Capítulo 11: Ecos na Névoa
O último raio de sol desaparecia por trás das montanhas quando Lau deu o treino por encerrado.
Os cinco estudantes, cobertos de suor, observavam o resultado: a clareira estava limpa como se jamais tivesse conhecido poeira.
Kazuto apoiou-se na vassoura, sentindo os braços pesados como chumbo. Ele não tinha usado nenhum truque, nenhuma manifestação estranha de poder — apenas varrido de forma comum. E mesmo assim, sentia-se exausto como nunca.
Ao lado dele, Nariko exibia tampas de metal que havia usado como pás improvisadas, orgulhoso de sua engenhosidade. Chen Hua fazia brotar pequenas flores que engoliam folhas e poeira antes de se desfazerem em pétalas perfumadas. Himari tinha grudado sujeira em panos energizados com faíscas, enquanto Sora havia literalmente esmurrado montes de lixo, transformando o trabalho em catarse violenta.
Todos riam, discutindo quem tinha sido mais criativo. Kazuto apenas sorriu de leve, mas no fundo sentia-se deslocado. Ele não tinha nada para mostrar.
Lau passou entre eles, arrastando a vassoura no chão já limpo. — A sujeira externa é só reflexo da interna. Hoje vocês limparam a clareira. Amanhã… terão de varrer a si mesmos. — Então virou-se, indiferente, e desapareceu na escuridão.
Os estudantes seguiram para o refeitório. Mas em outra ala do Refúgio, o sino soou uma nota diferente: grave, longa, destinada apenas aos guerreiros.
No Salão dos Ecos, tochas tremulavam contra as paredes de pedra. No centro, em silêncio absoluto, aguardavam dois dos doze Shisai.
Mikael, o que Escuta o Vento, permanecia de olhos fechados. Seus cabelos prateados se moviam como se brisas invisíveis passassem apenas por ele. Cada respiração era um fio de pensamento estendido para horizontes distantes. Ele não precisava de mapas nem de mensageiros — o mundo inteiro murmurava em sua mente.
Ao lado dele, Ilma, a Guardiã da Névoa, erguia a cabeça lentamente. Sua aura era uma cortina de cinza que oscilava como maré. Dos dedos dela pendiam chicotes de energia translúcida, que surgiam e desapareciam com cada pulsar de seu coração. Seu olhar, escondido por véus de fumaça, era duro e compenetrado: de caça.
Um acólito se ajoelhou diante deles. — Kyoto. Bairro Gion. Um despertar. A família relatou gritos, e depois… nada.
Mikael inclinou levemente a cabeça, ouvindo além do presente. Uma gota de suor escorreu por seu rosto sereno.
“Sinto-o. Preso. Ele chama por alguém. A fera ainda não tomou tudo… mas está perto.”
Ilma apertou os punhos. — Se esperarmos, não sobrará nada humano.
Mikael abriu os olhos, azul-acinzentados, como céu antes da tempestade. — Então vamos.
A estrada até Kyoto estava mergulhada em escuridão. Apenas a lua iluminava os passos dos Shisai. Nenhum deles falava. Mikael mantinha os olhos semicerrados, a mente sempre aberta. Ele ouvia pensamentos dispersos dos moradores: rezas, preocupações cotidianas, sonhos infantis. Mas no meio desse coral suave, havia uma nota dissonante — um grito contínuo, abafado, escondido.
“Ele pede ajuda… mas também quer destruir.”
Ilma caminhava silenciosa, a névoa sempre à volta, apagando seus passos. Aos olhos de civis, os dois teriam parecido vultos, lendas ambulantes.
Quando chegaram ao bairro indicado, algo estava errado. Lanternas estavam apagadas, portas cerradas, janelas lacradas. As pessoas sabiam — mesmo sem entender, sentiam que algo monstruoso vivia entre aquelas paredes.
No fim da rua, uma casa se destacava. Janelas quebradas, portas arrombadas, arranhões enormes nas paredes. O silêncio ali não era natural: era um silêncio forçado, como se o próprio ar tivesse medo de vibrar.
