Índice de Capítulo

    Kim, agora com um pesar no olhar, seguia à frente do grupo, visivelmente ansioso. Ninguém tinha mais ânimo sequer para comprar nada. Caminharam em silêncio até o ponto de ônibus, e, durante o trajeto, Aisha falou bastante sobre a história do reino para Kizimu. Impressionantemente, ela parecia saber mais do que o próprio Kim.

    No passado da história, Átila Ragnar iniciou sua conquista ao norte de Salvador. Começou por Lauro de Freitas, tomando o controle político e militar com facilidade. Em seguida, avançou para Camaçari, onde encontrou resistência, mas venceu com força bruta. Logo após, dominou Mata de São João, consolidando o domínio da costa. Com esse tripé sob seu comando, marchou rumo ao interior e litoral norte. Dias d’Ávila e Simões Filho caíram por influência e poder militar. Conde, Entre Rios e Alagoinhas foram subjugadas com táticas de cerco e alianças quebradas. Araçás, Itanagra e Cardeal da Silva seguiram sem oferecer muita resistência. Por fim, tomou Esplanada, Rio Real e Acajutiba, selando o domínio sobre o trecho norte da Bahia até a divisa com Sergipe. Ao fim da campanha, o território sob controle de Átila Ragnar abrigava cerca de 2,5 milhões de habitantes, todos sob seu novo reino, dividido em Dominados, cada um liderado por senhores que respondiam diretamente a ele.

    Com essa estrutura de avanço e tomada, não houve grandes atribulações, e o reino se consolidou como uma monarquia. Aisha ainda acrescentou que “Ragnar” era o sobrenome do rei, mas, sempre que restava apenas uma filha, a garota herdava o nome do marido. Por isso, ao longo das eras, o nome do rei variava.

    — Isso é tudo muito incrível.

    — E isso não é tudo, eu apenas contei sobre o primeiro rei. Em Insurgia, houve muitos reis incríveis. Ele foi o primeiro, e acima de tudo, ele — como Kizimu bem se lembra — era portador de uma maldição.

    — Então, maldições marcam o reino de Insurgia. Uau.

    Kizimu estava realmente impressionado. Mais do que qualquer outra coisa, ele se admirava com a quantidade de informações que Aisha possuía. Até mesmo Kim, sentado na cadeira de trás, estava prestando atenção. Pandora, por outro lado, dormia — afinal, das oito horas de viagem, ela só descansou nas últimas duas.

    Logo, o grupo chegou ao fim do percurso. O ônibus parou na plataforma chamada “Eco”, a linha direta que levava até o coração do reino. Ao descerem, caminharam um pouco e logo estavam diante das grandes portas do castelo.

    O Castelo Ragnar erguia-se sobre a colina central do distrito, com suas muralhas altas de pedra branca como a neve refletindo a luz dourada do fim da tarde. As torres tinham cúpulas azuis que pulsavam suavemente, em harmonia com o símbolo que tremulava nas bandeiras ao redor: uma estrela negra com linhas azuis que respiravam em um ritmo calmo e constante — o mesmo símbolo que Aisha trazia em seu colar, e que aparecia no centro do brasão real.

    Do lado de fora, guardas com armaduras cerimoniais mantinham a postura imponente, mas não impediram a passagem do grupo. As portas de madeira maciça estavam entreabertas, como se já os aguardassem.

    — É aqui — disse Aisha, com um brilho nos olhos.

    Kizimu respirou fundo. O ar ali parecia mais denso, mais carregado de significado. Eles estavam prestes a entrar no coração da Insurgia. A última vez que sentiu uma ansiedade desta maneira foi há um dia; esses dias estavam trazendo um desconforto no coração de Kizimu, como se o mundo estivesse o testando.

    De dentro das portas maciças, surgiu uma mulher.

