Capítulo 16 - Hemorragia Parte 2
O som repetido das sandálias de Yunneh batendo contra as colunas ficava mais rápido a cada segundo. Detritos voavam pelo chão com os impactos que rachavam-nas impiedosamente.
“Ali…”
“Espera?!”
O vulto reflexivo surgia de um canto para o outro, muito mais rápido do que ela. A luz refletida pelo corpo líquido deixava um verdadeiro rastro dentre as sombras dos pilares que cruzava, denunciando sua posição. Porém, mesmo que deixasse sua posição óbvia ao atravessar as sombras, não havia velocidade o suficiente por parte de Yunneh para interceptar.
“Isso é um problema! Esse desgraçado tá muito rápido, se ele bater em mim…”
De repente, sentiu algo sólido passar de raspão por seu rosto, lacerando a carne. O ardor na pele intensificou o pico de adrenalina que a impulsionava. Percorreu-lhe a espinha um calafrio terrível, visceral.
Um estrondo violento ecoou pelo salão e, quando seus olhos puderam notar, dezenas de pilastras haviam ido ao chão, completamente destroçadas. A grossura dos pilares trouxe a ela a ilusão de que seriam mais resistentes, mas um único golpe da criatura arrancou dezenas do chão como meros gravetos enfincados na terra.
“Ele…!”
Curou a ferida no rosto e continuou os saltos entre os pilares, ofegante. Tentava prever a posição do próximo salto que o alvo daria. A cabeça queimava numa concentração total, cada fibra de seu ser focava-se na tarefa de entender a movimentação inimiga.
Não piscava, nem pensava, deixava-se ser guiada unicamente por seu intenso instinto de sobrevivência. Sentia a cada feixe de luz refletido contra seus olhos mediante a escuridão, na inescapável confusão sonora de batidas de seus pulos, que deveria atacar.
— Está hesitando? — Ressoou no espaço uma voz tranquila.
“O líder?”
Sua concentração foi quebrada e, como resposta, recebeu um golpe brutal em cheio. Sentiu toda a estrutura de caixa torácica para arrebentar, afogando-se na sensação de que os ossos se fragmentariam e seus órgãos e explodiriam. Bateu de costas contra uma pilastra e tossiu sangue.
Ouvindo apenas um zunido infernal rasgar sua audição, gritou, desesperada, numa enorme falta de fôlego: — Vegarten!
Mesmo o Roha aumentando sua resistência, sentiu que estava à beira da morte.
“Por favor, por favor, me salva!”
O clarão dourado, surgido de sua mão, recuperou-a por completo em segundos.
“T-tá voltando!”
Teve tempo de reação suficiente para escapar de um novo golpe. A mistura de sensações elevou-se com o novo estrondo ainda mais violento que o anterior. Uma nuvem de poeira a fez tossir violentamente enquanto sentia as lágrimas se misturarem ao sangue que escorria por seu rosto.
“Tá queimando, merda, merda… Ah…”
O ato de respirar com seu sistema respiratório recém-restaurado lembrava a dor que sentiu ao estar na presença de Quilionodora. O ar ardia, ardia como o inferno, mas não podia parar de respirar o ar empoeirado.
— QUEM TÁ AÍ?!
Retomou seus saltos velozes entre os pilares, desnorteada pela sobrecarga sensorial. O cérebro infestado pelos estímulos a tornou um alvo ainda mais fácil, e ela tinha noção disso. Tentar fugir não era opção e um ataque direto contra algo que nem sabia como acertar também estava fora de cogitação, era suicídio.
— Hehehe… Ninguém especial, apenas uma pequena andorinha que busca o fim. — O som de sua voz foi afetado por um chiado evidente.
“Um rádio?”
“Então ele nem tá aqui dentro?”
Em um piscar de olhos, presenciou o reflexo vindo contra seu rosto. Desviou por pouco. Sentiu apenas o ar turbulento passando por si. A vastidão do salão ficava cada vez mais clara com a queda de mais colunas. Suas opções de movimento tornaram-se menores.
“Tenho que… tenho que dar um jeito de matar ele antes que acabem as pilastras!”
Uma ideia surgiu em sua mente ao analisar melhor a situação.
“Sólido?”
Notou que a coisa mudava de estado material para atacá-la, indo do líquido ao sólido. Seus ataques prévios o atravessaram sem nada fazerem, então a resposta residia bem nesse fato. Precisava atacar no momento exato de solidez.
Mas…
— Esse papo de mirar bem não é comigo! — Respirou fundo e gritou com todas as suas forças: — Revelação: Despina!
O clarão azul surgiu de sua mão e expandiu-se pela área do salão, cobrindo ele quase por completo. O frio vigoroso tomou conta do espaço e a umidade do ar foi elevada. Cristais de gelo surgiram pelo ar, dezenas, centenas, milhares deles por toda parte.
— Meu gelo não pode me machucar caso assim eu escolha… — Formou uma espada e a bateu contra a própria cabeça. Não resultou em nada. — Então vamos fazer uma brincadeira divertida, seu maldito!
Com as diversas pedras de gelo no ar, flutuando com o Roha, ela cravou a espada no chão e uniu as duas mãos. Lâminas, lâminas e mais lâminas de gelo tomaram o salão e começaram a girar por toda a extensão do lugar.
O ruído dos movimentos circulares e a presença de tantos objetos alertou o monstro.
