Índice de Capítulo

    “Agora um adendo interessante: das praias de Aavier, uma possuía areias rosadas. Era um porto tão belo que os recifanos tomaram para si.”

    Izandi, a Oniromante


    “Como você consegue fazer piadas nessa situação?!”

    Ezekel puxou o estribo e moveu as penas maiores. A dragão-real respondeu, inclinando seu corpo em direção de uma das várias entradas que compunha o Ninho-do-Dragão. Lá embaixo, pessoas saiam de suas casas como água do céu durante uma chuva — e Artreni parecia estar cônscia disso; com muito orgulho exalando de seus pios mais silenciados. “Ora, sua…”

    “Artreni realmente gosta de você”, pensou Natharel. “Tens uma tendência de atrair mulheres orgulhosas, meu irmãozinho!”

    Em pouco tempo de voo, o mais novo expirou e gemeu de alívio. Reparou dezenas de homens em túnicas brancas, com traços de tatuagens no corpo. Eles carregavam consigo galhos de flagelo-do-dragão, e separaram-se em fileiras à esquerda e direita; quando Artreni os viu, soltou um piar furioso, mas contido. Ezekel afagou por baixo das penas dela, sentindo as escamas ásperas relampejantes.

    Logo as garras longas e douradas da dragão se cravaram na superfície rochosa da entrada do Ninho-do-Dragão, lançando um vento furioso que derrubou os homens. Então piou sem nenhum receio, tão alto que transformou tudo em um zunido doloroso.

    — Ar-Artreni! — bravejou Natharel. — Pare! Xedha!

    Artreni continuou a piar, ignorando totalmente os homens agonizando no chão.

    — Artreni! — bravejou Ezekel, agarrando as penas da dragão-real auralva.

    A dragão-real jogou o peito para cima e ergueu o pescoço, no entanto, parou de piar, abrindo seu focinho longo cheio de uma fúria que Ezekel pouco compreendeu antes de olhar para os homens mais uma vez. “Flagelo-do-dragão”, concluiu. Os galhos eram longos e frescos; caules nodosos e grossos que se bifurcava em vários caules menores com centenas de folhas verde-claras, ásperas e serosas. Tinham um odor agradável para o nariz dos Homens na entrada..

    “Tem fedor de morte e agonia para Artreni”, pensou.

    — Escute-me — fez Ezekel, aproximando sua cabeça do pescoço dela. — Eles não irão feri-la. Seja uma dama educada, por favor.

    A dragão obedeceu. Inclinou sua cabeça e abaixou suas pernas e pescoço, fazendo um caminho de descida. Ezekel desamarrou as cordas no seu corpo; Natharel já estava no chão, segurando uma das cordas na coleira de Artreni. “Tão orgulhosa”, pensou o rapaz. Era-lhe estranho o quanto se comprazia em vê-la colaborando com o irmão. “Deve ser a tal da camaradagem de Draconeiro que Natharel falara”, pensou.

    Naquele ponto, Ezekel já havia acostumado-se com a sensação relampejante e fria de voar nas costas de Artreni. O vento fluía pela penugem e pelos cumes ósseos as costas da dragão-real, e depois de muita prática de voo, gradualmente compreendia o que o irmão Natharel o dissera sobre segurar com mais força.

    Pouco a pouco a dragão também rejeitava que Natharel pusesse-se a voo. Aconteceu na terceira noite de voo, quando já estavam nas proximidades do Vale de Aavier. Em alguns minutos de voo, poderiam ver o Castelo das Garças e suas altas torres de cúpulas pontudas. Artreni grasnou um sonoro e violento pio quando notou aquele lugar, como se fosse uma arma amaldiçoada, matadora de parentes. A dragão-real era tão pomposa e chamativa que Ezekel duvidava que ela tinha mais que duzentos anos.

    Naquela noite, Ezekel a guiou para o solo vagarosamente, fazendo-a pousar em uma larga clareira. A dragão-real se enrolou na própria cauda e tirou uma soneca fumegante, lufando um ar tão quente por suas narinas que Natharel usou para secar galhos e fazer uma fogueira. Enquanto isso, o casado só conseguiu deitar numa cama de folhas e pensar na esposa.

    “Será que descobriu onde o barril de vinho de manga está escondido?”, tinha pensado. Desejava para que não. Aquele belo barril tinha propósitos — uma maravilhosa festividade para quando a criança nascesse… e para depois que Ofina se recuperasse. “Certamente, Ofina deve estar tomando seus chás recifanos…”, engoliu em seco. “Espero que as aias não levem nada de suspeito para ela.” A fogueira crepitou chamas suaves, e o sol pintou o céu primaveril com um tom rosado tênue e caído.