    Ela vestia o uniforme clássico de uma empregada real — um vestido preto perfeitamente ajustado à silhueta, coberto por um avental branco de tecido firme, cuidadosamente vincado. Sua postura era uma mistura delicada de elegância e contenção, como se equilibrasse o peso de uma disciplina severa sobre ombros frágeis. Kizimu percebeu isso em segundos. Os cabelos azul-escuros estavam presos em um coque bem estruturado, com mechas soltas que emolduravam suavemente o rosto. Uma trança atravessava o topo da cabeça até desaparecer no penteado, revelando um cuidado meticuloso com a aparência.

    A franja longa cobria parte de seus olhos, mas não ocultava o olhar atento e firme que ela mantinha. Suas mãos estavam unidas à frente do corpo, os dedos entrelaçados com leve rigidez. No semblante tranquilo, havia uma leveza triste, como se ela carregasse muitos segredos e dissesse pouco.

    Sem pronunciar palavra, fez uma reverência breve e precisa, convidando o grupo a entrar.

    Aisha soltou um grunhido quase infantil e saltou sobre a moça, fazendo-a cambalear levemente.

    — Hermieeeeeeeeee! Faz tanto tempo!

    Ela se esfregou na outra como um gato reencontrando o sol. A tal “Hermie”, provavelmente um apelido, tentava mantê-la à distância, com gestos contidos, porém falhava miseravelmente.

    — Ai, vida… eu tenho que me manter posturada…

    — Não comigo — respondeu Aisha, sem soltar o abraço.

    Hermie cochichou, mas todos ouviram claramente:

    — Se a Senhora Viviana souber que estou quebrando o protocolo, ela vai me partir ao meio.

    — Ah, sim… tia Vivi é uma figura mesmo.

    A empregada respirou fundo, ajustou a postura e, com graça, segurou a barra da saia. Inclinou-se levemente ao se apresentar:

    — Meu nome é Hermione Freya. Sou a empregada do Castelo Estrela Branca.

    Todos ficaram impressionados com sua postura refinada e a precisão com que falava — até que seus olhos encontraram Kim.

    Num reflexo quase involuntário, Hermione deu um passo para trás. Em seguida, notando o gesto, abaixou a cabeça com rapidez, tentando disfarçar o receio evidente. Seus dedos apertaram a barra do avental, e ela fingiu esconder o medo atrás da etiqueta.

    Kizimu andou até a garota e ergueu a mão, o gesto tranquilo, firme, carregando um tipo de respeito que contrastava com sua juventude.

    — Meu nome é Kizimu.

    Hermione apenas se curvou, ignorando o gesto de aperto.

    — Aperte minha mão.

    — Desculpa, senhor, mas isso seria um desrespei—

    — Aperte!

    A voz de Kizimu cortou suave, mas carregada de uma estranha autoridade. Ainda sorrindo, ele manteve o braço estendido. Hermione hesitou. As mãos tremiam ligeiramente, como se lutassem contra ordens invisíveis. Com relutância contida, ela enfim cedeu e encostou os dedos nos dele.

    Foi instantâneo.

    O medo que a dominava evaporou. Os ombros, antes enrijecidos pela pressão invisível que carregava, pareciam finalmente respirar. A ansiedade sumia como névoa sob o sol.

    — O que…

    — Não foi nada — disse Kizimu, rapidamente.

    Ele havia aprendido com Aisha: bênçãos e maldições não eram do conhecimento de todos. Era melhor manter o que fez em segredo.

    O grupo passou por Hermione, que se recompôs com rapidez. Voltou à sua postura impecável, mas algo nela havia mudado — uma leveza nova, mesmo que ainda camuflada.

    Mas a insegurança não desaparecera por completo. Kizimu a sentiu, ficou com aquilo na cabeça.

    No momento em que Kim passou por ela, Hermione ergueu o rosto.

    — Senhor Kim… eu agora sou uma empregada. Sei de suas histórias, mas como filho do rei, irei tratá-lo com o devido respeito.

