e, pela forma como se movem — sem coordenação motora alguma —, percebo que parece algo difícil para ele.
— Vou enviar mais energia… — Kairin avisa e eu me preparo.
Converter energia da própria natureza, do ar e do mundo em si, nunca foi um processo difícil, mas eu percebo somente agora que tem como ser muito mais fácil. Conforme a energia prismática de Kairin se mistura com a minha, eu sinto meus sentidos se aguçando.
Sinto um vento morno assoprar sobre minha pele, mesmo notando que a grama e as árvores próximas estão paradas. É uma brisa aconchegante, que me envolve enquanto meus sentidos parecem ficar cada vez mais afiados.
Com a energia, sinto que os instintos de Kairin começam a vir juntos também: de repente, ficar com os pés plantados no chão, parece errado. Eu quero ser livre, eu quero voar.
Esse sentimento se acumula como uma angústia no meu peito, como se eu nunca tivesse andado mais do que poucos passos na minha vida. Era assim que Kairin se sentia toda vez que precisava pousar, longe dos ventos selvagens e das nuvens, da liberdade do céu, dos raios do sol e do brilho da lua sobre suas penas?
Percebo que não é apenas a sensação que está me sobrecarregando, mas a energia de Kairin também. O acúmulo está ficando cada vez maior e eu preciso descarregar, mas também preciso saber o quanto aguento.
— Mais.
Peço, sentindo através da nossa conexão que ele começa a se conter enquanto a preocupação se torna uma sensação constante no meio do emaranhado de sentimentos que nos envolvem.
Fecho minhas mãos com força e respiro fundo quando uma ideia subitamente brota em minha mente. A energia de Kairin é a liberdade do voo, o instinto do predador e a ferocidade de uma tempestade. Ele é o trovão que quer rugir, o relâmpago que vai iluminar e o raio que destrói.
E eu já fui esse raio antes.
Com um pouco de esforço, concentro uma parcela da energia prismática na minha mão esquerda. Ela se forma na cor Azul, brilhando levemente sobre meus dedos fechados enquanto eu mantenho a força ali.
Na outra mão, concentro o Amarelo. Parece um esforço tremendo manter as duas cores ativas ao mesmo tempo e a sensação parece a mesma de tentar escrever com as duas mãos ao mesmo tempo.
Respiro fundo, tentando manter a concentração, brigando com a angústia de estar presa no chão, empurrando o mais longe que posso, enquanto junto as duas mãos e faço o mesmo com a energia que recebo de Kairin em meu prisma, tentando alcançar o equilíbrio verde.
As duas mãos unidas, com os dedos entrelaçados, brigam para se separarem, mas eu respondo à briga para mantê-las unidas.
Agora! Tento fazer a união e, em um lampejo, o verde aparece. Sinto que consigo externar a energia através daquele ponto de concentração e me preparo para o que vem a seguir.
E não vem nada.
Em um momento, o acúmulo de tensão parecia prestes a estourar, uma bexiga cheia de ar e que não aguenta nem um sopro a mais, e no momento seguinte era como se um buraco tivesse se formado e o ar vazasse, liberando a pressão, ao invés de causar a explosão.
Frustrada, soltei as mãos e respirei fundo.
Percebi que tanto o Caçador quanto Ralik olhavam para mim fixamente, antecipando que algo fosse acontecer.
— O que foi? — pergunto, já desconfortável com seus olhares.
— O que foi isso? — Ralik devolve a pergunta.
— Eu… Senti que conseguia usar o trovão de Kairin novamente, igual em Lazil. — Dou de ombros. — Não deu certo…
— Aquilo quase matou você! — Ele corre na minha direção, tomando minhas mãos como se quisesse ter certeza de que estou bem.
Sinto vontade de morder as mãos dele e me afasto, olhando para Kairin enquanto sei que estou com o cenho franzido.
— Não gosto que me toquem sem avisar.
Nossa conexão ainda estava estabelecida. Era apenas Kairin querendo bicar ele mesmo.
Não consigo conter uma risada ao pensar nisso. Essa parte da conexão era realmente muito difícil de se definir: onde começava a minha vontade e onde terminava a vontade dele?
— Está tudo bem, Ralik. — Digo para ele enquanto dou risada.
Vejo ele se afastando meio receoso ainda, como se estivesse preocupado comigo.
— Excelente… — Ouço o Caçador falar enquanto se aproxima. — Vocês possuem algum tipo de documentação sobre os níveis de energia que podem ser compartilhados, de acordo com o grau do laço estabelecido e a potência do prisma de vocês ao ser relacionado com o dos familiares?
Inclino a cabeça para o lado enquanto ele fala. É estranho. Eu conheço todas as palavras que ele falou, mas ele deu um jeito de unir elas em uma sequência que eu não faço a menor ideia do que ele quis dizer.
— Pera… Do que você tá falando?
Ele suspira, não escondendo nem um pouco da decepção com a resposta, embora eu consiga ver o vislumbre de um sorriso no canto de seus lábios.
— Vamos aprender melhor na prática. Venham para cima, quero ver do que são capazes enquanto preparo vocês para lutarem contra os alados.
Dessa vez foi fácil de entender.
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