Índice de Capítulo

    Livros empilhados ocupavam prateleiras de carvalho. Suas lombadas variavam em tons de marrom e dourado, o cheiro de tinta e papel envelhecido impregnava o ar.

    A lareira crepitava suavemente, lançando sombras dançantes sobre o tapete gasto que cobria o chão de pedra. Alunys estava sentada, confortável e aconchegada em sua poltrona.

    O calor era um consolo, uma lembrança de tempos mais simples e menos tumultuados.

    Sua pele alva contrastava com os cabelos loiros que caíam em cascata sobre os ombros. Óculos redondos repousavam no nariz delicado, e seus olhos azuis, sempre atentos, pareciam absorver cada palavra escrita nas páginas dos livros ao seu redor.

    Ela suspirou, os dedos finos traçando a borda de um livro antigo, suas unhas curtas e limpas.

    Era um tomo de poesias élficas, um tesouro que ela havia descoberto nas profundezas da biblioteca.

    Desde que assumiu o ducado, Alunys havia desenvolvido um amor profundo pela poesia.

    Os versos élficos, com sua melodia sutil e profundidade emocional, ofereciam a ela uma fuga do peso das responsabilidades e decisões que acompanhavam sua posição.

    Toc! Toc!

    Dois toques na porta interromperam seu devaneio, e o coração dela saltou. Ela sabia quem estava ali.

    A porta se abriu, e os olhos de Alunys brilharam.

    — Senhor Colin! — exclamou ela, correndo até ele. Colin, com um sorriso paternal, a ergueu pela cintura, girando-a no ar.

    — Você cresceu ou é impressão minha? — brincou ele.

    Ela riu, uma risada melodiosa que ecoou pelas paredes forradas de livros.

    — Você diz isso toda vez, mas não vou crescer mais — respondeu ela, ainda rindo.

    Colin a colocou de volta no chão com suavidade, e Alunys o olhou com admiração. Para ela, Colin era como uma constelação, brilhante e distante, impossível de não observar com fascínio.

    — Ouvi todas as coisas incríveis que você fez — disse ela, os olhos brilhando. — As batalhas, os pactos, os segredos que desvendou!

    Colin se sentou na cadeira de couro, e Alunys, com a graça de uma anfitriã dedicada, serviu o chá.

    Ela se sentou ao lado dele, os joelhos se tocando.

    — Viu o seu pai? — perguntou Colin. — Ele veio até mim meses atrás e eu disse que levaria ele e suas irmãs até você, mas isso nunca aconteceu.

    Ela sorriu, o fogo da lareira dançando em seus olhos.

    — O encontrei no ducado antes da guerra estourar. Ele me disse que sugeriu formar um ninho com minhas irmãs, mas o senhor não quis. Não se preocupe, ele também falou muito bem do senhor e do reino.

    Ele relaxou na poltrona. — É bom ouvir isso. Sinto muito pelo que aconteceu no ducado, ele foi destruído, né?

    — Isso não foi nada — A Elfa abanou as mãos. — O importante é que ninguém se machucou. Falou com Kurth?

    — Não tive tempo, eu soube que ele está em uma missão agora.

    Ela assentiu, desviando o olhar por um momento, como se pesasse suas próximas palavras.

    — Fiquei preocupada com ele… A mãe dele está na cidade, eles se encontraram e ela contou tudo o que aconteceu…

    Colin estreitou a vista. — A mãe dele? Ela… está viva?

    — Sim — disse Alunys, a voz baixa, quase um sussurro. — Teve que vender o corpo para sobreviver… acabou tendo uma filha e foi rejeitada… sorte que ela veio parar aqui, conosco.

    “Tsc… saco…”

    — Quer falar com ela, senhor Colin? — perguntou, empolgada. — Ela só achou Kurth por sua causa, ouviu as histórias de que aqui era seguro, de que o senhor acolhia a todos, sobre a chance de um recomeço.

    — Tá… tá… me leve até ela…


    Os corredores do castelo eram como veias antigas, pulsando com histórias de glória do rei nas paredes. Alunys guiou Colin por entre as sombras, até chegarem a uma porta de madeira maciça.