“Agora!”
As espadas atingiram cada pedregulho de gelo, fragmentando-os em incontáveis pedaços afiados tomados pelo Roha. Batiam e lascavam a pedra dos pilares brancos, arrebentavam tudo. Uma nevasca cortante interminável que engoliu o salão.
Sorridente, caminhou intocada pelo turbilhão gélido. Com as mãos juntas atrás das costas, foi até seu inimigo, parando poucos metros à frente dele. Fitou a criatura que, agora, permanecia inerte, sendo atravessada sem qualquer dano.
— Meu querido copo d’água, tá com medo de voltar a ser sólido?
O som de interferência de rádio ressoou.
— Avicé, destrua o orbe no teto — disse o homem que vigiava o combate.
“Quê?!”
De um instante para o outro, a fonte de luz do salão foi destruída. O véu da escuridão erigiu-se sobre o branco do local. O breu opressivo era quebrado apenas pelo azul luminoso da Revelação. Não existia mais reflexo para indicar a posição do alvo.
— Tá de brincadeira, né?! — Yunneh aumentou o número de espadas circulando no ambiente. — Não preciso te ver pra te matar!
E, então, o imortal ordenou: — Avicé, dê o que ela tanto busca.
Estalos incontáveis surgiram na umbra, além do alcance da luminescência gélida. A poeira levantada no ar ganhou um tom macabro naquela luz fraca. Caçava com os olhos qualquer sinal na direção de onde vinha os ruídos.
Para seu terror, a figura humanoide se aproximava caminhando calmamente naquele caos. Pequenas rachaduras surgiam eu seu corpo, irrelevantes. Solidificado, parecia um enorme agrupamento de bolhas cinzas e rígidas. Certamente sua estrutura era mais dura do que as barras da cela que Yunneh havia quebrado.
“Tá definitivamente pro lado do patamar da Lorellai!”
“Se eu manter isso por mais tempo, minha energia pode acabar e isso vai ser um problema.”
— Tudo ou nada — afirmou, cheia de si.
A luta chegava aos seus 2 minutos de duração.
Um único ponto, a cabeça do inimigo. Toda a nevasca se direcionou para esse exato lugar. Os barulhos contra o corpo não eram mais meros estalos, mas verdadeiros estrondos incansáveis e impetuosos. A tempestade cortante focalizada era extremamente perigosa.
No rosto da jovem surgiu um sorriso sádico, seu sorriso característico de quando pensava em matar ou ferir algo. Do canto dos lábios, escorreu sangue. Pingou em seu pé.
“Uh?”
Usou sua Revelação em 3 dias consecutivos, seu corpo ainda não resistia a isso propriamente. Suspirou e manteve seu ataque, confiante. Não acreditava que fazer isso iria a matar; era motivo o suficiente para continuar.
A voz do espectador voltou: — Que ânimo saber que é tão forte, querida Yunneh Velgo.
— Como você sabe quem eu sou?!
— O que foi? — questionou com tom irônico. — Talvez te contar algumas coisas te dê mais um pouco de sede de vitória… Não, não! Cobiça. Cobiça…? Também não, acho que o melhor termo seria voracidade pela vitória.
“Que que esse cara tá falando?”
O imortal prosseguiu: — Meu nome é Belphegor Nerose Omnia Ahesvar Maggnia… Fui eu quem convenceu sua mãe a deixá-los e também um dos envolvidos na morte do patético homem que você chamava de pai.
— Ah? — Subitamente, uma vontade de chorar surgiu em sua face. As pálpebras tremeram, tamanha a fúria que crescia em seu peito. — Quem… QUEM VOCÊ ACHA QUE É PARA TER O DIREITO DE FALAR ISSO SOBRE O MEU PAI?!
Se a chama do frenesi que queimava em seu peito pudesse se concretizar como fogo no salão, de certo o gelo sumiria. Queimava visceralmente em seu coração, frenético e errático, uma vontade assassina que nunca sentiu antes, nem mesmo pelo dragão.
— EU VOU TE MATAAAAAR!
Toda a nevasca se desmanchou, retornando ao centro luminoso azulado. A fúria ensandecida amplificou o Roha, tornando a Revelação ainda mais poderosa. A sala branca foi banhada naquele cerúleo cintilante.
Os olhos arregalados encararam a aberração adiante como um mero obstáculo que a separava de esquartejar Bel, tal como queria. Avançou com um salto veloz, foi para cima do alvo.
Mas, quando estava prestes a cair e realizar seu ataque, sentiu algo muito estranho, um calafrio. Notou que os altares permaneciam inalterados, como se seus ataques não tivessem os tocados, e era fato. As ampulhetas centradas em cada altar não tinham saído do lugar, todas intactas.
“Essas coisas…”
Ignorou, por um momento, suas dúvidas e caiu sobre o adversário, atingindo-o em cheio com a Revelação na cabeça. Optou por reverter todo aquele poder, transformando novamente em energia pura para atacar com a maior força possível na altura do crânio.
Uma explosão energética lançou a aberração solidificada para longe, sem a cabeça. O corpo tornou-se poeira e, nesse momento, ela entendeu tudo.
Creeeck.
Uma única ampulheta estourou no salão inteiro no momento da morte.
— Queeerida Velgo! — disse, entusiasmado. — O que pretende fazer quanto aos outros 199?
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