Girando o revólver na mão direita, o imortal que trajava uma túnica branca caminhava em um corredor obscuro. Os longos cabelos brancos, enrolados em seu pescoço como de costume, quase o sufocavam.

    Cantarolava, sorridente, seguindo seu rumo no subsolo. Encontrava-se a 700 metros abaixo do solo da cidade de Sirius. O espaço vazio em que caminhava era inteiramente feito de bismuto — um metal difícil de se magnetizar —, medida de segurança contra uma certa semideusa problemática aos seus planos.

    Lâmpadas elétricas iluminavam parcamente ao decorrer dos metros. A luz não era capaz de atingir cada canto uniformemente, deixando partes imersas num breu total. Os olhos dourados, no entanto, viam com clareza.

    Distraído com seus pensamentos, surpreendeu-se com uma vibração. Era algo em seu bolso, um pequeno celular com botões.

    “Uma ligação, mas agora?”

    — Alô?

    — Bel… Yunneh Velgo está sendo levada para aí — disse uma voz feminina e suave.

    — Sério?

    — Não entrei em contato anteriormente por estar resolvendo minhas próprias pendências antes de hibernar. O Experimento 02 recebeu a missão de encontrar o líder dos homens encapuzados em Sirius, você, e teve uma ideia estúpida. Está sendo levada até essa base agora mesmo.

    — Poderia ter me falado logo disso, né, Siralia — resmungou, bem-humorado.

    — Vocês são muito dependentes de mim, é irritante. Busquem novas formas de se informarem em minha ausência. — A respiração pesada sinalizou que ela não estava aberta para brincadeiras.

    — Certo, certo, peço desculpas.

    A ligação foi encerrada sem dar margem para que ele falasse qualquer coisa. Sorriu e limpou a cabeça de qualquer intenção negativa sobre Siralia por precaução.

    — Já que aconteceu… Farei um teste divertido.

    Estendendo sua mão, um líquido em constante metamorfose surgiu, trocando de cores centenas de vezes por segundo.


    Os olhos de Yunneh se abriram, alvejados pela luz que encontrava-se adiante. Uma lâmpada elétrica, coisa que nunca viu pessoalmente, jogava sua luminosidade para dentro do espaço claustrofóbico.

    — Ai… minha cabeça. — Colocou a mão na região da têmpora e se focou em respirar.

    “Quando foi que eu desmaiei?”

    Demorou a notar que encontrava-se atrás de grades, presa. O espaço metálico a deixou afundada em confusão, mas outra coisa chamou-lhe a atenção. A pessoa que viu confinada no cristal dourado enquanto era levada estava ao seu lado.

    O jovem desacordado tinha uma única característica chamativa, uma marca de nascença em formato de lua minguante abaixo do olho direito. Os curtos cabelos pretos estavam repletos de pequenos fragmentos dourados.

    “Vou precisar dar um jeito de achar o líder desse lugar e ajudar esse cara a sair daqui…”

    Levantou-se e apoiou a mão na parede para ficar de pé. Após recuperar o equilíbrio, formou uma espada de gelo e concentrou Roha para realizar um ataque contra as barras daquela prisão. Seu primeiro corte não resultou em nada, apenas viu a lâmina se estilhaçar.

    “Entendi, esse ferro não é normal. Bora ver então!”

    Formando um par e entrando em sua pose de empunhadura dupla, realizou um ataque brutal, arrebentando as barras e as enfincando na parede de bismuto. O som metálico ecoou pelos corredores.

    Olhou para trás, vendo que o sequestrado ainda dormia como uma criança.

    “Ah, pera lá, né?!”

    — Acorda! Nem essa barulheira vai te tirar desse sono aí? — Bateu com a espada de lado, para não cortar, na cabeça do rapaz.

    — Quê?! Ei, ei, ei, quem… quem é você? — Levantou de sobressalto, afastando-se ao máximo dela.

    — Olha, não temos tempo pra bate-papo. Um pessoal te sequestrou e eu vim te resgatar, então só me segue que você não morre! — Puxou pelo braço para tirá-lo daquela cela.

    O jovem foi contrário no começo, mas, após perceber o quão bizarro era aquele lugar e a seriedade com que ela tratava sua segurança, deixou-se levar. Seu nome era Darian, detalhe que Yunneh conseguiu pescar com um pouco de conversa.

    Os corredores de bismuto, quase que labirínticos, não pareciam dar em lugar algum conforme seguiam. Ouviam a respiração e os passos um do outro há minutos. Instintivamente, focavam-se em prestar atenção em qualquer variação sonora ou espacial do ambiente. Tudo era tão idêntico que seus cérebros clamavam por qualquer mínima mudança.

    A monotonia das batidas dos calçados naquele chão metálico, unida às respirações pesadas de ambos, amplificavam-se pelo vazio completo daquele espaço, tornando tudo pior. Um total de 20 minutos de uma verdadeira tortura sensorial.

    Questões sobre como o oxigênio circulava em seja lá onde estavam começaram a ser levantadas, também sobre a extensão total daquele ambiente. As poucas coisas que tinham por lá para pensar sobre já tinham torrado a paciência de Yunneh.

    — Essa merda de lâmpada tá começando a me irritar! Como podem ter feito um corredor que nem conseguem iluminar direito!