    — … Certo. Irei me lembrar disso.

    A resposta de Kim foi seca, quase fria. Ele não parou, seguiu o caminho sem olhar para trás.

    Hermione então fechou lentamente as portas pesadas atrás deles, o som grave ecoando pelo ar como o fim de um capítulo.

    ✡︎—————✡︎—————✡︎

    O interior do castelo era como atravessar um limiar para outro mundo.

    O saguão principal se abria em uma vasta galeria abobadada, onde o branco dominava tudo — não como ausência de cor, mas como um palco para o azul se manifestar. O chão era de mármore pálido, polido a ponto de refletir os passos do grupo com um brilho líquido. Por entre as fendas das pedras, linhas finíssimas de tom safira desenhavam constelações, como se o céu tivesse sido selado sob seus pés.

    As paredes, altas e elegantes, ostentavam bandeiras verticais do reino: o tecido branco com a estrela negra no centro, cujas linhas azuladas pulsavam devagar, como se respirassem. Exatamente como o colar de Aisha.

    Acima, o teto era uma cúpula translúcida cravejada de cristais. Alguns diziam que aquilo não era vidro, mas um material vivo, sensível ao som. Sempre que alguém falava, os cristais vibravam levemente, e a luz natural que entrava pela cúpula se quebrava em pequenos reflexos dançantes — como uma chuva de estrelas. Era ali que a “Eco” fazia sentido: toda palavra parecia ter um peso, uma reverberação delicada que flutuava e desaparecia como se o castelo estivesse ouvindo tudo, memorizando cada passo, cada frase.

    Lustres em forma de espirais celestes pairavam no ar, sem correntes visíveis, como planetas girando em órbita. A luz que emitiam era azulada, suave, e tocava tudo com uma melancolia discreta.

    — Parece que estamos dentro do céu… — murmurou Kizimu, sem perceber que havia falado alto.

    Aisha sorriu, os olhos brilhando.

    — Dizem que o castelo foi inspirado nos sonhos do primeiro rei. Ele dizia que queria morar entre as estrelas… então construiu uma estrela no chão.

    Kim olhou ao redor em silêncio. Mesmo ele não conseguia esconder o impacto daquele lugar. Pandora, ainda sonolenta, olhou para cima com a boca aberta, completamente envolvida pelo espetáculo sutil de luz e som.

    O Castelo Estrela Branca não era apenas uma residência real. Era um relicário de memória. Um eco dos reis que já passaram. Um suspiro preso no tempo

    E naquele instante, mesmo com todo o peso em seus corações, todos sentiram — como se o castelo os estivesse recebendo. Observando. E aceitando.

    Seguindo os passos de Hermione, eles seguiram até o interior do castelo. A cada doce vibrante sala que adentravam, histórias e historias eram jorradas em seus olhos, como se todas peças a sua volta fosse um mundo inteiro.

    Chegaram a grandes escadas que subiam e pareciam não terem fim. Essas escadas que se abria em tapetes vermelhos abriam uma passagem para os lados, onde seguia a outras áreas do castelo. Mesmo assim, seguiram até o topo, subiram e subiram e no fim chegaram a grandes portões duplos prateados.

    Esses portões prateados foram abertos. Desta vez, não por Hermione, mas por outra mulher — uma figura que exalava presença antes mesmo de pisar no salão. Ela surgiu com a postura de quem comanda, não de quem serve. Usava um vestido longo e impecável nos tons preto, branco e dourado, que ondulava com elegância a cada passo, como se até o tecido soubesse o lugar que ocupava. A cintura era bem marcada, destacando uma silhueta imponente. O corpete firme revelava não só a rigidez de sua disciplina, mas também a força contida atrás daquele olhar calmo.

