O portão se ergueu diante dele como um arco de pedra coberto de musgo. À primeira vista, parecia apenas uma construção antiga, perdida no meio das montanhas. Mas, à medida que Kazuto se aproximava, a pedra parecia respirar. O ar ficou mais denso, pesado, como se o lugar tivesse vida própria.

    Nara caminhava à frente, passos firmes, sem olhar para trás.

    — Chegamos.

    Kazuto engoliu em seco.

    Atrás dos portões, uma cidade inteira parecia escondida. Casas de madeira com telhados curvados, lanternas penduradas iluminando passagens estreitas, árvores enormes que pareciam abraçar a construção. Era como um templo, mas ao mesmo tempo, como uma vila viva. Pessoas andavam por ali, algumas treinando em pátios, outras simplesmente carregando cestos de frutas ou varrendo o chão. O contraste entre simplicidade e poder era sufocante.

    Nara empurrou os portões e o som grave ecoou. O barulho atraiu olhares.

    Alguns dos jovens pararam o treino para observar. Kazuto sentiu o peso de cada olhar em sua pele, como se estivessem tentando enxergar algo dentro dele.

    Uma garota de cabelos pretos lisos, presa em um rabo de cavalo baixo, aproximou-se com um sorriso tímido.

    — Esse é o novato?

    — É — respondeu Nara, sem rodeios. — Vai ficar.

    A garota curvou levemente a cabeça para Kazuto.

    — Seja bem-vindo ao Refúgio. Eu sou Himari.

    Kazuto respondeu com um aceno rápido, ainda atônito com tudo que via.

    Um segundo garoto apareceu pulando de uma árvore, cabelos espetados e um sorriso meio debochado.

    — Mais um pra virar comida de fera? — riu, batendo a mão no ombro de Kazuto. — Brincadeira, não fica assim não. Nariko, prazer.

    Kazuto deu um passo atrás, confuso entre rir ou se assustar.

    Nariko levantou as mãos, como se dissesse “tô de boa”.

    — Relaxa, eu não mordo. Pelo menos não sem aviso.

    Antes que Kazuto respondesse, outro garoto desceu as escadas do pátio. Cabelos claros, olhar desafiador, postura de quem estava sempre pronto para briga.

    — O novato parece frágil — disse, cruzando os braços. — Vai atrapalhar.

    Nariko riu.

    — Esse é o Sora, não liga. Ele fala mais do que luta.

    — Cala a boca, Nariko.

    Himari suspirou baixinho, acostumada com a cena.

    Logo depois, uma garota mais baixa, de traços delicados, veio correndo, carregando um pequeno vaso com flores. Seu sorriso era gentil, mas discreto.

    — Vocês assustam ele assim logo de cara. — Seus olhos puxados denunciaram sua origem. — Eu sou Chen Hua.

    Kazuto finalmente conseguiu respirar fundo. Aquilo era demais para absorver de uma vez.

    Nara, que até então observava em silêncio, interrompeu o momento:

    — Onde está Kael?

    Himari apontou para o grande salão no centro da vila.

    — Está em reunião com alguns Shisai.

    Nara assentiu.

    — Então vamos.

    Kazuto seguiu, ainda perdido. O caminho levou-os até um prédio maior, sustentado por pilares de pedra cobertos de inscrições. No interior, o ar era mais frio, carregado de uma aura estranha.

    Lá dentro, alguns homens e mulheres esperavam. Suas presenças eram esmagadoras, diferentes de qualquer pessoa comum. O olhar deles parecia atravessar Kazuto.

    Um deles se ergueu da cadeira de madeira esculpida. Tinha cabelo longo, grisalho nas pontas, e o corpo musculoso parecia feito de pedra. Seus punhos eram grandes, envoltos por uma leve cintilação.

    — Então este é o garoto.

    A voz era grave, firme, mas não agressiva.

    Nara respondeu:

    — É. Sobreviveu ao ataque de Tommy.

    O homem caminhou até Kazuto, aproximando-se. Seus olhos não carregavam ódio, mas algo pior: julgamento.

    — Qual o seu nome?

    — K-Kazuto…

    O homem fechou os olhos por um instante, como se meditasse sobre aquele nome.

    Nara assentiu.

    — Sou Nara Martelo, líder do Lumen Feralis. — Tocou o próprio peito. — Aqui, guiamos aqueles que despertam para não serem devorados pela própria fera.

    Kazuto arregalou os olhos.

    — Minha… fera?

    Uma mulher de cabelos ruivos, com ares calorosos e um brilho estranho nos olhos, deu um passo à frente.

    — Todo ser humano tem dentro de si o Animalis — explicou, voz firme mas acolhedora. — É o instinto primitivo, a fera que nos impulsiona e nos destrói. Quando despertado, ele se manifesta no Feralis: o poder.

    Kazuto sentiu a espinha gelar.

    — Então Tommy…

    — Sim — ela confirmou. — Tommy foi devorado pelo próprio Animalis. Ele não era mais humano, só uma fera.

    Outro homem riu baixo, apoiado em uma vassoura estranha que carregava.

    — E é por isso que o Lumen existe, garoto. — Deu uma piscada. — Pra limpar a sujeira que sobra quando a fera toma conta.

    Kazuto ficou em silêncio, sem saber como reagir.

    Nara ergueu a mão, pedindo silêncio.

    — Não vamos sufocar o garoto com palavras. Ele terá tempo para entender.

    Um dos homens, alto, com uma lâmina no lugar do braço direito, olhou fixamente para Kazuto.

    — Desde que prove que merece estar aqui.

    Nariko cochichou no ouvido de Kazuto:

    — Esse é Raen, não leva a mal. Ele acha que todo mundo tem que passar por duelo.

    Kazuto tentou rir, mas a garganta estava seca.

    A reunião terminou com olhares pesados, mas nenhum protesto. Nara voltou a falar:

    — Kazuto ficará no dormitório dos aprendizes. Vocês quatro — olhou para Himari, Nariko, Sora e Chen Hua —, cuidem dele.

    Os jovens assentiram.

    Do lado de fora, a noite já caía, tingindo o céu de violeta. Lanternas foram acesas, o Refúgio ganhava uma aura ainda mais viva.

    Nariko esticou os braços e bocejou.

    — Bem, novato, pronto pra conhecer o nosso pequeno inferno particular?

    Sora deu um empurrão em Kazuto, meio ríspido.

    — Se não aguentar, volta pra casa.

    Chen Hua balançou a cabeça, sorrindo suavemente.

    — Não ouça eles. Vai dar tudo certo.

    Himari caminhava na frente, guiando o grupo.

    — O Refúgio não é apenas um lugar de treino. É uma casa. Você vai aprender a viver com sua fera, a controlá-la… ou ser engolido por ela.

    Kazuto olhou ao redor, ouvindo os sons da vila, os ecos de treino, o murmúrio das árvores. Pela primeira vez, teve a sensação de que sua vida nunca mais seria normal.

    E, ao mesmo tempo, uma centelha crescia dentro dele.

    Medo.

    Curiosidade.

    E uma força que ele ainda não entendia.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota