Índice de Capítulo

    Árvores que pareciam mortas existiam aos montes. Ao mesmo tempo em que a ausência de vida as cercava, folhas tentavam ressuscitar o sorriso de seus hospedeiros, mas nada adiantava.

    O vento, como sempre, passeava pelo local em sua caminhada diária. Seu dever baseava-se em expandir sua presença para todos os seres vivos, e aquelas árvores não seriam exceção.

    As folhas foram tocadas pela sua gentileza, entregando-se à queda inevitável de seus lares, flutuando como bolhas de sabão até encontrarem a grama e se tornarem parte dela.

    Sem que pudessem sequer pensar em descanso, passos se aproximavam dali, destruindo quaisquer folhas ou gramas que estivessem sob seus pés.

    Infelizmente, nem ela nem suas companheiras foram exceção. Em um crack tão expansivo quanto estouros de pipoca, o frágil corpo que tinham foi destruído.

    Antes de seguir voando sem rumo, pôde ver os olhos de quem passava por ali: tão escarlates quanto as rosas, e no centro, uma fenda escura.

    O cabelo azul dançava com o vento e, atrás de Saito, seguia seu amigo de pele morena, mantendo silêncio por alguns segundos enquanto observava os arredores.

    Nada tinha vida, e o vazio era tudo. Até poucos metros atrás, a floresta era um ponto turístico, com até mesmo corujas morando e cantando em cima dos galhos.

    Agora, as árvores não tinham raízes, tampouco respiravam. Era algo superficial, criado para simbolizar a ilusão de que, ali, a morte se fez vida.

    Enquanto ouvia o som dos passos destruindo as folhas, virou a atenção que tinha para a frente, observando os olhos vermelhos que seu companheiro tinha.

    Eram afiados, brilhavam tanto quanto a lava sendo expulsa do vulcão, tentando esconder a erupção que existia na retina, mas era impossível não notar o barulho.

    Uma breve confusão pousou nos olhos de Morfius. Tudo indicava aborrecimento, e o causador principal desse comportamento era a insegurança misturada com ansiedade.

    Mesmo que não visse nada, ele sabia que algo aconteceria, não com ele, nem com Waraioni, mas com Ônix, o irmão que enfrenta a dor do mundo inteiro.

    Curiosamente, aquele sistema de roleta os deixou em lados completamente opostos, impossibilitando-o de chegar ao norte em pouco tempo.

    Questionando tudo o que podia consigo mesmo, concluiu que a resposta não viria de mais ninguém senão Saito, e que não saberia de nada a não ser que perguntasse.

    Respirando fundo, buscou palavras que não fossem incômodas, tampouco frias de alguma forma. Depois de todos esses minutos em silêncio, indagou:

    — Você queria ir, né?

    O arregalar pousou no escarlate. Seus passos, que tentavam esconder o estresse que existia no seu interior, pararam no mesmo instante em que ouviu a pergunta inesperada.

    O silêncio foi uma das respostas que ele encontrou, mas não a única. Em um ritmo que não aparentava pressa, olhou para trás, esperando explicações mais detalhadas.

    — Digo de acompanhar o Ônix. Tu tá muito preocupado, né? Dá pra ver só de olhar.

    Assim que ouviu o resto da pergunta, sua sobrancelha subiu levianamente. Em sequência, um pequeno suspiro surgiu, misturando-se com preocupação e, curiosamente, alívio.

    Sem dar resposta alguma, virou-se de volta para o caminho que estava indo e continuou a andar, em um ritmo um pouco mais lento do que o anterior.

    Diante dessa atitude inesperada, Morfius apenas o seguiu em silêncio, suspirando discretamente, não por insatisfação, mas por entender o que ele estava passando.

    “Tudo bem. É uma escolha somente dele contar ou não de qualquer forma.”

    Enquanto vagava sem rumo com seu aliado, aproveitou o breve momento de descanso que teriam para abrir o menu individual de jogo, conferindo cada função até achar um tópico chamado “Mecânicas”.

    Antes que conseguisse clicar para verificar, a resposta que desejava ouvir veio de repente. Pela primeira e, talvez única vez, Saito resolveu se abrir um pouco para seu colega.

    — É, eu queria muito ir, muito mesmo. Só que, se eu fosse, tenho certeza que aquele sistema ciano daria um jeito de deixar as coisas ainda mais complicadas. Se eu souber que aconteceu alguma coisa, vou ligar o foda-se e voltar de qualquer forma mesmo assim, então acaba que não importa muito.

    Assim que o respondeu, seu semblante, outrora enfurecido, transitou para algo aborrecido e bobo, como uma criança insatisfeita com o doce que comeu.

