Índice de Capítulo

    Íris soltou um gemido abafado, apertando o braço com força enquanto o sangue escorria.
    — Droga, Bruno! Por que tá me mordendo?! — gritou entre dentes cerrados, a dor latejando.

    Ele a soltou de repente, respirando como um animal acuado. O sangue dela ainda manchava sua boca, escorrendo pelo canto dos lábios, e Bruno, por um instante, sentiu o gosto metálico na língua… quente, vivo, pulsante. Aquilo o assustou ainda mais do que a própria mordida.

    Seus olhos voltaram à cor normal, mas estavam arregalados, apavorados. O rosto pálido denunciava que ele não tinha ideia do que tinha acabado de fazer.
    — Quer me explicar o que foi isso? Por que diabos você me mordeu?! — Íris rosnou, o braço já se regenerando enquanto o encarava como se ele fosse um infectado qualquer.

    Bruno passou a mão no rosto, tentando limpar o sangue, mas o tremor nos dedos entregava sua fraqueza.
    — Foi mal… eu… preciso de um tempo sozinho! — disparou, a voz quebrada, sem coragem de olhar nos olhos dela.

    E fugiu. Corria pelos corredores como se algo estivesse queimando dentro dele, os músculos rígidos, a sensação de que cada fibra do seu corpo estava se rasgando por dentro. O gosto do sangue ainda não saía da boca, e isso o deixava ainda mais perturbado, como se sua mutação estivesse crescendo, exigindo mais.

    Aproveitou o alvoroço dos recém-chegados, escorregou pelas sombras e entrou no banheiro da escola, trancando-se lá dentro. Olhou o reflexo no espelho, o sangue nos dentes… e por um instante teve medo de si mesmo.

    Ele entrou no banheiro arfando, o corpo inteiro trêmulo. O reflexo no espelho denunciava a mutação: um dos olhos ardia em vermelho, e a parte branca se dissolvia em um negro viscoso, como se fosse tinta escorrendo.

    A mente dele foi invadida por visões de sangue quente jorrando, respingando em paredes, escorrendo de gargantas abertas. A saliva se acumulava em sua boca, escorrendo pelos cantos, enquanto o estômago revirava num desejo animalesco de devorar tudo aquilo.

    Num surto, Bruno fechou o punho com tanta força que os tendões do braço saltaram. Então, cravou os dentes contra a própria pele, rasgando-a em um estalo seco de carne partida. A dor subiu em ondas, mas ele a afogou sugando o próprio sangue como um viciado em sua droga. O gosto metálico inundava a boca, escorrendo quente pela língua e garganta, e a cada gole ele se sentia mais calmo, mais encharcado de uma falsa saciedade.

    Quando finalmente ergueu a cabeça, os lábios estavam borrados de vermelho, a pele do braço marcada por mordidas profundas. O reflexo no espelho não mostrava um garoto e sim mostrava uma fera encharcada de sangue, respirando como um predador que tinha acabado de matar.

    ***

    Pouco tempo depois, o sol desapareceu por completo, e a noite caiu límpida, pontilhada de estrelas que pareciam zombar da realidade cruel lá embaixo. Na cantina da escola, todos se reuniam em torno de mesas iluminadas por velas, já que a energia daquele bairro há tempos não voltava. O ambiente, apesar de precário, trazia um respiro de normalidade: risadas abafadas, conversas soltas, pratos batendo suavemente no improviso de um jantar comunitário. Entre aquelas paredes, muitos fingiam acreditar que estavam seguros.

    Íris estava sentada perto de Giovanne, falando em voz baixa sobre o mutante que havia enfrentado dias atrás. O tom dela era firme, mas os olhos ainda carregavam a lembrança vívida do confronto.

    Foi então que Bruno surgiu. Caminhava lento, o corpo encostado nas paredes como se cada passo fosse pesado demais. A luz trêmula das velas fazia seu rosto parecer ainda mais pálido, os olhos fundos e apagados. Para a maioria, era impossível notar qualquer diferença naquela penumbra; mas Íris percebeu. Observou quando ele pegou um prato e se afastou, sentando-se sozinho em um canto mais escuro, quase escondido.

    Ela quase se levantou. Parte dela gritava para ir até ele, mas outra parte — a mais cautelosa — a segurou no lugar. Algo no semblante de Bruno não pedia companhia, pedia espaço. Íris, então, ficou apenas observando, esperando que ele desse algum sinal de abertura.

    Do outro lado, Lidya conversava com seus amigos quando o olhar se desviou, capturando Bruno em sua visão periférica. O contraste do garoto solitário, isolado do grupo, a intrigou por um instante. Ela se inclinou para Cristian, sentado ao seu lado.

    — Olha quem tá ali… — murmurou num tom malicioso, indicando Bruno com o queixo.

    Cristian, de pele parda que contrastava com a palidez extrema de Lidya, ergueu a sobrancelha e acompanhou o olhar dela. A chama da vela refletia em seus olhos atentos, sem dizer nada de imediato — apenas deixando a curiosidade pairar no ar.

    Ela sorriu com malícia, os olhos fixos em Bruno. Ele mantinha a cabeça baixa, perdido em algum transe, tremendo como se cada fibra do corpo estivesse sendo corroída por uma ansiedade quase insuportável. Cada músculo parecia pronto para se contorcer, cada respiração um esforço para não ceder à própria natureza.

