Capítulo 97 — A Batata Assou
— Como você conhece a minha mãe?
— Eu já estou há um bom tempo por aqui. Eu gosto de conhecer a vizinhança.
— A ex-investigadora Natasha Volkova é uma vizinhança bem-específica para alguém tão peculiar quanto você conhecer.
— Infelizmente para você, os nossos negócios não são da sua conta.
— Eu não diria algo assim, pois você acabou de coloca-la como uma possível cúmplice do seu suposto crime.
— Desconfiando da própria mãe? Que cruel! — disse ele, com ironia.
— Ela vai entender, pois não existem limites no mundo investigativo. Seja parente, crença ou camaradagem, a verdade é o nosso único objetivo.
— Tem certeza que você é detetive mesmo? Isso parece que acabou de sair duma revista em quadrinhos.
Anastasia selecionou a primeira folha do seu caderno e se ajeitou na cadeira, pronta para começar o interrogatório.
— Você matou o investigador imperial?
— Não.
— Possui algum álibi para confirmar isso?
— Não possuo.
— A vítima foi encontrada na propriedade onde você estava residindo. Foi relatado que o investigador imperial entrou em Santa Marília às vinte e uma horas, acompanhado da sua auxiliar, que está desaparecida desde então. Nesse horário, Lehman já não possuía nenhum dos seus trabalhadores em sua propriedade, apenas você, ele, a esposa e a garota que te acompanhava. Próximo ao local onde o corpo foi encontrado, encontraram um facão ensanguentado…é…bom, basicamente isso.
Huan Shen semicerrou os olhos.
— E com base “nisso” vocês estão tentando me mandar para a prisão?
— Não é muito, mas já é alguma coisa… — murmurou.
— E o que a equipe forense disse? Ela consegue comprovar que minhas digitais estavam no facão? Na verdade, não precisa. Minhas digitais realmente estão lá, assim como as de outras seis pessoas, pois é uma ferramenta de trabalho compartilhada! Ninguém investigou se o corpo não foi arrastado? Ou se o ferimento no peito dele foi causado por um facão? Qual foi a hora da morte? Teve indícios de magia? Fizeram a manametria na área para descobrir se há energia residual?
— EU JÁ ENTENDI, PORRA! — exclamou ela, batendo na mesa.
Anastasia entendia o que estava acontecendo. Já tinha se passado quatro anos desde que a equipe forense tinha sido desligada e o regente não fez a menor questão de contratar uma nova. Muitos crimes na cidade ficavam apenas no nível superficial de investigação, tendo alguns julgamentos com resultados questionáveis e centenas de casos deixados sem conclusão. Quase toda decisão sobre os casos ficava com o comissário. Esse claramente era mais um caso que provavelmente terminaria sem conclusão, onde ele acabaria sendo usado como bode expiatório para fechar tamanho crime.
Aquilo acontecia quase toda semana. E ela só podia sentar e assistir a própria incapacidade.
— Por que você se entregou?
Huan Shen coçou o nariz.
— Vocês não iam parar de destruir a casa daqueles dois se não tivesse ninguém para despejar sua fúria. Aquela tapeçaria que suas botas sujas mancharam existia a mais de cinquenta anos, sabia disso?
— Eu sei bem disso. Eles são amigos da minha família há um tempo considerável. Infelizmente, as ordens do meu comissário não levam isso em conta.
— E aí, o que vai acontecer comigo? Não existem provas, não existe equipe forense, vão me deixar aqui duas noites e vão me liberar?
— Eu duvido. Você vai ficar retido aqui até encontrarem o culpado. E como você teve o azar de estar próximo a um caso de ordem imperial, alguém vai ter que pagar por isso. Você está em uma situação bem complicada.
— Isso é sacanagem… — suspirou ele.
— Em uma cidade mais organizada, você nem mesmo estaria aqui. Porém Santa Marília tem problemas demais, o que acaba complicando coisas tão simples. Quando os Inquisidores chegarem, eles vão acabar descobrindo a verdade sobre você, caso queira. Porém nesse nível, já não será mais parte da nossa jurisdição. Eu sinto muito.
“É isso. Eu tô sozinho nessa merda.”
Um policial o guiou até sua cela, que era composta apenas por uma cama e um protótipo de banheiro. Pelo cheiro, parecia que não limpavam por ali há alguns meses. Talvez fosse até mesmo intencional. Tudo o que tinha restado no momento era recostar na parede e ver o tempo passar, até a oportunidade surgir.
Ela sempre surgia, de um jeito ou de outro.
Na sala do comissário, Tarasov estava roendo as unhas de ansiedade. Ocasionalmente, ele olhava pela persiana, garantindo que ninguém estava o observando. Quando se sentiu minimamente seguro, pegou o telefone na sua mesa e começou a discar números familiares.
— Ei, sou eu, Tarasov.
— Não esperava uma ligação sua tão cedo. O que você quer? — perguntou Devar, do outro lado da linha.
— Então você não está ciente do que aconteceu nessa madrugada?
— Não estou ciente de nada que não possa afetar o meu precioso sono.
— Acredito que isso possa te interessar: sabe o investigador imperial que estava chegando aqui? Foi assassinado nesta madrugada.
Um breve momento de silêncio ocorreu entre os dois.
— Tem certeza que era um investigador imperial e não um funcionário qualquer?
Tarasov suspirou.
— Eu tenho trinta anos de trabalho para o Santo Império. Eu sei muito bem como um investigador se parece e eu tô dizendo que ele era um deles!
— Merda! Isso não é algo que dê para ser levado levianamente! O que nós temos?
— Temos uma pessoa aqui, aquela figura problemática que discutimos na mesa outro dia. Ele habitava no lugar onde o corpo foi encontrado. Mesmo que não haja provas contundentes, só precisamos enterrar debaixo de vários processos e nos livrar dele em silêncio.
— Espera, não estou entendendo. Por que o investigador foi encontrado morto na casa onde aquele sujeito estava habitando?
— Não faço ideia. Recebi um memorando do seu filho no meio da noite, ordenando que eu investigasse o sítio por qualquer coisa que pudesse incriminá-lo.
— Meu filho? Leonard que pediu pra fazer isso?
Tarasov sentiu um frio na espinha. Mesmo que Leonard desse o comando e fosse o principal planejador entre aquele grupo de colegas, uma decisão tão problemática quanto a morte do investigador imperial não era algo que poderia ser feito sem consultar ninguém. Vendo que nem mesmo o pai dele foi consultado, o problema parecia ter ficado bem maior.
— Ele não te contou? Porra, agora ele está fazendo o que bem entende sem consultar ninguém?
— Tarasov, se acalme. Ele deve ter um bom motivo para ter feito isso. Com certeza deve ter sido uma decisão imediata e que será devidamente explicada em nossa próxima reunião.
— IMEDIATA? ELE… — o comissário imediatamente baixou o tom, percebendo que poderia chamar atenção indesejada. — Ele simplesmente matou um investigador imperial! As consequências disso não vão ficar baratas. Os inquisidores vão revirar toda a cidade de cabeça para baixo e não vão se contentar com um forasteiro qualquer! Porra! Eu sei que ele é seu filho, mas não poderá passar a mão na cabeça dele para sempre.
Do outro lado, Tarasov segurava seu telefone com aflição. Não demoraria para os outros nobres descobrirem e começarem a fazerem demandas, sobre como isso iria afetar todo o esquema da cidade. Embora não quisesse admitir, as coisas estavam prestes a ficarem bem mais complicadas.
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