Capítulo 7 | Lei da Selva (1)
A trilha era uma blasfêmia na terra. As pegadas não faziam sentido algum: três garras que lembravam as de um pássaro, uma pata parecida com a de um lobo e, entre elas, um rastro liso, como o de uma serpente.
— É como se três animais caminhassem um dentro do outro — murmurou Plutarco, fascinado e aterrorizado, fazendo uma anotação apressada em sua tabuleta de cera.
Teseu não respondeu. A irritação que sentira antes com o escriba se dissipara, substituída por uma apreensão gélida. Ele se agachou, os dedos traçando o contorno de uma das garras na terra úmida. A voz da Dríade ecoava em sua mente:
“uma afronta à natureza”. Agora, vendo a prova física daquela profanidade, ele compreendia o peso de suas palavras.
— Continue registrando tudo, Plutarco — disse Teseu, levantando-se. A determinação em seu rosto endurecia suas feições juvenis. — Se morrermos aqui, pelo menos alguém saberá que tipo de monstro assola esta terra.
Plutarco não precisava que o garoto o instruísse sobre o que escrever, mas apreciou o incentivo.
Ele seguiu a trilha, a xiphos firme em sua mão, cada passo uma incursão mais profunda no território doentio da criatura. A floresta ao redor deles parecia prender a respiração. Os carvalhos e bétulas, antes apenas uma barreira à sua visão, agora pareciam sentinelas silenciosas em um reino profano. O ar tornara-se mais frio, carregado com o cheiro de terra úmida e uma sutil nota de decomposição que fazia o estômago revirar.
O rastro os levou para fora da mata mais densa, serpenteando em direção à encosta de uma colina rochosa que se erguia como um osso quebrado da paisagem. E ali, na base de um pequeno penhasco, estava a fonte das pegadas: uma caverna, sua entrada uma boca escura e silenciosa que prometia apenas escuridão.
Enquanto se aproximavam, Plutarco parou, a mão erguida em um aviso silencioso. Teseu congelou, seus sentidos aguçados. Não era um som que o havia alertado. Era uma presença.
Parada perto da entrada da caverna, pequena e quase engolida pela sombra da rocha, estava uma figura. Teseu relaxou a postura por um instante, o alívio e a surpresa se misturando em seu peito. Era a garotinha que ele vira na cidade.
— Ei! — Teseu chamou, a voz um sussurro controlado para não assustá-la. — O que faz aqui? É perigoso.
A menina se virou, sobressaltada. Ao reconhecê-los, ela não fugiu. Em vez disso, apertou com mais força o cavalinho de madeira que segurava contra o peito. A mesma curiosidade destemida em seus olhos grandes e escuros, mas agora tingida por uma camada de medo e uma teimosia resoluta.
— Eu vim vingá-la… — Ela afirmou e olhou para baixo, um sussurro tímido, como se envergonhada pelo que dizia.
— Como? — Teseu ergueu uma das sobrancelhas em confusão.
— A ovelha… a que foi morta… — ela disse, a voz trêmula, mas firme a seu próprio modo. — O nome dela era Madalena. Era minha.
A confissão pairou no ar, simples e devastadora. Inocente, infante. A dor da menina deu um rosto à vítima daquela noite. Teseu sentiu uma pontada de empatia que afiou sua determinação.
— Eu as segui — continuou a garotinha, apontando com o queixo para as pegadas grotescas que terminavam na entrada da caverna. — Eu quero descobrir o que fez aquilo com ela e garantir que não faça com mais ninguém!
Aquela teimosia, aquela coragem nascida da dor… era um espelho de sua própria inquietação. Ele se aproximou, ajoelhando-se para encará-la nos olhos.
— Eu sei que quer. Mas aqui não é lugar para você. — Sua voz era gentil, mas a ordem era clara. — Fique aqui atrás desta rocha e não saia por nada. Eu prometo que vou descobrir o que aconteceu com a sua Madalena.

A garotinha o encarou por um longo momento, avaliando a sinceridade em seus olhos. Finalmente, ela assentiu, um movimento quase imperceptível, e se escondeu atrás de um grande pedregulho, seus olhos escuros ainda espiando por cima da borda.
