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    A tal sala que Manu tinha dito ser a prova de som era, na verdade, um imenso salão. Era um estranho tecido criado que tornava o som fora. Ali dentro, ele podia ouvir seu próprio coração sem problema algum. Até mesmo seus pensamentos pareciam mais vivos, mais… perto do que deveriam.

    E isso lhe causava estranheza.

    — Salas como essas eram recursos antigos humanos para testes onde trabalhadores, de tempos em tempos, verificavam se estavam aptos a trabalhar. Industriais eram as responsáveis por terem maquinarias altas o suficiente para prejudicarem a audição humana.

    A explicação de Vick fazia muito sentido, e no entanto, a pergunta era como aquele lugar ainda estava de pé?

    — Eu venho aqui sempre que quero pensar — disse Manu indo até o outro lado da sala. E ela girou uma maçaneta, abrindo uma porta escondida. Se Dante não tivesse visto ela fazer, nem saberia que tinha como entrar ali. — Eu consigo ver você por uma pequena câmera e falar por ela, mas não preciso disso porque o que vou fazer é analisar seus movimentos contra um inimigo bem… peculiar.

    Dante virou a cabeça, confuso e interessado na mesma medida.

    — Continue.

    — Muitos dos meus estudos foram feitos e repassados através de dados. — Ela caminhou até onde um amontoado de fios e placas de metal foram jogados em um canto. — Quando eu tive a ideia de tentar criar algo que minha criação poderia entender, mas… eu não sabia como.

    Vick rapidamente falou:

    — Sinto informações sendo enviadas por transmissão aqui dentro.

    — Por isso — continuou Manu —, usei a transmissão que eles usam lá fora. Para transmitir conhecimento, precisei achar um caminho. Foi quando entendi, eram as ondas de frequência. Elas eram a resposta.

    Dante arqueou as sobrancelhas.

    — Descobriu isso sozinha?

    — A habilidade dessa garota humana é bem mais do que interessante. Se ela conseguir evoluir e ser nutrida, poderá chegar a conclusões que nem mesmo a IA Veronica teria capacidade de assimilar. — Vick não parecia impressionada pela maneira como sua voz chegava. — Ter a capacidade de assimilar essas construções seria suficiente para recriar um… um…

    A voz dela falhou.

    O que houve, Vick?

    — Nada. Funções antigas, normalmente desativadas, solicitam funcionamento para concluir essa origem. No entanto, me manter ativa já é suficiente. Apenas continue.

    Dante fez um gesto para Manu continuar. Agora estava bem mais do que interessado, queria ir até o fim com o projeto dela. E a garota foi até os fios, abaixando e apertando algo abaixo dos fios. Rangendo, a fiação se libertou em uma pequena fumaça.

    As placas de ferro rapidamente se juntaram, unificando nos braços e ombros. O contorno do antebraço, interligado por fiação, os dedos metálicos e até mesmo a cintura fizeram Dante a caminhar na direção dele.

    A criatura se levantou, mantendo o mesmo procedimento de placas de metal e fios nas pernas e pés. A cabeça, no entanto, era apenas um cubo amassado sem nada além de pequenos espaçamentos negros onde deveriam ser os olhos.

    Assim que Dante se aproximou, o reflexo da criatura foi o mesmo que o seu. Ele levantou o braço direito, abrindo a mão e separando os dedos. Depois, abaixou dois deles, e a imitação foi praticamente perfeita.

    Manu se aproximou sorrindo, completamente anestesiada por demonstrar seu projeto.

    — Esse é o senhor Holanda.

    Dante afastou um passo e Holanda fez o mesmo.

    — Olá — a voz saiu arrastada no tom metálico. — Sou… Holanda.

    Manu ficou entre eles, com as mãos atrás das costas.

    — Tudo o que eu analisei dos outros, Holanda sabe fazer. — Ao tocar a mão do boneco de metal, o sorriso ficou mais triste. Essa garota era sozinha, mais do que Dante tinha imaginado, e seu primeiro amigo… era ele. — Por isso, eu tentei ensinar a ele palavras de saudações para não ruim quando apresentar aos outros. E — Manu virou rapidamente, a voz desesperada —, ele vai te ajudar com o que pediu, senhor. Por favor, não conte aos outros sobre o projeto Holanda. Por favor.

    Mais uma vez, Dante levantou a outra mão, e o movimento foi idêntico, praticamente no mesmo momento. Ele era um espelho, uma criatura feita para reproduzir movimentos em tempo real. Uma máquina que atuava com dedicação para aprender a fazer algo…

    O mais aterrorizador era que tinha sido forjado e alimentado por uma garota.

    — Manu, desde quando tem feito isso?

    — Ah. Eu… acho que desde que eu tinha praticamente dez anos. Encontrei ele depois de perder… muita gente. E quando Clara me encontrou, eu tive que refazer ele aqui. Por isso que procurei essa sala. Onde eu morava, tinha uma igual, e para ligar os fios de energia nele, precisava… que ninguém soubesse.

    O medo dela era que a eletricidade da Cuba também estava sendo passada para sua criação. Se algum deles soubesse, claramente tratariam como se fosse um problema. Suas pesquisas eram para um verdadeiro manual de como criar um guardião.

    — Prometo que não falarei com ninguém, Manu. — Ela colocou a mão na cabeça dela e Holanda repetiu o mesmo processo, tocando por cima da sua mão. — Ele até que parece ser um cara legal. Se fosse possível ensinar ele a conversar, seria mais interessante, não acha? Podemos tentar fazer isso também.

    — Sério? — Ela o fitou por baixo dos fios rosas. — Promete pra mim, senhor? Ensinaria a ele a conversar?

    — Sim. — Dante deixou seus olhos colados no rosto amassado de Holanda. — Vick, crie uma lista de diálogos. E também veja se encontra algum tipo de memória parcial.

    Manu não sabia o que significava. Mas, de repente, um estalo ecoou da mão metálica que tocava Dante. Segundos depois, as pernas da criatura se contorceram, os fios se tornaram robustos, e ele caiu sentado.

    A cabeça amassada tinha se erguido, fitando o humano, mas seus olhos negros, amassados e dispersos, captavam a essência, personificação… a monstruosidade sentida de uma criatura que não parecia viva. Olhos espelhados em suas costas, tentáculos arrastados por todo o salão silencioso.

    Era um inferno que ele observava e tentava… tentava… tentava analisar e captar os movimentos.

    — Não tente — uma voz sussurrou em seu ouvido. Uma voz doce e metálica, como se fosse o próprio ar assobiando entre as folhas antes de jogá-la para o solo. — Ele está fora da sua alçada. Agora, veja.

    Os fluxos de dados, palavras, letras, frases, histórias… Cada uma das vistas, os olhos através do tempo. Inverno, verão, outono e primavera. E então, uma cena. A vista do mar, no meio da tarde. Holanda nunca tinha visto algo assim. Era belo, o azul se tornava mesclado entre si, parecendo uma pintura feita ao vivo.

    Isso são lembranças?

    — O que houve com ele? — Manu perguntou ajoelhando na frente dele. — O que houve, Holanda?

    Dante ia responder, mas a voz metálica soou.

    — Estou bem, senhorita Manu. — Os dois olhos negros ganharam um brilho esverdeado, firmes e estáticos. — Finalmente posso conversar com você, senhorita. Pronto para Analisar e Reportar.

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