Capítulo 5 — Reino Élfico
O Reino Élfico.
Parecia ter saído direto de um livro de fantasia. Mas não de um desses coloridos, cheios de princesas cantando com passarinhos. Era como abrir um livro antigo, cheio de páginas amareladas, rabiscos à margem e um cheiro estranho.
Torres brancas se erguiam entre as árvores como espinhos congelados, afiadas, quase ameaçadoras. A luz refletia nelas de um jeito que fazia meus olhos arderem.
Luzes verdes flutuavam no ar, vagando em círculos. De longe pareciam vaga-lumes, mas, vez ou outra, estalavam como faíscas elétricas, soltando pequenas descargas que faziam o ar crepitar.
Casas suspensas, feitas de folhas douradas e galhos trançados, se equilibravam como ninhos luminosos. Eram ligadas por pontes, que se curvavam e se endireitavam sozinhas, como se respirassem. Tive a sensação de que, se alguém caísse delas, as próprias árvores se inclinariam para salvar a pessoa.
O chão era coberto por um musgo fofo, macio como tapete recém-colocado. Cada passo que eu dava afundava um pouco, como andar sobre nuvens. E o ar… o ar tinha cheiro de menta, mel e terra molhada.
Eu olhava para tudo aquilo com a sensação de estar preso dentro de um sonho estranho. Um sonho bonito, mas que a qualquer momento poderia se desfazer e virar um pesadelo.
— Bem-vindo, Sam Skyline — disse o mago, enquanto o tapete descia suavemente. Sua voz tinha um peso solene, como se cada palavra fosse uma chave abrindo uma porta secreta. — Ao último refúgio da magia verdadeira.
Por fora, tentei parecer calmo, segurar firme os ombros e não demonstrar nada. Mas, por dentro, parecia que meu cérebro estava fritando. “É real? Como? Por que eu? Isso é seguro?”
E nada saía da minha boca. Era como se minha garganta tivesse travado.
Até que, com muito esforço, consegui perguntar:
— E… por que me trouxe aqui?
Merlin suspirou, os olhos pesados como se carregassem séculos de lembranças. Seus ombros caíram um pouco, como se aquela pergunta fosse mais difícil do que eu podia imaginar.
— Porque, antes que os monstros te destruam… você precisa aprender quem realmente é.
O tapete pousou numa pedra larga, coberta por runas antigas que brilharam sob nossos pés. Cada símbolo parecia se mover, como se nos reconhecesse. À nossa frente, a floresta se abriu sozinha, os galhos se afastando com estalos secos, como se estivesse nos espiando e nos testando.
As árvores eram tão altas que faziam prédios parecerem brinquedos. Seus troncos tinham marcas que lembravam rostos humanos, alguns risonhos, outros chorando, outros gritando. Eu juro que um deles piscou pra mim.
Engoli em seco.
— Vamos, garoto. A floresta não gosta de quem hesita.
— Ela… o quê?
— Depois eu explico.
Segui atrás dele, tentando controlar a respiração. As folhas cintilantes caíam devagar, quase em câmera lenta, girando no ar como se estivessem presas dentro de um lago invisível. Criaturas pequenas — meio esquilos, meio fadas — espiavam entre raízes e sumiam assim que eu olhava diretamente.
E, no fundo, uma sensação esquisita não me largava. Como se tudo fosse bonito demais pra ser confiável. Como se fosse um disfarce.
— Esse lugar era o coração dos elfos — disse Merlin, a voz grave ecoando como se a floresta mesma prestasse atenção. — Eles viviam aqui há milênios.
— “Viviam”? Quer dizer… eles não estão mais aqui?
— Não. Foram extintos, garoto.
— Como?
— Pelos In Shadows.
Parei de andar. O nome soou como um soco no estômago. Eu já tinha escutado aquilo em algum lugar.
— O que foi, criança? — Merlin perguntou, notando minha reação.
Dei soquinhos na minha cabeça, tentando arrancar a lembrança de dentro dela. Até que, de repente, me lembrei.
— Uma mulher — falei baixo, mordendo os lábios. — Digo, um monstro. Ela me chamou disso aí.
Não pareceu que Merlin ficou surpreso. Apenas encarou a floresta com um ar distante.
— Entendo. — sua voz saiu baixa, arrastada. Os cabelos grisalhos, antes amarrados, agora estavam soltos pelo vento, como se até eles sentissem o peso daquele nome.