    Seus cabelos negros estavam presos de forma estratégica, com mechas brancas que escapavam como uma assinatura de distinção. A maquiagem era sutil, mas marcada nos olhos — olhos escuros, analíticos, que não apenas observavam, mas desnudavam intenções. Em sua mão direita, segurava uma bengala ornamentada, não por necessidade, mas como símbolo de autoridade. Era mais que um acessório: era um cetro silencioso.

    As luvas e punhos dourados sugeriam nobreza, e o símbolo em sua cintura — uma estrela estilizada — indicava que não era uma simples serva. Havia algo de reverência nos seus traços, mas também julgamento.

    Quando parou diante do grupo, não fez reverência, tampouco sorriu. Apenas analisou. Primeiro Aisha, depois Kim, Kizimu e Pandora. O olhar durou segundos para cada um, mas parecia carregar horas de peso e expectativa. Sua voz, quando veio, foi suave e firme como seda esticada:

    — Bem-vindos ao coração da Insurgia. Sou Viviana. E vocês estão sob minha responsabilidade… por enquanto.

    Hermione, atrás do grupo, endireitou-se imediatamente. O temor em sua postura era quase palpável.

    Aisha, por sua vez, apenas sussurrou para Kizimu:

    — Essa é a “tia Vivi”… não deixa nada escapar.

    Viviana moveu levemente a bengala, batendo-a contra o chão, e os portões se fecharam sozinhos atrás deles.

    — Avancem. O rei os aguarda.

    E então, como se fosse uma peça de um relógio maior, girou sobre os próprios pés com precisão e caminhou adiante — sem olhar para trás. Passaram pelos portões prateados e se surpreenderam com o que viram. Aisha, como uma guia ambulante, se postou a frente, até mesmo de Hermione. — Essa é a grande galeria de heróis!

    A Sala das Armaduras — também chamada de Galeria de Heróis — era um longo corredor abobadado, onde o silêncio era profundo demais para ser natural. O som dos passos do grupo ecoava de forma estranha, como se as paredes sussurrassem em resposta a cada pisada.

    As colunas que sustentavam o teto eram feitas de um mármore azul-acinzentado, riscado por veios que lembravam constelações. A cada metro, uma alcova iluminada por lanternas de luz branca e pálida revelava uma figura imponente: armaduras completas, erguidas sobre suportes dourados, reluzindo sob a iluminação suave.

    Nenhuma armadura era igual à outra. Algumas tinham elmos em forma de cometas, outras ostentavam mantos com estrelas bordadas em fios prateados. Cada uma parecia contar uma história própria — heróis antigos que outrora protegeram Insurgia, guerreiros dos céus, portadores de bênçãos e maldições. Placas de prata com inscrições brilhavam com letras que mudavam sutilmente, como se estivessem vivas, adaptando-se aos olhos de quem lia.

    Ao fundo, uma enorme estátua negra de obsidiana retratava Àtila Ragnar em sua juventude, não com coroa, mas com uma lança apontada para o alto, e atrás dele, esculpidas na parede, estavam vinte estrelas — cada uma representando uma das vitórias lendárias que consolidaram o reino.

    O teto, abobadado, era feito de cristal azulado e mostrava o céu em tempo real, mesmo que estivessem dentro da montanha. Durante o dia, nuvens passavam lentamente. À noite, estrelas pareciam estar a poucos metros acima da cabeça dos visitantes.

    No centro do salão, entre duas armaduras colossais, uma estrela negra estava incrustada no chão de mármore branco — o símbolo de Insurgia, o mesmo pulsante do colar de Aisha. Ali, tudo inspirava reverência. E medo.

    ✡︎—————✡︎—————✡︎

    Um grupo de jovens bem apessoados estava reunido em frente a uma das grandes vitrines da Galeria de Heróis. Conversavam animadamente, as vozes abafadas pelo eco suave da sala, e não perceberam a aproximação dos visitantes.

