Índice de Capítulo

    Manu pulou para frente com os olhos cheios de água. Abraçou o robô com tanta força que parecia querer fundir-se a ele. O metal frio gemeu sob a pressão dos braços magros, mas Dante entendeu na mesma hora: aquilo não era apenas um abraço. Era o símbolo de uma solidão tão antiga que já tinha aprendido a se calar. A menina tinha colocado todas as suas esperanças em algo que não era humano, e, por alguma razão, não era tão estranho pensar que ele mesmo fazia o mesmo, em mais de um momento da vida.

    Vick ainda estava ao seu lado, firme como uma sombra. Depois de tanto tempo, continuava a lhe ensinar, pacientemente, quase todos os dias. Pequenas lições — algumas úteis, outras apenas para fazê-lo lembrar que ainda era um homem. Defendia sua vida e sua honra como se fossem suas próprias. O nível de respeito que sentia por ela beirava o absurdo, e talvez fosse justamente isso que o fazia sorrir, como agora.

    Ele soltou uma risada curta, um som rouco, quase carinhoso.

    — O dialeto dele ainda é enferrujado — disse Vick. — Ainda possui deficiência física, mas sua principal arma está na observação. Foi criado para substituir as mãos humanas nos trabalhos pesados. Sua habilidade em analisar e copiar é… evoluída. É quase um espelho, Dante.

    — Isso é bom. — Dante assentiu devagar, os olhos fixos no robô. — Mais um braço quando for necessário.

    Queria acreditar que Holanda nunca precisaria escolher um lado. Que bastaria estar com Manu. Mas nem ele acreditava nisso de verdade.

    Aproximou-se dos dois. Manu falava, entusiasmada, contando como havia reconstruído peça por peça, como tinha gasto noites inteiras tentando fazer com que ele vivesse. Suas palavras carregavam o fervor de quem tentava dar alma a um corpo sem coração.

    — O senhor Dante conseguiu isso — disse a menina, apontando.

    O robô virou a cabeça, lentamente, e abaixou-se num gesto quase humano.

    — Ele está te agradecendo, senhor. Pelo menos… acho que é isso.

    Dante soltou uma risada contida.

    — Não precisa me agradecer, Holanda. Mas tenho uma pergunta.

    Os dois olhos piscavam, azuis e calmos como o céu.

    — O que seria, senhor?

    — Manu pensou em você por todo esse tempo. Passou a vida inteira tentando te dar vida. Os humanos chamam isso de lealdade. Somos feitos disso — disse ele, com voz baixa. — Quando alguém nos estende a mão no pior momento… nós reagimos. Faz parte do que somos. Você entende?

    Os olhos deixaram de piscar. O silêncio ficou espesso, como se o mundo prendesse a respiração.

    — Minha vida é dedicada à senhora Manu, senhor Dante. Se ela estiver em perigo… estarei pronto para…

    Dante se moveu antes que a frase terminasse. O braço disparou como uma serpente, rápido, cruel. Um bote. Manu nem teve tempo de recuar. Mas o robô se moveu também — e o som do impacto foi como ferro contra rocha.

    As mãos metálicas de Holanda travaram o golpe, segurando-o no ar. Seus olhos, antes azulados, tingiram-se de vermelho.

    — Farei o que for necessário para proteger a senhora Manu — disse, a voz distorcida, quase trêmula. — Mesmo que isso seja contra vocês dois.

    Dante abriu um sorriso — e, em seguida, o combate começou.

    Ele puxou o braço para trás e girou o corpo, o chute vindo com precisão. Acertaria seu corpo, mesmo que fosse suficiente para quebrá-lo. O impacto sacudiu o robô, que cambaleou, arranhando o chão com os pés de metal. O som ecoou pelo pátio vazio como o rosnar de uma fera sendo acordada.

    — Bom — disse Dante, endireitando a postura. — Se quer aprender a proteger alguém, eu posso ensinar. Mas lembre-se disso. — Abriu o botão do pulso, revelando uma cicatriz antiga. — Vai aprender do pior jeito possível.

    Manu respirou fundo, os punhos cerrados. Ela sabia o que estava prestes a acontecer. Dante havia explicado antes: Holanda era capaz de aprender pela observação. Cada movimento, cada erro, cada golpe — tudo seria gravado. Era assim que ele evoluía.

    Ela precisava dele preparado. Assim como precisava de Clara. Assim como precisava de Dante.

    — Venha — ordenou Dante, erguendo a mão, os olhos brilhando com o desafio. — Se você já conhece os estilos dos outros na Cuba… então vamos te moldar.

    No momento seguinte, Dante deixou que ele se aproximasse. Os dedos se alargaram como garras, e ele entendeu que Arsena tinha sido seu molde para esse movimento. Ele tentou aplicar golpes de todos os ângulos. Encontrar uma brecha, encontrar um caminho, e quando Dante bloqueou seu braço direito, o robô girou o corpo praticamente inteiro.

    Seu braço torcido não foi quebrado. Uma mola e serpentina giraram juntos, e ele chegou ao outro lado com seus dedos se unindo como lâminas. Dante deu uma risada e puxou o braço que segurava. E Holanda foi puxado para trás, e então, indo de encontro com Dante.

    Antes de entender o que tinha acontecido, ele já estava no chão, arrastando suas costas pelo chão da sala silenciosa. Seus dois olhos vermelhos piscaram e um amarelo apareceu, piscando algumas vezes.

    — Analisando movimentos…

    — Fique de pé.

    Holanda obedeceu velozmente. Ele segurou a voz, mas queria perguntar. O movimento que observou não era nada além de uma sequência de movimentos simples, mas… ele sentia que o dano cometido em seu corpo era praticamente acima do que seus dados alertaram antes.

    — A diferença de técnica para experiência é absurdamente alta – comentou Dante. – Mesmo que eu o acerte, não deveria ser tão doloroso. Você ficou de pé, mas se fosse uma pessoa comum, ela não poderia se levantar.

    — Por quê?

    — Porque eu sou feito de carne e ossos. Você é feito de metal. – Dante ergueu a mão o chamando mais uma vez. – Você foi feito para analisar e reportar, mas eu fui feito para batalhar e derrotar. Existe diferença nessas palavras que você demoraria para entender se tivesse que pensar sozinho. Sua sorte é que Vick e eu somos abençoados pelo fato de termos perdido muitas batalhas, nos enfiado em lugares que não era para estarmos. E voltamos vivo. Nossa experiência é o que nos mantém vivos nos dias de hoje mesmo não tendo uma habilidade. Sua melhor habilidade é poder ver uma única vez o que tivemos que fazer incontáveis vezes para aprender, por isso eu tenho certo receio. Se eu te ensinar tudo o que sei, seria você melhor do que eu? – Dante deu uma risada. – Seria essa a sensação ao ver algo ou alguém capaz de me superar?

    Meu pai uma vez já sentiu isso?

    — Venha, Holanda. – Ele não queria pensar no seu pai naquele momento. – Manu precisa que você esteja preparado.

    — Obrigado… — a voz do robô pegou todos de surpresa. – Pela lição… mestre.

    Apoie-me

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (1 votos)

    Nota