— O que são os In Shadows?
Ele sorriu de canto, mas não havia nada de alegre naquele gesto. Apenas apontou com a cabeça.
E foi aí que eu percebi.
Magos de túnicas longas andavam entre as pontes e torres. Eles pareciam parte da paisagem, misturados às estruturas vivas. Mas, conforme eu passava, percebi: todos me encaravam. Não era curiosidade. Não era surpresa. Era desprezo.
Olhares cortantes, duros, como se eu fosse uma mancha de sujeira no tapete dourado deles. Alguns chegaram a parar o que estavam fazendo só pra cochichar, os lábios se mexendo rápido. Uma risada curta ecoou de algum lugar.
Arrepios correram pela minha nuca.
— Eles não gostam de mim — murmurei, baixo, quase para mim mesmo.
Merlin apenas confirmou com um olhar pesado.
— Não gostam. E não vão gostar.
— Mas… por quê?
Ele parou, se virou, e me encarou direto nos olhos. Havia fogo ali.
— Porque você é um In Shadow. Lembra quando eu disse que você era um Caçador? Então, é isso que eles fazem. Caçam criaturas mágicas, protegendo os humanos.
Engoli em seco, tentando não parecer abalado. Mas estava. Eu, que nunca tinha sido adotado, que sempre fui rejeitado por meus colegas, agora era odiado até por criaturas mágicas. Só por existir. Só por ser quem eu era.
Seguimos até uma árvore colossal, tão larga que sua base poderia abrigar uma casa inteira. Era oca como uma caverna. Cipós se moveram sozinhos, abrindo espaço quando nos aproximamos, como se nos convidassem a entrar.
— Aqui é onde você vai ficar. É seguro. Por enquanto.
Entramos. O interior brilhava com cristais que flutuavam no teto, iluminando o espaço como estrelas presas. Livros voavam sozinhos entre estantes tortas. Engrenagens giravam numa mesa sem ninguém mexer nelas. Frascos coloridos borbulhavam em prateleiras. E, no canto, havia um espelho enorme, coberto por uma cortina roxa.
No sofá, um gato de duas cabeças roncava, cada lado emitindo um miado diferente.
— Essa é minha casa — disse Merlin. — E, até segunda ordem, a sua também.
Olhei em volta, meio fascinado, meio assustado.
— Você realmente mora aqui?
— Claro. Sou mago. Preciso de silêncio, concentração… e de um gato com duas cabeças.
Revirei os olhos.
— Ótimo. Agora tenho certeza que enlouqueci.
Ele riu. E, pela primeira vez, parecia de verdade.
Com um gesto, desenhou símbolos no ar. Uma aura dourada se espalhou pelas paredes, selando tudo.
— Um feitiço de proteção. Nenhuma criatura pode atravessar.
— Então você está… me protegendo?
Ele ergueu a sobrancelha.
— Não. Estou protegendo o reino de você.
Meu coração parou por um segundo.
Ele se sentou, tomou um gole de um frasco verde, e completou:
— Mas… e se eu não quiser ser um In Shadow?
Merlin pousou a mão pesada no meu ombro.
— Você não tem escolha, garoto. Não pode fugir do seu destino.
Antes que eu pudesse responder, vozes começaram a ecoar do lado de fora. Passos pesados. Muitos.
Olhei pela janela e vi. Magos. Vários. Todos parados, olhando na direção da casa.
— Estão vindo — disse Merlin, sério.
Ele caminhou até a porta, parou e disse:
— Preciso falar com o Conselho. Fique aqui. Não toque em nada.
— Prometo.
Ele sorriu de canto.
A porta se fechou sozinha, lançando no ar poeira dourada.
Estava sozinho.
Ou pelo menos… era o que eu pensava.
O gato de duas cabeças parou de roncar e ergueu as orelhas, olhando fixo para um canto escuro.
Meus pelos arrepiaram.
— Gatinho?
Ouvi passos. Mas não vinham da entrada. Vinham de dentro da casa. Do canto mais escuro, onde as sombras eram mais densas.
De lá saiu um garoto.
Cabelos negros como carvão. Um tapa-olho cobrindo o lado esquerdo. Era quase da minha idade. Caminhava devagar, como se estivesse apenas esperando a hora certa para se mostrar.
Ele me olhou por um segundo.
E lançou uma faca direto na minha cabeça.
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