    Ela a abriu, revelando um aposento pequeno e acolhedor. Brinquedos de madeira estavam espalhados pelo chão, e uma mulher ruiva, de olhos verdes como esmeraldas, estava ajoelhada ali, sacudindo uma bonequinha para uma garotinha de cabelos vermelhos.

    Assim que avistou Colin, a mulher se levantou, os olhos arregalados. Fez uma reverência, e Colin abanou as mãos, como se dissesse que formalidades não eram necessárias.

    A mulher engoliu em seco, nervosa. Alunys, com sua gentileza natural, os apresentou.

    — Essa é Willa, a mãe de Kurth, e Willa, esse é o senhor Colin!

    — O-oi…

    — Por favor, deixe-nos sozinhos, Alunys — disse Colin, a voz firme. — Precisamos conversar.

    Alunys pegou a menininha nos braços, sorrindo para ela. — Vou cuidar dela, não se preocupe.

    Willa assentiu, mas havia apreensão em seus olhos. Era difícil contrariar uma ordem do rei, mesmo que viesse de forma tão delicada.

    Colin encostou o quadril na mesa, estudando a mulher. — Ouvi falar de você — disse ele. — E é um prazer finalmente conhecê-la pessoalmente. Você é igualzinha à foto que encontrei.

    A mulher franziu o cenho, sem entender. Colin desviou o olhar, como se buscasse coragem. — Encontrei o seu marido anos atrás — continuou ele. — Era um lugar caótico. Uma batalha havia acabado de ocorrer… sempre quis dizer isso a Kurth…, mas nunca tive coragem…

    Ela ficou em silêncio, os olhos fixos nele.

    Apreensiva, perguntou: — Dizer o quê?

    Colin suspirou, encarando-a com olhos firmes.

    — Eu o matei.

    A mulher ficou sem palavras. — O quê…? Como assim…? Não estou entendendo…

    — Eu estava vagando pelas terras a cavalo — explicou. — Vi o corpo dele, moribundo, com uma espada cravada no peito. Ele estava sufocando com o próprio sangue. Tentei ajudá-lo, mas era impossível. Eu mal sabia usar magia. Não podia vê-lo agonizando, longe de qualquer salvação. Então, dei uma morte rápida a ele, sinto muito…

    Colin continuou, com a voz mais áspera.

    — Vasculhei suas coisas e encontrei uma foto de sua família. Vocês estavam lá, você e Kurth… Então, vaguei até encontrar uma vila próxima e pedi que ajudassem a enterrar aqueles homens. Os moradores reconheceram o estandarte do império do sul… disseram que eles estavam na vila na noite passada, estupraram mulheres, mataram seus maridos, saquearam…

    Ele olhou para a mulher, cujas lágrimas começavam a escorrer.

    — Não sei se seu marido fez o mesmo, mas decidi não contar nada a Kurth. Ele admirava o pai como um herói. Mas você, como esposa, merecia saber a verdade.

    A viúva chorava copiosamente. — Ele… ele nunca faria nada assim… — murmurava em meio às lágrimas.

    Colin balançou a cabeça. — A guerra transforma as pessoas… E você não faz ideia do que um homem pode fazer com outro em um lugar assim.

    A sala parecia encolher, comprimindo os segredos que agora se desvelavam.

    Colin, com a culpa pesando sobre seus ombros, encarou a viúva. — Aquilo foi culpa minha — admitiu ele, a voz baixa. — Dei o golpe final, por misericórdia, mas fui eu.

    As lágrimas continuavam a escorrer pelo rosto da mulher, e Colin, movido por uma compaixão que raramente sentia, aproximou-se.

    Seus dedos acariciaram as costas dela, enquanto ela chorava em seu peito. — Eu soube o que você fez para sobreviver — disse ele. — Mas agora está segura. Para me redimir, cuidarei de você, de Kurth e da garotinha, eu prometo!

    A viúva se afastou, limpando as lágrimas e desviando o olhar. — Posso ficar sozinha por um instante? — perguntou ela, a voz trêmula.

    Colin assentiu. — Claro. Sinto muito…

    Ele se afastou, abrindo a porta do quarto.

    — Espero que possa me perdoar…

    Não sentiu nada mentindo para a mulher daquele jeito, nem um pingo de remorso.

    Lidar com os sentimentos raivosos de uma viúva não era nada que ele desejasse. Afinal, havia coisas mais importantes para lidar. Pelo menos havia encerrado aquela história, uma página que não revisitaria.

