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    Coisas Perdidas – Parte V


    No dia em que a guerra simulada da Fortaleza de Gaiesburg deveria ser realizada, havia doze mil militares a bordo, a maioria deles técnicos. Os dois Almirantes, Kempf e Müller, estavam com eles, naturalmente, mas as pessoas tinham-se agarrado a algumas teorias peculiares sobre se o Almirante Técnico von Schaft, Comissário de Ciência e Tecnologia, se juntaria a eles. 

    Uma história era que von Schaft esperava estar ao lado do Marechal von Lohengramm no início, observando com ele o momento em que a experiência fosse bem-sucedida, mas, em vez disso, o jovem e bonito Marechal Imperial disse friamente: “A sala de comando da Fortaleza de Gaiesburg é o lugar mais adequado para você ficar”, e ordenou que o relutante von Schaft embarcasse na fortaleza. Muitos dos que ouviram essa história acreditaram nela. Não havia nenhuma prova que corroborasse essa história, mas, considerando o caráter de von Schaft, era fácil imaginá-lo dizendo que assistiria à sua perigosa experiência de um lugar próximo aos VIPs, longe de qualquer perigo. É claro que, se a experiência falhasse, o lugar ao lado de Reinhard dificilmente poderia ser considerado seguro para von Schaft.

    Reinhard, acompanhado pelos altos funcionários Mittermeier, von Reuentahl e von Oberstein, bem como por Wahlen, Lutz, Mecklinger, Kessler, Fahrenheit e três oficiais de estado-maior chamados Karl Robert Steinmetz, Helmut Lennenkamp e Ernst von Eisenach, estava sentado na sala de comando central da sua admiralität, olhando atentamente para o ecrã gigantesco. Se a experiência fosse bem-sucedida, a Fortaleza de Gaiesburg apareceria naquela tela — uma esfera cinza-prateada que se materializaria repentinamente contra um fundo de céu índigo profundo salpicado de inúmeros grãos de prata e ouro. Seria um espetáculo verdadeiramente dramático.

    “No entanto, isso só acontecerá se eles tiverem sucesso.” O tom que von Reuentahl usou para sussurrar essas palavras a Mittermeier soou mais cruel do que irônico. Ao contrário do seu colega, que reconhecia Kempf como um comandante melhor do que ele, a avaliação de von Reuentahl era desdenhosa. É verdade que Kempf tinha recebido ordens para fazer isso, mas ele ainda estava dedicando-se de corpo e alma a algo inútil.

    Três membros do almirantado — Werner Aldringen, Rolf Otto Brauhitsch e Dietrich Sauken — estavam sob o comando de Kircheis, mas após a sua morte foram colocados sob a supervisão direta de Reinhard. Todos os três tinham o posto de Vice-Almirante. Além disso, o Contra-Almirante Horst Sinzer tinha sido colocado sob o comando de Mittermeier e o Contra-Almirante Hans Eduard Bergengrün sob o comando de von Reuentahl. Estes Almirantes observavam atentamente o ecrã, do fundo da sala, juntamente com os outros Almirantes e Vice-Almirantes.

    Na sala de Comando Central do Almirantado estavam reunidos os melhores militares do império. Com um simples gesto dos dedos, podiam enviar dezenas de milhares de naves de guerra atravessando o vazio. Aqui e agora, pensou von Reuentahl, seria possível mudar todo o rumo da história da galáxia, bastando lançar uma única bomba de fótons nesta sala. Na verdade, isso não era totalmente correto — não seria necessário que todos ali morressem. Se apenas um deles, um jovem loiro de beleza e inteligência incomparáveis, desaparecesse, isso seria suficiente para mudar completamente o destino do universo. Essa especulação o deixou vagamente apreensivo, mas, ao mesmo tempo, profundamente interessado. 

    Von Reuentahl pensava no que tinha acontecido há meio ano — no que Reinhard tinha dito quando relatou a captura do então Primeiro Ministro Imperial, o Duque Lichtenlade: E o mesmo vale para todos vocês. Se têm confiança e estão prontos para arriscar tudo, vão em frente, desafiem-me quando quiserem. Confiança! O seu olho direito escuro e o olho esquerdo azul moveram-se ligeiramente, e von Reuentahl olhou para o seu jovem senhor. Então, suspirando tão baixinho que ninguém mais podia ouvir, voltou a sua atenção para o ecrã. A voz da contagem regressiva chegou aos seus ouvidos.

    “… drei, zwei, eins…” 1;

    “Oooh!”

    Um murmúrio de suspiros de espanto surgiu entre os almirantes. Por uma fração de segundo, a imagem na tela foi interrompida, mas assim que essa impressão foi registrada, a cena exibida mudou completamente. Agora, o grande mar de estrelas era uma parede de luz e, com isso como pano de fundo, uma esfera cinza-prateada com um anel de vinte e quatro motores gigantes apareceu, espalhando-se pelo centro da tela.

    “Funcionou!”

    Sussurros animados irromperam por toda parte enquanto todos olhavam para a tela, cada um com suas próprias emoções.

    A distorção foi um sucesso. A Fortaleza de Gaiesburg apareceu na orla exterior do sistema Valhalla, transportando dois milhões de soldados e até 16.000 naves. Foi então decidido oficialmente que ela deveria embarcar na viagem para retomar Iserlohn. Era 17 de março do ano imperial 489.


