O som estridente do despertador quebrou o silêncio da madrugada.

    Kazuto, ainda com os olhos pesados, estendeu a mão até o criado-mudo e o desligou de um tapa. O quarto permanecia meio escuro, iluminado apenas pela luz pálida que atravessava a cortina.

    Ele se levantou devagar, os ossos estalando num ritual quase mecânico. Passou a mão pelo rosto, coçou a nuca e ficou sentado na beira da cama por alguns segundos, olhando para o chão.

    Respirou fundo antes de murmurar para si mesmo:

    — Mais um dia…

    Levantou-se, caminhou até o banheiro, lavou o rosto e escovou os dentes. O espelho devolvia a imagem de um garoto comum: cabelos negros bagunçados, olheiras discretas de quem dormia pouco, expressão apática de rotina. Nenhum traço denunciava que sua vida mudaria naquele mesmo dia.

    Vestiu o uniforme da escola — camisa branca, gravata azul mal arrumada e calça preta. A mochila jogada no canto ainda tinha o peso dos livros e cadernos que ele sequer folheava com entusiasmo.

    Na cozinha, a mãe já preparava o café. O aroma do arroz e do miso recém-aquecidos enchia o ambiente. O pai lia o jornal em silêncio, como sempre.

    — Kazuto, come alguma coisa antes de ir — disse a mãe.

    — Tá… — respondeu ele sem ânimo.

    Ele se sentou, comeu devagar, sem pressa, como se mastigar fosse mais um peso da rotina.

    O relógio na parede marcava 7:10 da manhã quando ele se despediu dos pais, pegou a mochila e saiu de casa.

    O caminho até a escola era o mesmo de todos os dias. As ruas já estavam cheias de estudantes, trabalhadores e o barulho urbano de Tóquio pulsava entre buzinas e passos apressados.

    Kazuto caminhava sem pressa, olhando os prédios e os letreiros de lojas que piscavam com anúncios chamativos.

    Quando chegou aos portões da escola, encontrou Yuta, seu melhor amigo, que o esperava encostado na grade.

    — Você tá atrasado de novo, Kazuto — Yuta tinha uma expressão nada impressionada, já estava acostumado a tal acontecimento.

    — Nem tô. Ainda faltam uns dez minutos… — respondeu ele, dando de ombros.

    — Você sempre no limite, né? Vai acabar se ferrando numa prova dessas — riu Yuta.

    Os dois entraram juntos. O corredor já fervilhava de vozes, passos e risadas. Professores gritavam para os alunos acelerarem. O som das portas de sala batendo ecoava pelos andares.

    Na sala 3-B, Kazuto se sentou perto da janela, como sempre fazia. Gostava de observar o pátio, as árvores e o céu, ignorando a maior parte da explicação dos professores.

    Às 7:40, a aula começou. O quadro negro foi preenchido com fórmulas de matemática. O professor falava com energia, mas Kazuto apenas rabiscava no canto do caderno.

    Do lado, Yuta cochichava piadas e fazia desenhos engraçados.

    Tudo parecia normal. Tudo parecia igual a todos os outros dias.

    Até que o primeiro grito ecoou no corredor.

    A sala silenciou. Todos olharam para a porta, confusos. O professor franziu a testa, hesitante, mas continuou escrevendo no quadro.

    Um segundo grito — desta vez, mais próximo.

    E então, a porta da sala foi arremessada para dentro com um estrondo, arrancada das dobradiças como se fosse feita de papelão.

    O choque correu pela sala como eletricidade. Alguns alunos gritaram.

    Na entrada, um homem alto, magro, com roupas desalinhadas e olhar insano. O cabelo era desgrenhado, o rosto marcado por olheiras profundas e um sorriso aberto, quase animal. Em sua pele, manchas brancas escamosas se espalhavam, como se algo estivesse crescendo de dentro pra fora.

    Tommy.

    Sem dizer nada, ele ergueu a mão. Do nada, blocos de isopor surgiram no ar, como se fossem arrancados de uma dimensão invisível. Eles se expandiram, rangendo, rangendo, e em seguida se comprimiram como lâminas afiadas.

    O primeiro corte atravessou um aluno sentado na frente. Sangue jorrou imediatamente. O silêncio da sala quebrou-se num caos de gritos.

    — Vocês não passam de barulho… e eu vou calar todos vocês — Tommy sorria, a expressão cruel e enlouquecida.

    Os alunos correram, tropeçando uns nos outros. O professor tentou intervir, mas uma parede de isopor endurecido se formou à frente dele e o empalou contra o quadro, esmagando sua garganta.

    Kazuto congelou na cadeira, o coração disparado. Não entendia. Não conseguia mover as pernas. A cena era irreal demais.

    Yuta agarrou o braço dele com força.

    — Kazuto, corre!

    Eles se levantaram, mas o chão foi tomado por placas brancas que se expandiam como raízes, bloqueando a saída.

    Tommy ria, andando devagar pela sala, deixando os blocos de isopor se moldarem como se fossem parte de seu corpo.

    — Vocês não entendem, né? Não é ódio. Não é vingança. Eu só quero silêncio… silêncio absoluto — murmurou, frio.

    Ele apontou a mão para um grupo de alunos que choravam no canto. As lâminas brancas se estenderam e, em um segundo, os corpos foram despedaçados, a sala manchada de vermelho.

    Kazuto sentiu o estômago embrulhar. Quis gritar, mas a voz não saiu. O mundo parecia girar.

    Yuta puxava ele pela manga, tentando abrir espaço pela lateral da sala. O som de choro, de carne sendo cortada, de madeira quebrando, misturava-se em um pesadelo denso.

    Tommy os viu.

    — Dois ratos correndo…

    Ele ergueu a mão, e uma lança de isopor apontou direto para eles. Yuta empurrou Kazuto no impulso — e a lança atravessou o peito dele.

    — YUTA!!! — gritou Kazuto.

    O amigo caiu no chão, o sangue se espalhando pelo uniforme. Os olhos abertos, vidrados, já sem vida.

    O tempo pareceu parar para Kazuto. O coração dele batia tão forte que abafava o som dos gritos.

    Tommy se aproximava, sorrindo, os passos lentos, o isopor estalando como ossos quebrando.

    — E você… você ainda respira. Talvez dure mais uns minutos.

    Kazuto tremia da cabeça aos pés. O mundo parecia borrar. Algo dentro dele pulsava, como se a própria realidade vibrasse em sua pele.

    O instinto gritava.

    E foi nesse momento — no meio do sangue, da morte e do caos — que algo adormecido dentro dele começou a despertar.

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