    “Finalmente terminou… eu acho…”

    Enquanto caminhava pelos corredores, Colin pensou no que aconteceria se Kurth descobrisse a verdade.

    “Se Kurth descobrir… não irá acontecer nada. O que ele pode fazer contra mim? Nada. Não é o que quero, mas se isso acontecer, terei que matá-lo.”

    Suspirando, ele alisou a testa.

    “É esse tipo de decisão que os reis tomam para manter tudo em ordem? Que saco…”

    A política e a guerra eram como uma dança perigosa, e ele estava disposto a pisar em qualquer pé que ousasse cruzar seu caminho.


    Os sinos da ilha das Brumas ecoavam através dos ventos salgados, suas badaladas vigorosas cortando o ar como lâminas invisíveis.

    Era um som que reverberava nas almas dos habitantes, anunciando uma mudança inexorável.

    O rei, outrora imponente e inalcançável, agora jazia em silêncio nos aposentos reais. A morte do monarca era um segredo que se espalhava como fumaça, e os sinos eram os mensageiros dessa triste notícia.

    No castelo, a agitação era palpável. Guardas trajando armaduras polidas corriam pelos corredores, espadas em punho, enquanto servos apavorados se esgueiravam pelos cantos, evitando o olhar dos soldados.

    Aqueles que eram capturados não tinham clemência: a justiça era rápida e brutal. O sangue manchava os mármores e o ar estava impregnado com o cheiro metálico da morte.

    Haldor, o jovem príncipe de olhos azuis, orelhas pontudas e cabelo alaranjado, conhecia os segredos do castelo como as veias de sua própria mão. Ele, sua irmã e a uma das esposas escapavam pelos esgotos, mãos entrelaçadas.

    A escuridão os envolvia, mas a esperança brilhava como uma estrela longínqua. Quando finalmente emergiram, encontraram um homem à beira do rio, preparando um barco.

    Suas roupas eram simples, mas seus olhos carregavam a marca da lealdade.

    — Está tudo pronto — disse o homem, sua voz áspera como as pedras do cais. — Sigam a correnteza por dois dias, e ela os levará ao mar. Lá, um navio espera para levá-los ao continente!

    Ele entregou suprimentos: pão, água e uma promessa de salvação. Haldor olhou nos olhos do homem e soube que sua vida estava nas mãos dele.

    — Nunca esqueceremos sua lealdade ao meu pai — murmurou o príncipe, ajudando a mulher e a irmã a entrar no barco.

    Com um golpe de espada, o homem cortou a corda e eles foram levados pela correnteza, rumo ao desconhecido. A mulher conjurou um orbe de luz, e seus olhos se encontraram.

    — Podemos confiar nele? — perguntou a garota.

    Haldor respondeu com a convicção de um filho que confia em seu pai. — É o homem mais fiel ao pai deste reino. Fiquem atentas, se eles nos apanharem, estaremos mortos.


    Nos corredores do castelo, Fubrintor caminhava entre os cadáveres, um sorriso sádico curvando seus lábios. A revolução estava completa; ele e seus aliados haviam tomado o poder.

    Linald seguia-o de perto.

    Fubrintor tinha planos ambiciosos para a ilha das Brumas, e o Norte do continente era sua ambição mais ardente. Uma troca justa, ele pensava, caso derrubassem o rei Colin.

    Linald, sempre pragmático, perguntou sobre o paradeiro de um dos príncipes, uma das princesas e uma das esposas. Fubrintor riu, os olhos brilhando com malícia.

    — Logo serão pegos — disse ele. — Uma ilha não esconde segredos por muito tempo. E quando forem capturados, serão executados.

    O trono na sala do rei chamou sua atenção, e Fubrintor se aproximou, sentando-se nele com uma satisfação quase infantil. — Confortável — murmurou.

    Sua mão deslizou sob o peitoral luxuoso, e ele retirou um pergaminho selado com o brasão real do paletó.

    — Aqui está sua ajuda, garoto. Dez navios de guerra dos magos vermelhos partindo para o continente. Avise aos seus amigos que ficaremos com o Norte, merecemos isso, não acha?

    Linald engoliu em seco.

    — Certo, senhor…

    — Meus guardas vermelhos escoltarão você.

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