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    O cômodo em que estavam parecia o interior de uma sepultura antiga. Com parede que subiam arredondadas desde o chão ao teto em forma de cuia invertida, iluminado por uma lamparina em seu topo. Uma porta de pedra bloqueava a entrada, imóvel, mesmo para Poo.

    Era espaçoso, com tapetes, mantas e almofadas macias espalhadas pelo chão. Além de uma mesa baixa de pedra no centro, feita em uma altura que as pessoas se servissem sentadas no chão. Não havia janelas, ou qualquer brisa de ar. Ainda assim, não sentia calor.

    Três vasilhas com diferentes grãos coloridos e uma com frutas marrons, estavam espalhadas sobre ela.

    Po se cobria com mantas, como um urso prestes a hibernar. Daisy estava sentada ao seu lado, sentada em uma pilha de almofadas. Falavam sobre caminhões de bombeiro, elefantes de circo, balões coloridos. Coisas sem sentido, mas que pareciam animar o grande homem.

    Ítalo havia desistido de entender seus assuntos estranhos. Estava interessado em outra coisa.

    Zaya permanecia sentada em frente a mesa. Olhando para as vasilhas, sem esboçar qualquer movimento para pegá-las. Seu rosto estava turvo, como em confusão.

    A garota estava com aquela expressão desde que haviam deixado o “anfitrião”, como o homem chamado Irsil se proclamava. Antes estava visivelmente assustada, assim como ele, mas naquele momento, parecia perdida.

    Ítalo se aproximou dela, permanecendo em pé ao seu lado. Abriu a boca, sem nenhuma certeza do que deveria dizer.

    — Tudo bem? — perguntou, tendo a noção do quão vazias suas palavras soaram.

    Zaya virou o rosto para cima, o encarando por um breve momento, e então voltou seu olhar para os grãos.

    Não respondeu.

    Ítalo lambeu os lábios e engoliu o seco involuntariamente. Andou, contornando a mesa, decidindo pegar uma das frutas na vasilha. A casca era áspera, mas desfazia-se como papel ao friccionar dos dedos, revelando um interior vermelho. Ela a mordeu, sentindo seu sumo doce inundar sua boca, amargando ao engoli-lo.

    Olhou para Zaya, que o encarava com uma expressão de incredulidade.

    — O que foi? — perguntou a ela e olhou para a fruta.

    — Acha que eles podem ter envenenado? — Daisy perguntou do outro lado da câmara. Ela brincava com as mão de Po, nomeando seus dedos.

    Ítalo parou de mastigar, sentindo um frio na barriga.

    Daisy riu.

    — Estou brincando, não acho que eles iam envenenar a gente, né? — disse, buscando a confirmação de Zaya.

    A garota mais velha apenas acenou com a cabeça, concordando.

    Ítalo respirou aliviado.

    — Então… porquê está olhando assim para a comida? — perguntou ele a Zaya, sentando-se no chão a uns dois passos de distância da mesa.

    Zaya voltou a encarar as vasilhas.

    — É muita.

    Ítalo olhou para as vasilhas, sem entender, deu outra mordida na fruta e suspirou.

    Zaya não queria conversar, e Daisy não saia de perto de Po. Embora Ítalo não desejasse trocar palavras com a garota, a única coisa que restava além dela era o eco do silêncio em seus ouvidos. 

    Se deitou nas almofadas, encarando a lamparina presa ao teto, até ela se apagar e permanecer assim.

    Ítalo então ouviu uma melodiosa voz na escuridão.

    Daisy cantou cantigas estranhas para ele. Simples e belas. Sobre um ovo que caia de um muro, sobre uma estrela que brilhava alta no céu e sobre uma garota e seu cordeirinho.

    Sua voz era macia e doce.

    Quando ela terminou, tudo ficou silencioso por um tempo. Tempo suficiente para Ítalo dormir, acordar e desistir de dormir novamente. Pensar e se cansar dos próprios pensamentos. Lembrar e desejar esquecer.

    Pensou na reunião com o anfitrião Arsil. A forma como sentiu-se paralisado e em confusão. Lembrou das palavras ditas por Daisy enquanto conversavam.