    Os dois irmãos espetaram cubos de carne e cebolas molhadas em mel e os puseram para assar, e logo cruzaram suas espadas. Ambos removeram suas camisas — no peito de Ezekel, um longo e raso corte havia marcado sua barriga. Até então pensara que Natharel não lhe causaria feridas, mas agora as colecionada no torso e braços. Eram rasas e curtas, quase não tiraram sangue. No entanto, era motivo mais que o suficiente para que desse o melhor que poderia dar.

    O som quase inexistente da Última Vez sendo desembainhada ressoou ao breve som de um estalido da fogueira, sob os olhos da dragão-real de escamas auroalvas. Ezekel pôs-se na instância de combate da esgrima Imperial, apoiando a ponta da espada horizontal no cotovelo esquerdo. Segurava tanto a bainha quanto a espada e, apesar dos pés dispersos e meio abertos, estava com os olhos centrados em Natharel.

    Já o Draconeiro pôs um braço atrás das costas e vendou os olhos com seu cinto. Logo somente o clangor da Última Vez e Crepúsculo foi ouvido pelos dois. Ezekel deu seu melhor.

    Na manhã do dia seguinte, Natharel se ofereceu para voar… Assim que subiu no pescoço da receptiva dragão-real, ela quase o disparou para baixo.

    — Artreni, pare! — ele gritou, saltando da sela. A dragão tinha jogado suas costas para trás… Desde então, somente Ezekel montou e viajou…

    Depois de toda sua infância longe da família, agora Ezekel montou e viajou por centenas de quilômetros nas costas de um dragão-real… poderia se chamar de Godwill agora? “Acalme-se!” Suas pernas estavam trêmulas; fracas de tanto tempo voando — e nevosismo. Era tanto que até esqueceu-se do odor pungente de fezes de dragão-real que permeava todo o lugar como se as paredes não fossem de tijolos com a grossura de uma casa.

    — Vossa Graça — falou um homem, que Ezekel percebeu imediatamente ser o conde Cyreck. Uma vistosa barba agrisalhando comia quase todo o rosto do homem, que caminhava com o nariz coberto por um lenço grosso. Seus cabelos eram curtos, tão curtos quanto o resto da aparência sisuda de Jehan Cyreck. Um tabardo longo, costurado com detalhes de veludo azul, cobria seu corpo esguio.

    — Co-conde Jehan Cyreck, eu… presumo — arfou Ezekel, que logo corrigiu sua postura. Retirou as luvas de draconagem e cumprimentou o homem. “Dessa vez eu acertei.”

    “Os Cyreck eram os senhores de Mão da Queda e das terras vassalas que levavam à cadeia montanhosa ao norte e Kierelrun, mas também às praias do oeste, onde estavam os grandes portos de Aavier”, relembrou o id Baene “, e o conde anterior renunciou sua posição para aconselhar três gerações de reis.”

    — É uma honra que conheça meu nome, Vossa Graça. Tinha ouvido de que era jovem, todavia não de que era tão jovem!

    — Os… Deuses me agraciaram com uma sabedoria precoce? — Coçou a nuca, olhando para os cuidadores de dragão tentando levar Artreni para seu recinto de descanso.

    — Sabedoria, sim. É disso que precisamos agora, Vossa Graça. — Se apoiou na bengala.

    Ezekel percebeu que o Jehan Cyreck tinha uma das pernas mais magra que a outra.

    — Ela chama atenção, não? — gargalhou o homem, dando um tapinha no ombro do mais baixo. — Não precisa se envergonhar de notá-la. É um fruto honroso do campo de batalha contra os Imperiais malditos. Tenho orgulho dela.

    — Orgulho não é uma das minhas virtudes — confessou, sua voz mais parecendo um suspiro de cansaço. “Imperiais…” Só de ouvir o nome Ezekel estremecia um pouco.

    — Orgulho não é uma virtude. — Aninhou um braço ao colar no peito. — Não sou tão sábio quanto meu pai, confesso, mas posso afirmar que orgulho não é uma virtude. É bom que sejas um rapaz tão humilde, Vossa Graça. Significa que ouvirá todos os nossos cinco reis. — Bateu a bengala no chão. — Mas também é necessário avermelhar a voz às vezes, id Baene.Já estive em um Conselho dos Cinco uma vez. Nossos honrosos reis de repente parecem um bando de crianças insuportáveis.

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