    — C-calma, por favor!

    A expressão irritadiça mudou de imediato para um sorriso animado.

    — Tem alguma coisa lá na frente! — Ela o deixou para trás, seguindo rumo a um brilho.

    A luz ofuscante emanada do fundo do corredor, ao se aproximar, foi revelada como proveniente de uma imensa orbe translúcida, suspensa por correntes de ouro maciço. Uma vastidão branca, um salão monstruoso, revelou-se diante de seus olhos.

    “Que droga de lugar é esse?”

    Toda aquela grandeza era sustentada por centenas de lindas colunas brancas que, em sua maioria, apoiavam o alto e áspero teto do lugar. Organizavam-se circularmente, afastando gradualmente do centro cintilante. As profundas sombras das colunas, projetadas à luz da esfera, seguiam um padrão absolutamente perfeito, recaindo sobre pequenos altares circulares que se encontravam entre as pilastras.

    O posicionamento perfeito os faziam capazes de contemplar a esfera que cedia vida ao lugar, e também os altares tocados milimetricamente pela escuridão. Era algo que faria até o mais experiente dos arquitetos ou matemáticos se surpreenderem, pois era certeza que tudo foi feito à mão.

    — Tem uma escadaria na esquerda, vamos descer? — questionou o rapaz.

    — Pode ser. — Suspirou. — Espero que isso seja perto da saída…

    Os degraus pareciam intermináveis antes de chegarem ao nível da base dos pilares. Finalmente puderam ver o que jazia sobre os altares. Uma série de ampulhetas foram centralizadas em cada um deles. Suas areias douradas fluíam para cima e para baixo, mudavam esse padrão a cada fileira.

    — Que lugar estranho… por que nos trariam para cá?

    — Isso que eu quero descobrir. Me deixei ser sequestrada pra tentar o achar o líder desse…

    Sangue caiu pelo chão.

    “Ah?”

    Yunneh sentiu pescoço aberto de um segundo para o outro. Uma onda queimação na pele a assustou, fazendo-a fechar a ferida por reflexo com a Definição da Vitalidade.

    “Que merda foi essa?”

    — Quem tá aí?! — gritou, sentindo o ardor das suas cordas vocais recém-curadas.

    A resposta obtida foi o mesmo opressivo silêncio vazio de sempre.

    — Yunneh, você tá bem?!

    — Não se preocupa comigo, se preocupa em não morrer! — Ergueu suas duas espadas de gelo.

    Darian correu para perto de uma das pilastras e ficou de costas para ela. Os olhos vagavam entre os sustentáculos adjacentes, buscando qualquer coisa. Suas mãos suadas, fechadas pela apreensão, foram erguidas na altura do rosto por medo de ter a cabeça arrancada.

    Elevando a umidade do ar, Yunneh formou centenas de lâminas gélidas. Flutuavam aguardando o momento certo para cravejar seu misterioso alvo. De olhos fechados e com a percepção rumando ao auge pela adrenalina, tentava localizá-lo pelo som.

    O barulho pequeno de uma gota. Algo extremamente frio escorrendo pela testa.

    “Espera…”

    Ao olhar para cima, seu cérebro mal teve tempo de processar a figura que mergulhou em sua direção. Tentou segurar o ataque, mas viu o braço direito ser separado de seu corpo com a simplicidade de uma folha sendo puxada de uma árvore.

    — Vegarten! — Largou a espada que segurava na mão esquerda e a utilizou para recriar o braço direito inteiro.

    Afastou-se da figura, vislumbrando sua forma com clareza pela primeira vez. Era algo transparente e reflexivo. A luz branca do ambiente dava os contornos de seu corpo, revelando uma forma humanoide e líquida, fluindo.

    — Tu é um fantasma por acaso?! — Segurou seu novo braço com um sorriso nervoso no rosto.

    Com a falta de resposta, ela utilizou o sangue de seus ferimentos para expandir um grupo de agulhas de sangue congelado. Atravessaram o alvo. Apenas isso, atravessaram-no sem qualquer efeito. O inimigo permaneceu inerte, como se nada tivesse o tocado.

    “Eu me ferrei legal nessa, né?”

    “Chutando alto, e espero estar errada pra caralho, essa praga aí deve estar no meio do caminho pro nível da Lorellai.”

    — Darian, cai fora daqui e me espera nos corredores de onde viemos. Não quero te matar por acidente!

    — Fica viva! — Obedeceu sem qualquer contraposição e voltou rumo à escadaria.

    Recobrando sua empunhadura com uma dupla de espadas de maior densidade, elevou seu Roha ao máximo que era capaz. Tudo ou nada, era morte certa tentar fugir, então…

    — Eu vou dar um jeito de te cortar na marra! — Avançou, pulando entre os pilares em várias direções para tentar confundi-lo.

    O monstro berrou, fazendo o salão estremecer, e uniu-se ao joguinho. Ambos saltavam entre as colunas em alta velocidade, buscando uma chance perfeita de um interceptar o outro. As batidas rápidas dos calçados de Yunneh contra as colunas ecoavam por todo canto.

    “Você é meu alvo!”

    Formou-se um sorriso intenso em seus lábios.

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