    Manchester…

    Ouviu um som estridente e levantou e limpando os olhos, que lentamente se acostumaram à escuridão.

    Percebeu que o som vinha de Po, que dormia deitado de lado, dormindo. Zaya estava enrolada em posição fetal, junto a mesa de pedra. E Daisy, estava sentada com as pernas cruzadas, em uma posição que parecia a Ítalo ser de yoga.

    Ela abriu os olhos, e virou o rosto em sua direção.

    Sussurrou algo que Ítalo não compreendeu, então o mandou se aproximar. Ele o fez, mesmo que a contragosto, arrastando os pés, tentando não fazer barulho enquanto andava.

    Se aproximou e Daisy gesticulou para que se sentasse. Ele o fez. Detestava o quanto isso o fazia sentir como um empregado.

    Mas, ainda assim, a obedecia.

    A garota abriu um sorriso que Ítalo conseguiu ver mesmo em meio a escuridão. Seus dentes brancos perfeitamente alinhados na pequena boca de menina.

    — Nem tudo ocorreu como eu esperava, mas, ainda assim, conseguimos — disse ela em voz de sussurro.

    Ítalo espremeu os olhos, se perguntando o que aquela cabeça pequena esperava que acontecesse. Abriu a boca para falar, mas antes que dissesse algo, Daisy pôs um dedo nos lábios, pedindo para que falasse baixo.

    — Planejou tudo isso? — sussurrou.

    — Planejar, não. Não posso planejar, mas é melhor não pensar muito nisso.

    — O que quer dizer? — insistiu Ítalo.

    — Nada. Nunca quero dizer nada — Daisy manteve seu sorriso no rosto enquanto falava. O que tornava cada palavra sua irritante para Ítalo, que se perguntava como ela conseguia ser assim.

    Já ia levantar quando ela tornou a falar.

    — A sua amiga precisa abrir a boca logo.

    Ítalo olhou para Daisy, e então para Zaya.

    — De novo, porquê você não faz isso? Por que não tenta fazer ela falar, já que sabe de tudo que pode acontecer? — questionou, erguendo mais a voz, mas teve a boca tapada por Daisy.

    — Porquê também sei como precisa ser feito, e por quem. Agora, faça a sua parte e convença-a.

    Ítalo afastou a mão da garota de seu rosto e voltou a falar.

    — E, de novo, como eu devo fazer isso?

    — Isso eu não posso dizer, mas deve ser capaz, pois se não for, estaremos mortos antes de voltarmos a ver uma rosa que seja.

    Os dois ficaram em silêncio por um tempo, encarando-se.

    — Pode pelo menos me responder umas coisas?

    Daisy deu de ombros.

    — Como sabia que aquele homem foi um general?

    Daisy viajou com seu olhar ao redor da câmara enquanto falava:

    — Tenho tios militares, e meu avô foi almirante da marinha real. Conheço os olhos de um ex militar.

    Ítalo arregalou os olhos. Sentiu a boca seca com a menção feita pela garota. O que o fez ansiar por fazer a próxima pergunta.

    — Tá, mas me diz outra coisa. Você disse que é de Manchester?

    — Sim, dos “diabos vermelhos” — declarou ela, com um ar orgulhoso na voz, cruzando as pernas enquanto falava.

    — Manchester, da Inglaterra? — Ítalo insistiu, sem saber o que dizer, hesitante em questionar.

    — E qual outra Manchester existiria no mundo, idiota?

    — Então você é inglesa, certo — Sua mente parecia mais lenta, estava tentando entender, mas ficando cada vez mais confuso.

    — Britânica, na verdade — corrigiu Daisy, descruzando as pernas, e ficando em uma pose digna de um filme de época.

    Ítalo respirou fundo. Uma pergunta inteira se formou em sua cabeça repleta de pequenas questões quebradas.

    — Como você fala português tão bem dessa forma? — perguntou. Percebendo no rosto escurecido da garota uma expressão confusa.

    — Português? Como assim? — estranhou ela.

    Ítalo franziu as sobrancelhas.

    — Como assim, o quê? Português, sabe, a língua que estamos falando agora — explicou ele.

    Daisy negou com a cabeça.

     — Para mim, sempre estivemos conversando em inglês.

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