    Ao notar esse detalhe, Morfius não conseguiu evitar de soltar uma pequena e genuína risada, respondendo-o em seguida com uma simplicidade ainda maior:

    — KK, tá certo.

    Depois desse breve bate-papo, clicou para acessar a aba do tópico do qual estava interessado. Até então, havia descrições das mecânicas que ele já tinha conhecimento, no entanto, duas lhe chamaram atenção.

    Sistema de Jogo

    BLOQUEIO

    • Sacrificando a sua energia de acordo com o ataque recebido, poderá reduzir o dano em até 90%. Se não houver energia disponível, seu vigor será encarregado de defendê-lo. Se não restar nenhum dos dois, você sofrerá um status negativo que te impossibilitará de correr, voar e bloquear ataques.

    BLOQUEIO PERFEITO — FUNÇÃO

    • Desde que você execute um bloqueio em um tempo perfeito, anulará totalmente o ataque adversário e reduzirá seu vigor considerando a dependência de seu uso. Se o oponente depende do vigor para lutar, este será totalmente quebrado até que se recupere.

    BLOQUEIO PERFEITO – BALANCEAMENTO

    • Nesse mundo, há uma latência variável definida pelo criador desse universo, conhecida em alguns lugares como ping. A latência desse mundo foi intencionalmente variada em cem ou duzentos para que essa mecânica fosse ainda mais difícil de realizar. É necessário bloquear no melhor tempo que há, e é requisito obrigatório que o ping esteja de acordo. Se o seu bloqueio perfeito falhar, o dano que seria reduzido em até 90% cai para trinta.

    Essas eram as únicas mecânicas que haviam fugido de seu conhecimento. Curiosamente, quanto mais benefícios existiam na descrição, maiores eram os riscos.

    Se der certo, há a possibilidade de conseguir dominar o combate. No entanto, se seu adversário souber das mesmas mecânicas, ou suas tentativas forem falhas, principalmente no bloqueio perfeito, a derrota se torna o único caminho disponível.

    “Interessante.”

    Diante de tantas variáveis, surgiu um sorriso cheio de expectativas. Qualquer que fosse o oponente que eventualmente encontraria, tentaria usar essas mecânicas na prática.

    Após todos esses eventos, continuaram a caminhar sem rumo, deixando com que as folhas esmagadas expulsassem o silêncio que seria incômodo.

    Em nenhum momento eles mudaram de direção, nem para a direita, tampouco para a esquerda, mas reto na vertical, se negando a ir em qualquer outro caminho.

    Permaneceu assim durante minutos. As corujas seguiam seus passos cantarolando enquanto os pássaros piavam em cada oportunidade que viam enquanto sobrevoavam as árvores mortas, mas isso não durou para sempre.

    De uma hora à outra, todas as aves fecharam seus bicos e encolheram as asas, alterando até mesmo a forma como respiravam para não serem percebidas.

    Uma energia estranha começava a circular em cada uma das árvores. Era pesada como chumbo, mas ainda mais incômoda do que observar a agulha perfurar uma veia.

    Saito cessou os passos por instinto e percepção, notando em instantes que algo inumano estava por ali, uma presença além do que pode ser chamado de anomalia.

    Morfius se orientou da mesma forma. Por um momento breve, as folhas secas pararam de anunciar ao mundo suas existências, deixando o silêncio dominar a atmosfera.

    A ausência de tudo tornou-se a existência do todo. Nada, além da sensação estranha de que havia algo ali presente, restava naquela floresta esquecida.

    Um vento sutil, entretanto gélido e afiado, passou pelo pescoço dos dois jovens como um sussurro dos mortos, levantando em ambos o arrepiar da angústia.

    Não demorou muito para que as folhas voltassem a gritar, mas estava em um nível além do anterior. Cada passo causava tremores que culminava na queda das folhas.

    Nenhum deles ousou se mexer para que suas ações não fossem consideradas bruscas. Até que aquele que os observava aparecesse, ficar estagnado era a melhor das opções.

    Aquele mostro apareceu em apenas alguns segundos: ainda maior do que alguém com a doença do gigantismo, no entanto, os músculos de seu corpo eram proporcionais à sua massa.

    Verde como esmeralda e forte como um touro, tudo poderia dar a entender que sua existência se limitava a um orc, mas ele não estava em um nível tão inferior.

    Seus olhos, cianos como o mar e ainda mais serenos do que as nuvens, observavam com uma tranquilidade transparente como a bolha as duas presas que havia encontrado por acaso.

    Próximo Capítulo: A Boca de Sangue.

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