Teseu se ergueu, trocando um olhar com Plutarco, que apenas suspirou e preparou sua tabuleta. Com a promessa pesando em seus ombros, o jovem herói virou-se para a escuridão da caverna, a xiphos erguida, e deu o primeiro passo para o covil da aberração.
Espessa, úmida e quase absoluta, engolia a luz da entrada a poucos passos, deixando Teseu em um mundo definido pelo som e pelo cheiro. O ar era gélido, carregado com um fedor de sangue velho e pelo molhado, um odor metálico e adocicado de carne em decomposição que se agarrava ao fundo de sua garganta. O único som era o gotejar lento de água em algum lugar mais fundo e o eco abafado de seus próprios passos cautelosos sobre o chão arenoso.
— Fique perto da entrada — ele sussurrou para Plutarco, que permanecia no limiar, o rosto pálido sob a luz fraca. — E cuidado com a pequena.
Com a xiphos estendida à sua frente, usando o brilho fraco do aço para perscrutar a penumbra, Teseu avançou. Cada passo era um teste de coragem. As paredes da caverna eram frias e pegajosas ao toque, e o silêncio era tão profundo que ele podia ouvir o som do próprio sangue pulsando em seus ouvidos.
Seu pé bateu em algo grande, macio e imóvel. Ele recuou por instinto, a espada erguida.
O silêncio reinou na caverna. Ele inspirou fundo. Uma péssima ideia. A náusea se intensificou.
Agachando-se, estendeu a mão livre e tocou a massa no chão. Pelo. Grosso e emaranhado. O cheiro de podridão se intensificou, nauseante. Com cuidado, ele tateou a forma, sentindo a curva de uma costela, a solidez de um crânio. Era um urso, um grande urso pardo, mas seu corpo estava frio e rígido. Não havia marcas de garras ou de uma luta. Em seu pescoço, Teseu sentiu uma série de perfurações estranhas, buracos que pareciam ter corroído a carne ao redor, como se tocados por ácido.
Os olhos começaram a se acostumar com a escuridão. Já podia discernir uma coisa ou duas no interior do covil. A figura do cadáver do urso jazia à sua frente a menos de um palmo de distância.
Foi quando ouviu.
Um arranhar rápido e agudo na parede de rocha acima dele.
Teseu se levantou de um salto, virando-se, o coração disparado. Ele ergueu a espada a tempo de ver uma sombra disforme se lançar da escuridão do teto. Não era grande, mas era incrivelmente rápida. Ele rolou para o lado, sentindo o vento do ataque e o som de garras finas e afiadas raspando a pedra onde estivera um segundo antes.
A criatura pousou no chão sem som e desapareceu novamente na escuridão antes que ele pudesse focar sua visão. Ele ouvia seus movimentos, um arrastar rápido e errático que ecoava por toda a caverna, vindo de todas as direções ao mesmo tempo. Aquele espaço confinado, que deveria lhe dar proteção, havia se tornado a arena perfeita para seu inimigo.
Squick!
Um chiado agudo soou à sua direita. Ele se virou, um erro. A dor explodiu em sua panturrilha esquerda quando algo o cortou por trás, um golpe rápido que rasgou o couro de sua bota e a carne por baixo. Ele grunhiu, girando com a espada em um arco cego que encontrou apenas o ar.
“Não posso lutar aqui”, a constatação foi rápida e clara. “Preciso de luz. Preciso de espaço.
Fingindo um tropeço, ele recuou em direção à entrada da caverna. A sombra, sentindo a fraqueza, o seguiu. Teseu podia sentir sua presença faminta em suas costas. A poucos metros da luz, ele se jogou para a frente, rolando pela terra e saindo para a clareira ensolarada.
A criatura, em sua perseguição cega, foi atrás.
A luz do dia a atingiu, e pela primeira vez, Teseu — e a garotinha, que espiava paralisada de terror por trás da rocha — viram a aberração em sua totalidade grotesca.
Não era um lobo, nem um pássaro, nem uma serpente. Era todos eles, e ao mesmo tempo, nenhum.
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