    À esquerda, escorado preguiçosamente em uma das colunas prateadas, estava um rapaz de feições duras e cabelo desgrenhado, escuro como carvão. Suas roupas estavam cobertas por poeira e pequenos remendos — um traje funcional e gasto, com faixas amarradas pelos braços e uma capa surrada pendendo de seus ombros. Apesar do olhar entediado, seus músculos bem definidos denunciavam um treino constante. Esse garoto parecia sempre à beira de um cochilo… ou de uma briga.

    Aisha ao seu lado já começou a apresentação base: — Aquele ali — apontando para o garoto — é o Gugu. Ou pode chamá-lo de Guto Uma.

    Ao seu lado, uma figura contrastava totalmente com ele: uma jovem de expressão serena, com longas tranças vermelhas caindo dos ombros e um hábito escuro que envolvia seu corpo como um véu de reverência. Ela segurava um pequeno rosário entre os dedos cobertos por tatuagens intricadas, e seus olhos — grandes e rosados — brilhavam como se refletissem alguma verdade divina. Mesmo em silêncio, parecia estar rezando.

    — Aquela é Bribri, ou Brielle Roxana.

    — Entendi…

    E então, apoiada casualmente em uma armadura de cavaleiro dourada, com um sorrisinho de canto nos lábios e um brinco prateado reluzindo à luz azulada do salão, estava uma garota bem desleixada. Seu cabelo preso em um rabo de cavalo desgrenhado e as roupas largas davam a ela uma aura de despreocupação, quase arrogante. A forma como examinava o local com olhos atentos — não ao esplendor, mas aos detalhes discretos, portas, fechaduras, bolsos — Aquela é Tata, ou Talia Keira. Cuidado por que ela é uma verdadeira gatuna — mesmo que o charme descontraído camuflasse tudo perfeitamente.

    Eles pareciam apenas jovens explorando a sala, mas bastava um olhar mais atento para perceber que cada um carregava muito mais do que deixava transparecer.

    Talia, com olhos atentos e um sorriso maroto no canto dos lábios, foi a primeira a notar o grupo que se aproximava. Sem tirar os olhos de cima deles, cutucou o ombro de Guto com a ponta do coturno.

    — Acorda, Guto. A parada ficou interessante.

    — Ah? Opa… eae… — respondeu ele entre um bocejo e outro, esfregando os olhos como se tivesse acabado de acordar de um cochilo em pé.

    Aisha correu na frente, animada, abrindo os braços.

    — Há quanto tempo!

    — Aishita, quale migucha, veiu ver a gente? — disse Talia com um olhar felino, inclinando a cabeça de lado como quem fareja algo no ar. Seus olhos deslizaram, afiados, de Kizimu para Pandora e então para Kim. Quando o olhar pousou nele, parou por um segundo, quase imperceptível. Uma faísca de reconhecimento? Ou de provocação?

    Brielle se adiantou com um sorriso celestial e a voz doce como canto:

    Portanto, acolhei-vos uns aos outros, como também Cristo nos acolheu para a glória de Deus. Não devemos julgá-lo Tali.

    Kizimu franziu a testa. Ele não entendia por que, mas aquele verso ecoou como um sussurro antigo dentro dele. Aquilo lhe era familiar… por quê? Como?

    Mesmo confuso, avançou e estendeu a mão. Um por um, os cumprimentou. E à medida que os toques breves se completavam, sua tensão se esvaía. Uma paz inesperada e silenciosa se abatia sobre ele. Mesmo Kim, que parecia carregar uma tempestade nos ombros, agora parecia… leve.

    Mas Talia não deixava nada escapar. Com um olhar perspicaz e travesso, leu Kizimu como se cada centímetro dele fosse uma página aberta.

    — Você fez algo com a gente, não foi?

    — Eu apenas tenho esse costume. Não se preocupe — respondeu ele, calmo, mas com um leve peso na voz.

    Talia deu uma risadinha e girou o corpo em um passo lento, deixando sua mão escorregar casualmente por uma armadura dourada ao lado. Seus olhos caíram sobre Kim, e sua língua era uma lâmina.

