Índice de Capítulo

    Murmúrios ecoam pela escuridão. Vozes distintas conversam em diferentes tons como se estivessem debatendo algo. Porém, um contato pelo ombro chacoalha o corpo dessa consciência que estava quase retornando por conta própria.

    一 Jeanice! Ei, Jeanice!

    Como um susto, os olhos azuis se abrem enquanto ela se senta. Mas, o corpo todo dolorido, a luz cerúlea do luar invadindo as janelas e o quarto repleto de livros com uma escrivaninha ao fundo, vem a relembrá-la imediatamente onde ela está.

    Confusa, encara o menino agachado ao lado que a observa preocupado.

    一 Desculpa te acordar assim… Ainda tá mal?

    一 N-Não… Estou melhor, m-mas e a Edina?

    一 Não precisa se preocupar, eu consegui emboscar ela quando você caiu.

    Ao ouvir isso, a meio-elfa parece cabisbaixa. As orelhas dela caem brevemente. No fundo, ela não sente culpa, mas também foi a primeira vez que presenciou o mal absoluto de tão perto.

    一 Você… conhecia ela? 一 Raisel se afasta brevemente do sofá e fica de pé.

    一 Sim… Ela era uma pessoa boa… Mas entendo c-como às Trevas pode mudar alguém agora.

    De braços cruzados, Yurgen bufa ao fundo para romper o momento dos dois.

    一 Quando alguém se alinha com uma Estrela Negra ao ponto de representar o seu Selo, significa que a sua Essência já foi completamente tomada. Sua amiga antes e depois, não são a mesma pessoa.

    Impaciente, decreta como um ponto final.

    O resultado disso? Um silêncio mórbido.

    Contudo, Carmen bate uma palma e toma a vez para si:

    一 Bem! Agora que estamos todos reunidos aqui no último quarto do Castelo, vamos compartilhar o que pudemos observar. Eu começo!~

    Aconchegando-se na mesa, ela se senta com as pernas cruzadas enquanto respira fundo. Esses momentos de encaixar o quebra-cabeça para descobrir algo, ela sempre adorou desde quando pertencia ao grupo Nômade de Yurgen e Sarina.

    一 O norte da cidade, diferente do oeste por onde nós invadimos, está completamente destruído. Pelo o que eu notei, não são marcas de demolição, mas sim de uma batalha que acabou destruindo essa parte. 一 Cruzou os braços conforme seguia falando.

    一 Enquanto eu estava por lá, eu fui emboscada por um Sacerdote da Lua. O nome dele era Gratios e ele disse que era o segundo na hierarquia desses padres malucos. 一 Os dedos delicadamente colocaram alguns fios ruivos para trás da oreha.

    一 Depois de derrotar ele, eu vim pra cá e passei sem encontrar ninguém. Nenhum cidadão corrompido e nem Bealerim. 一 Ao fim, balançou a cabeça negativamente.

    O olhar cinzento de soslaio, desgruda-se da ruiva. Em um piscar mais longo e um relaxar dos ombros, Yurgen começa a falar:

    一 No leste, há uma catedral como Rengil havia dito. Lá haviam Bealerins, tanto encapuzados quanto padres. Eu exterminei todos, incluindo um Sacerdote da Lua… O quinto, que se chamava Obedientia. 一 Com os braços ainda cruzados, o palmo direito passou dedilhando a barba grisalha.

    一 Mas antes disso, presenciei um ritual onde eles sacrificaram uma mulher virgem para Berith. Também descobri que há duas pessoas comandando essa corrupção: Osman e Isgaland. Ouvi falar de um tal de Oseiros, mas ele foi mencionado só por Servos baixos. 一 Finalizou com um gesto de palmo para cima.