    O Duque von Lohengramm, Primeiro-Ministro imperial, disse de repente: “acho que vou visitar Gaiesburg.” No dia seguinte, ele embarcou em sua nave almirante Brünhild, acompanhado por sua Secretária-Chefe, Hildegard von Mariendorf e seu Assessor-Chefe, o Contra-Almirante von Streit. Após meio dia a velocidade normal, Brünhild chegou a Gaiesburg, onde o Comandante Niemeller, Capitão da Nave, o conduziu ao porto com uma habilidade que beirou a arte.

    Os dois Almirantes, Kempf e Müller, vieram recebê-los e, após felicitá-los novamente, Reinhard acenou para a tripulação que o aplaudia e dirigiu-se imediatamente para o Grande Salão.

    Kempf e Müller trocaram um olhar, ambos surpreendidos pela mesma coisa.

    O Grande Salão era onde Reinhard havia realizado uma cerimônia no ano anterior para celebrar a vitória na Guerra de Lippstadt e onde a lealdade incomparável de Siegfried Kircheis tinha lhe custado a vida.

    “Gostaria de ficar aqui sozinho por um momento. Não deixe mais ninguém entrar.” Dizendo isso, Reinhard empurrou as portas e desapareceu no interior.

    Através da estreita abertura nas pesadas portas, podia-se ver uma parede que havia sido destruída por um canhão de mão, deixada em ruínas e sem reparos. Sempre um administrador prático, Kempf decidiu que os reparos não precisavam ir tão longe a ponto de incluir a decoração interior. O que era verdade, mas agora que Reinhard estava ali, parecia insensível ter deixado o trabalho inacabado.

    Seria apenas para os mortos que Reinhard abriria o seu coração?

    Hilda sentiu uma dor aguda atravessar o peito. Se fosse esse o caso, então a sua solidão e isolamento eram grandes demais para um único homem. Com que propósito Reinhard tinha posto fim ao antigo império e por que estava tentando governar toda a galáxia?

    Isso está errado, pensou Hilda. Certamente deve haver uma forma mais gratificante de viver para um jovem como Reinhard. O que ela deveria fazer para que isso acontecesse?

    Nesse momento, as portas estavam firmemente fechadas, como se rejeitassem todos os vivos.

    Por trás dessas portas, Reinhard estava sentado nos degraus há muito negligenciados que levavam ao estrado. Cenas de meio ano atrás surgiram diante de seus olhos azuis gelados. Siegfried Kircheis, deitado numa poça do seu próprio sangue, disse: “Tome este universo para si…; e depois diga à Srta. Annerose…; diga-lhe que Sieg cumpriu a promessa que fez quando éramos jovens…;”

    Você cumpriu a sua promessa. E eu também cumprirei a minha promessa a você. Custe o que custar, farei deste universo meu. E depois irei buscar a minha irmã. Mas estou com frio, Kircheis. Num mundo sem você nem Annerose, falta-me a luz quente. Se pudesse voltar atrás no tempo doze anos, se pudesse voltar àqueles dias…; se pudesse fazer tudo de novo…; então o meu mundo poderia ter sido um pouco mais brilhante, um pouco mais quente…;

    Reinhard segurava na mão um pingente que não usava no pescoço até há pouco tempo. A corrente e o pingente eram feitos de prata. Com o dedo, tocou num ponto muitas vezes pressionado para o abrir, revelando uma pequena madeixa de cabelo ligeiramente encaracolado, vermelho como se tivesse sido tingido com rubis dissolvidos. O jovem de cabelo loiro, sem mover um músculo, ficou olhando para ele durante muito tempo.


    Numa sala no Gabinete do Senhor do Domínio no planeta Phezzan, o seu Assessor Oficial Rupert Kesselring estava informando o Landesherr Adrian Rubinsky sobre vários assuntos. Depois de primeiro informá-lo que o teste de teletransporte da Fortaleza de Gaiesburg tinha sido bem-sucedido, ele mencionou os movimentos da Aliança dos Planetas Livres.

    “O governo da APL convocou temporariamente o Almirante Yang Wen-li para Heinessen e, aparentemente, decidiu submetê-lo a um tribunal de inquérito.”

    “Um tribunal de inquérito? Então não é um tribunal marcial.”

    “Se fosse um tribunal marcial, seriam necessárias acusações formais para o abrir. O Réu teria de ter um advogado e haveria de haver um registo público do processo. No entanto, estes tribunais de inquérito não têm base legal — ou, por outras palavras, são completamente arbitrários. Muito mais eficazes do que um tribunal marcial oficial, se o que se pretende é um linchamento psicológico baseado em suspeitas e especulações.”

    “É típico da atual liderança da Aliança fazer algo assim. Eles exaltam as virtudes da democracia com a boca, enquanto, na realidade, ignoram as leis e os regulamentos, transformando-os em cascas vazias. É uma forma improvisada — e perigosa — de fazer as coisas. E é porque as próprias autoridades não respeitam a lei que as normas sociais estão desmoronando-se. Um sintoma de que estão entrando em fase terminal.”

    “Mesmo que seja esse o caso, eles devem resolver esses problemas por conta própria”, disse Rupert Kesselring num tom ácido. “Não há necessidade de nos preocuparmos com eles. Quando alguém herda uma fortuna sem ter qualquer mérito, deve enfrentar um teste à altura. Se não conseguir suportá-lo, a destruição o espera e isso não se aplica apenas à dinastia Goldenbaum…”;

    Landesherr Rubinsky, sem dizer nada, bateu com os dedos na mesa.

    1. 3, 2, 1 – em alemão[]

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