    — Olha só quem voltou… o bem-apessoado Kim. Aquele que matou os próprios companheiros.

    Não julgueis, para que não sejais julgados. — disse Brielle, firme, cruzando as mãos como quem sela uma oração contra o veneno do mundo.

    Kizimu se enfureceu. A raiva cresceu como um incêndio em seu peito, feroz, e ele deu um passo à frente, o punho cerrado. Mas Aisha agarrou seu braço de imediato. Seu toque era como um freio de seda, e a fúria desabou em silêncio. Ele mesmo estranhou. Aquilo foi… desproporcional. Ou não?

    Pandora então avançou um passo. Seu andar era firme, sua expressão irretocável.

    — Retire o que disse.

    Talia piscou, teatral.

    — Oi?

    — Kim é nosso amigo. E não vou permitir que desonre a honra dele na minha frente.

    Talia a encarou, e o sorriso travesso reapareceu. Brincava com as palavras como quem gira uma adaga no dedo.

    — Nada do que eu disse foi mentira. Se ser verdadeira é ofensa, então… perdão, alteza moral.

    O homem arrogante levanta contendas, mas o que confia no Senhor prosperará. Pare de provocar Tali — disse Brielle, como uma freira em um púlpito de guerra.

    — Cala a boca, Bri. E eu não—!

    — Senhorita Pandora, Talia… — Kim interrompeu, com sua voz baixa, serena, treinada. — Já estou em paz com meu passado. Pandora, obrigado por me defender.

    Ele passou por Pandora com tranquilidade qualitativa. Kim sempre sorria, mas naquele momento, seu sorriso era um quadro emoldurado de tristeza bem escondida. Kizimu viu isso com clareza. Mas os outros… só viam uma pintura belíssima e intocável.

    Talia riu, se apoiando de lado na base da estátua dourada de um antigo herói.

    — Quer dizer que o pequeno príncipe se tornou arrogante?

    — Não é arrogância. Eu só não quero que meus amigos se firam por minha causa — respondeu Kim, sem deixar de sorrir.

    Seu tom era gentil. Seu rosto, calmo. Mas nos olhos… um abismo. Um mar controlado por uma fina muralha de gelo.

    — Quer dizer que o pequeno príncipe se tornou um homem de verdade? Se continuar assim, vou querer um pedaço, hein? Roar~

    — Senhores — a voz de Hermione cortou o clima como um sino de cristal, trêmula — temos todo o tempo para conversar depois. Agora… por favor… sigam-me até o rei.

    A urgência no tom dela era incomum. Viviana havia lhe dado uma ordem direta. E mesmo entre tantos jovens extraordinários, Hermione temia o que poderia acontecer se ela falhasse.

    A conversa, que começou intensa, terminou como um sussurro cortado. Guto, surpreendentemente, roncava escorado numa pilastra. Brielle estava de olhos fechados, murmurando salmos como quem sela a paz espiritual do grupo. Talia, animada, apenas deu um aceno exagerado como se estivesse se despedindo de uma plateia.

    E então, chegaram ao fim do salão.

    As portas.

    Altas como árvores milenares, brancas como marfim polido, azuis como o céu da meia-noite sob as estrelas. No centro, cravado com detalhes em prata pura, estava não o símbolo do Reino de Insurgia, mas um coração negro de bordas vivas, cruzado por linhas azuis que pulsavam como se respirassem, lembrava ao colar de Aisha… e à porta que haviam visto em F. Duf.

    Ali, o tempo pareceu desacelerar. A respiração ficou presa na garganta. Um nó invisível se formou no peito de cada um. Aquela porta não era apenas uma entrada. Era uma promessa. Ou um presságio.

    Os corações batiam forte. Alguns pela ansiedade.

    Outros… pelo medo. 

    E todos sabiam: nada depois dali séria o mesmo.

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