    Respirando fundo, Raisel coloca uma das mãos na nuca enquanto encara o chão. Desse jeito, começa a falar:

    一 No sul, eu me encontrei com Odgard Truman. Ele era um Barão de Berith. Depois de derrotar ele, houveram alguns Servos que vieram para cima de mim. Mas continuei a ir em frente até me deparar com a Jeanice. No caminho até ela, não vi nenhum Servo e nem cidadão também.

    一 Enquanto trazia ela pra cá, eu vasculhei alguns quartos, mas não encontrei nada.

    Os olhos azuis e os olhos cinzas saem do garoto. Indo diretamente até Jeanice, o olhar dourado também se fixa nela.

    Um arrepio percorre a nuca da meio-elfa, mas ela enche os pulmões. O rosto dela se abaixa por um instante, mas se levanta. Nisso, as mãos pressionam o sofá com firmeza.

    一 Eu… acordei na pousada e o símbolo do Grande Sol tinha se apagado. Os servos entraram lá e eu tentei fugir… Mas fui emboscada pela Edina e ela me guiou até o Castelo… Enquanto a gente tava andando, eu perguntei sobre Imoriel…

    一 Ela disse que ele está em Rosebond… Ouvi falar desse Oseiros, mas a Edina o chamou de “porco”… Não havia nenhum servo à oeste também.

    No fim, o rosto dela se abaixou.

    “Tem mais alguma coisa…?” 一 Pensou.

    Os três, simultaneamente, se encararam surpresos. Somente um pensamento passou pela cabeça deles nesse momento:

    “E-Ela falou sem gaguejar!?”

    Quase que de maneira harmônica, um sorriso de lábios se fixa na feição de cada um deles, aliviados.

    Yurgen descruza os braços e volta a observar Raisel.

    一 Essa Edina, chegou a ver qual era a posição dela dentro da Ordem de Berith?

    一 Não, eu não–

    一 Viscondessa. Ela era uma Viscondessa. 一 Jeanice interrompe o menino enquanto se levanta.

    Com uma pinça de dedos, puxa parte de sua camisa pelo braço.

    一 Estou com sede. Você tem algo?

    O garoto balança a cabeça para os lados como resposta.

    一 Eu peguei um pouco de água.

    Carmen retira da cintura um cantil e estende ele para a menina.

    一 Eu tenho alguns biscoitos.

    Por dentro da vestimenta superior, Yurgen expõe o pedaço de pano com algo para eles beliscarem.

    一 Rosebond… Se o objetivo do Imoriel é “equilibrar” as coisas, faz sentido ele estar no meio de uma guerra.

    Vendo os três comerem, Yurgen reflete sobre como eles farão para chegar até a Calamidade da Moral.

    一 Nós vamos pra lá? 一 Perguntou genuinamente o garoto que começa a beber um pouco de água.

    一 Não… Não vai adiantar irmos pra lá. Obedientia disse que o amuleto que convoca Ele se chama Medaillon e está com Osman. Precisamos achar esse homem… Mas o que me preocupa é…

    一 O fato de não ter ninguém na cidade? 一 Carmen completa ao ver o velho perdido em pensamentos.

    一 Sim…

    一 Eles não devem ter saído… A atendente da Pousada disse que eles estão presos há dez anos aqui. 一 Raisel encosta sobre a parede.

    一 Mas… para onde eles foram? 一 Reflete Jeanice pensativa, encolhida no sofá ao abraçar as próprias pernas.

    一 Espera… Se eles estão aqui há dez anos, o que eles estiveram fazendo por todo esse tempo? 一 Desconfiada, a ruiva deslizou os olhos até o menino.

    Novamente, o ambiente ressoa somente com a brisa da noturna vindo pelo lado de fora. O silêncio é notável, mas a mente de cada um deles trabalha de modo incessante.

    一 Aliás, Odgard disse que aquela Feitiçaria com relâmpagos, quando chegamos de frente para o castelo, era obra do pai dele. 一 Raisel dizia enquanto gesticulou com a mão.