Ilma ergueu a mão. A névoa se espalhou pelo chão, serpenteando pelas frestas. Os pelos de seus braços arrepiaram. — Ele está lá dentro.
Subiram os degraus da varanda. O assoalho rangeu como um lamento. Do andar de cima, ouviam-se rosnados, arranhões, respirações pesadas.
Mikael fechou os olhos, estendendo sua consciência. Dentro da mente do garoto, vislumbrou flashes confusos: uma cozinha aquecida por vapor, uma mulher sorrindo, mãos preparando arroz. Mas por trás disso, um buraco escuro pulsava — fome, medo, instinto.
“Ele ainda se lembra dela… mas a fera empurra.”
Eles abriram a porta do quarto.
O jovem estava ali. Não tinha mais de 16 anos. Seu corpo arqueado tremia, veias negras marcavam-lhe a pele, e de seus dedos brotavam garras informes. Os olhos, vermelhos como carvões.
Ao perceber os intrusos, soltou um urro. As tábuas do chão se quebraram com o impacto da sua investida.
Ilma reagiu no mesmo instante. Chicotes espirituais se lançaram como serpentes de luz, enlaçando braços e pernas. O garoto lutou, rugindo. O poder bruto dele fez as correntes tremerem.
— Ele está se desfazendo! — disse Ilma, forçando os chicotes a apertarem mais.
Mikael aproximou-se, a mão estendida. Sua voz entrou direto na mente do jovem:
“Você lembra dela. O cheiro de arroz. A canção baixa antes de dormir. Lembre-se.”
O garoto estremeceu. Por um instante, as garras recuaram. As lágrimas escorreram. Mas logo a fera rugiu dentro dele, retomando o corpo. As correntes se partiram, o quarto se despedaçou.
Ele avançou com violência.
Ilma saltou, girando chicotes em múltiplos ângulos, refazendo o selo. As fitas espirituais envolveram o jovem de novo, queimando a sombra que crescia nele.
Mikael não recuou. Tocou a testa do garoto. De repente, o mundo desabou em silêncio.
No espaço mental, Mikael caminhava em meio a um campo de flores esmagadas. O céu era vermelho, o vento carregava cheiro de ferro. No centro, o jovem estava ajoelhado, metade humano, metade fera. Ao redor, sombras o puxavam, tentando arrastá-lo.
— Saia! — rugiu a fera, com voz dupla.
Mikael ajoelhou-se diante dele. — Eu não sou seu inimigo. Escute. Há vento mesmo aqui. — E um sopro suave percorreu o campo, erguendo pétalas.
O garoto chorava. — Eu… não consigo… Ela… ela me chamou… mas… eu… —
— Ela ainda espera. — disse Mikael. — A fera quer silêncio. Mas você é mais do que fera. Você é filho dela.
As sombras uivaram, tentando tomar o corpo do garoto. Mikael estendeu os braços, deixando que o vento espiritual dispersasse parte delas. Não as destruiu — apenas abriu espaço.
O jovem aproveitou esse espaço para respirar. E, com esforço, ergueu os olhos. Os vermelhos se desfizeram, revelando castanhos encharcados.
De volta ao mundo real, o garoto desabou no chão. As garras sumiram, os olhos voltaram ao normal. Ainda desacordado, mas humano.
Ilma manteve os chicotes firmes até o último traço de aura selvagem desaparecer. Só então respirou fundo, exausta. — Se demorássemos mais alguns minutos… ele teria sido perdido.
Mikael levantou-se, ainda sério. — Mas não foi. O vento ainda canta dentro dele.
Eles o ergueram juntos. A névoa de Ilma se moldou em um casulo protetor, envolvendo o corpo do jovem.
Na saída da casa destruída, a lua iluminava as ruas silenciosas. Mikael fitou o céu. — Despertares estão se multiplicando. Algo sopra no escuro, chamando as feras.
Ilma ficou em silêncio. Apenas apertou o casulo de névoa nos braços, protegendo o garoto. O rosto dela não se via, mas seus olhos estavam duros como lâminas.
Eles sabiam: essa era só a primeira de muitas noites assim.
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