    Lidya se levantou sem aviso, passos lentos, calculados, aproximando-se. O sorriso torto nos lábios dela era como um fio de provocação que cortava o ar ao redor. Enquanto se aproximava, um cheiro metálico invadiu Bruno: quente, intoxicante, inflamando seus nervos e despertando a fome que ele tentava desesperadamente ignorar. A saliva escorria involuntariamente, e a cada passo dela, o pulso dele acelerava, a vontade de atacá-la crescendo como se o próprio corpo pedisse violência.

    — Caramba, como fede por aqui! — gritou Lidya, provocando-o diante de todos, exatamente como fazia antigamente.

    Bruno mordeu o interior da bochecha, segurando com dificuldade o impulso de arrancar sangue, cada fibra dele queimando de raiva e desejo. Lentamente, ergueu-se, ainda sem encarar-a. Cada passo que dava era carregado de ameaça silenciosa.

    — Tem razão… cê tá poluindo o ar que eu respiro, arrombada do caralho! — murmurou, sem erguer o olhar, os dentes cerrados, a respiração pesada. O simples som de sua voz fazia o espaço ao redor tremer, mesmo que ninguém ali percebesse totalmente.

    Todos na cantina observavam a troca de farpas como se estivessem assistindo a um espetáculo. Sussurros baixos percorriam as mesas, olhares se cruzavam, alguns se inclinando para espiar o desenrolar da tensão. Letícia terminou de encher um prato para Amanda, que não estava presente por causa da presença de homens, e se aproximou de Giovanne, o segundo no comando:

    — Vou lá alimentar a Amanda. E você, não deixa a situação sair de controle, tá bom? — disse, os olhos disparando um alerta para Lidya — Já você, sossega o teu facho. Ele não tava fazendo nada demais, e se ousar continuar com picuinha contra quem tá quieto, juro que te expulso daqui.

    Lidya a ignorou completamente, um sorriso torto brincando nos lábios. Letícia suspirou e seguiu, tentando não se estressar com as intrigas. Giovanne permaneceu observando, sério. Íris, por sua vez, fixava Lidya com ódio, cada fibra do corpo pronta para reagir se Lidya cruzasse algum limite, lembrando do passado em que ela fazia Bruno sofrer.

    Bruno queria sair dali o mais rápido possível. Cada passo carregava tensão, os punhos cerrados, a respiração irregular. O cheiro no ar parecia inflamar seu instinto, cada aroma se misturando à raiva e à fome que tentava controlar.

    Quando começou a se afastar, um prato ainda com restos de comida voou e acertou suas costas. O impacto espalhou comida sobre ele, fria e pegajosa. Ele tremeu, mas conteve a explosão, os dentes cerrados.

    — Não esquece da lavagem, SEU PORCO IMUNDO! — gritou Lidya, rindo maliciosamente, observando cada reação dele.

    Bruno ergueu a cabeça, mas manteve os olhos no chão, cada músculo do corpo tenso, respirando pesado, sentindo que cada fio de ar estava carregado de desafio e perigo.

    Bruno arregalou os olhos, que brilharam em vermelho intenso, como se o ódio que sentia fosse um fogo que consumia cada fibra do seu corpo. As veias do pescoço saltavam, os punhos se cerravam até o branco dos dedos, e a respiração saía em pequenas explosões enquanto tentava conter o impulso quase selvagem de atacar.

    — Vou deixar uma coisa bem clara para você, sua vadia albina do cu estourado — falou com a voz baixa, pesada, respirando fundo entre as palavras para manter o controle — Não sou o Bruno que você conheceu no fundamental. Se ousar continuar me provocando gratuitamente, prometo que, sem nenhum aviso, vou quebrar cada osso do seu corpo e farei com que você sangre lentamente até a morte.

    Cristian não engoliu aquela ameaça. Apertando os punhos, os olhos fixos em Bruno, ele retrucou:

    — Se você encostar num fio de cabelo dela, Mohammad… a gente vai moer você na pancada. Então não precisa fazer nada com ela, além de aceitar calado. Afinal, você não tem ninguém.

    Íris entrou na frente, o corpo tenso, respirando pesado, os olhos cortando a cena como uma lâmina:

    — Tem razão — disse, sua voz firme cortando o ar — Mas não vai precisar fazer nada.

    Em um movimento rápido e calculado, pegou Lidya pelos cabelos e a puxou para trás, inclinando sua cabeça até a altura do estômago. Dois socos certeiros acertaram o nariz de Lidya, que se contorceu e começou a sangrar profusamente, a surpresa e dor estampadas no rosto. Íris a soltou no chão, respirando fundo, encarando Cristian:

    — Se ousar mexer com ele de novo, serei eu que vou quebrar a sua cara. Ele não está sozinho!

    A cantina caiu em um silêncio tenso. O tilintar de talheres e o farfalhar de velas pareciam distantes, como se o mundo tivesse parado para assistir. Bruno permaneceu ereto, a respiração pesada, o corpo ainda trêmulo, os olhos ardendo em vermelho, pronto para explodir.

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