    一 Deve ser Osman… Já que essa Edina se referiu à Oseiros como porco, ele não poderia ser o mandante por trás de tudo. Mas e onde entra Isgaland nisso? 一 Com os palmos entrelaçados e inclinado para frente, Yurgen os mantém perto dos lábios enquanto está sentado em uma poltrona.

    一 Se esse Osman é o chefe dos Truman, Isgaland deve estar relacionado à esse “Culto a Lua” e a Berith, não? 一 A voz da ruiva saiu enquanto, deitada sobre a mesa, ela encarava a luminária de cristais transparentes no teto.

    一 É o mais provável. Isso os relaciona diretamente com a corrupção de dez anos atrás. 一 Retrucou ao encará-la de soslaio.

    一 Sinto que… estamos esquecendo alguma coisa.

    Visivelmente incomodado, Raisel põe a mão sobre o rosto.

    Ao ouvir essas palavras, Jeanice parece soluçar. A sua tentativa de se lembrar de algo, finalmente vem à tona com as imagens vívidas do lugar escuro, silencioso e que poucas pessoas iam.

    一 Porões… Quando eu fugia dos meus irmãos, eu me escondia nos porões do Castelo! Deve ter alguma coisa lá!

    Surpresos, eles encaram ela.

    一 Incrível, Jeanice! Isso faz total sentido! Se eles não estão em nenhum lugar na superfície, eles só podem estar no subterrâneo! 一 Exaltado, Raisel quase se jogou para cima dela.

    一 É… mas é muito perigoso. Arrastar uma batalha no subterrâneo é o mesmo que correr o risco de sermos soterrados. 一 A preocupação do velho pareceu duplicar ao ouvir aquilo.

    一 Além de ser uma armadilha. Serão muitos inimigos, contando que todos os Bealerins estarão lá… Fora os cidadãos, que muito provavelmente vão ser usados de reféns contra nós. 一 Complementou a mulher que se sentou sobre a beirada da mesa.

    Ao encará-los, o garoto entende na hora as entrelinhas.

    Os punhos se fecham firmemente e o olhar dourado cintila com frustração… Saber onde os inimigos estão, onde as pessoas que precisam ser salvas estão e não poder fazer nada com perfeição, é o que lhe embrulha o estômago.

    “É mesmo… Nosso objetivo não é salvar essas pessoas da Erradicação… Isso foi algo que eu prometi pro Rengil…”

    一 De qualquer jeito, nós teremos que ir pra lá. Mas, Raisel…

    Conforme o velho falava, seus passos pesados se direcionam até o rapaz. Próximo, a sua sombra o cobre por completo. O palmo direito do arqueiro pousa sobre o ombro esquerdo do outro.

    一 Dessa vez, não se distraía… Nem sempre salvar todo mundo é uma opção. Você entendeu? 一 O aperto gradualmente ficava mais forte à medida que Yurgen se lembra do que ele fez no Leilão em Balmund.

    一 Seremos quatro pessoas contra um exército num espaço limitado. Qualquer… Repetindo, qualquer distração, não só você, como eu, a Carmen e a Jeanice, vamos morrer. E isso, consequentemente, vai matar a Raquel e qualquer outro preso na Ruína de Pisces.

    一 Você… entendeu?

    Respirando fundo, Raisel ouve tudo com clareza, mas com semblante baixo. Porém, com a última fala, o menino agarra o pulso do avô e levanta o olhar.

    一 Sim… Eu entendi.

    A determinação dele, apesar de fragilizada ao não poder cumprir algo que prometeu, não hesitou. Tudo o que foi dito pelo mentor é a pura verdade, mas o desejo egoísta… O heroísmo em seu coração, doía como ser empalado pelo peito.

    一 Vamos. Não podemos perder tempo… O plano será esse…

    Saindo do escritório no topo do Castelo, na torre central, o grupo é guiado por Jeanice tomando à frente. Logo atrás, o experiente Nômade arquiteta o plano para invadir o subterrâneo de Kromslaing.

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