Nas redondezas de Harlon, 25/04/029, às 17:46.

    Verion e seu guia contratado, Jon, andaram durante horas. Cruzaram rios, montanhas e cavernas — que cortavam longos caminhos — por mais vezes do que poderiam lembrar. Nenhum sentia cansaço físico por conta da poção que tomaram no começo da tarde.

    Após saírem de mais um sistema cavernoso, seguiram por uma planície até a próxima área. Jon confirmou que precisavam passar por um último lugar até alcançarem Harlon. O Velgo se animou com o iminente fim da monotonia de ficar andando por aí.

    — Que lugarzinho nada convidativo — disse Verion, encarando a entrada de uma gruta.

    — Acredite, existem lugares menos convidativos ainda. — O guia foi primeiro, criando uma forte chama vermelha na mão direita.

    Aprofundaram-se no local, ouvindo o som do gotejar e de seus passos ecoar. O ar era frio, como se estivessem adentrando um ambiente nevado, apesar de não o ser. Verion esfregava as mãos perto do fogo brilhante do guia.

    A força flamejante clareava, mas era incapaz de atingir cada canto daquele lugar. Forçavam os olhos instintivamente contra os cantos intocados pela luminosidade. Uma expectativa não dita de que algo saltaria das sombras para os atacar logo surgiu.

    Enquanto prestavam atenção aos arredores, em meio aos ecos, perceberam algo estranho. Os barulhos começaram a se apequenar, sufocados e restringidos, e a luz, minguar. O véu do breu recaiu sobre ambos, ocultando por completo a visão e a audição.

    Verion reconheceu a manifestação rapidamente: “O Elemento Oculto?”

    A sensação térmica das chamas e a resposta fisiológica de seus corpos era tudo que os assegurava de que ainda existiam. Abriam a boca para falar, porém nenhum som se propagava.

    Avançaram com toda energia, sem saber ao certo que caminho percorriam, experimentando estranhas sensações a cada passo dado que não produzia qualquer mínimo ruído.

    No fim de dois minutos de fuga que pareceram eternos, perceberam uma intensa claridade que cortava as trevas. Foram em direção a ela, até finalmente emergirem no cume da montanha. A lua era visível no céu, mesmo sem a noite ter chegado.

    O guia, ofegante, mal teve tempo de raciocinar sobre o ocorrido. Verion apontou para o rosto dele e soltou as palavras mais inesperadas que poderia imaginar ouvir:

    — Isso foi legal, né? — Suando frio e com um intenso sorriso nos lábios, retirou um pequeno caderno da bolsa e começou anotar as sensações que teve.

    — Legal? — indagou, ainda recuperando o fôlego.

    — Enquanto eu estudava sobre os deuses, descobri que esse elemento era o mais raro de todos! — Suspirou e guardou o caderno. — Não vou negar que foi horrível, só que também não vou reclamar de experiência prática.

    Jon pensou: “Certo… pelo menos o pagamento vai valer a pena. Posso aturar essa estranheza.”

    A questão da fonte da manifestação foi levantada e chegaram na conclusão de que provavelmente era um humano ou uma criatura perdida nas profundezas da montanha. Com certeza algo forte, pois era raríssimo o Elemento.

    Optaram por não investigar e seguir com os planos de ir para a vila.

    Os olhos de Verion e de Jon se fixaram na linha do lindo horizonte. Um degradê de laranja vibrante, roxo e rosa dominava o céu prestes a anoitecer. A luz pouco a pouco deixava de tocar as montanhas mais longínquas, permitindo uma maré de sombras avançar rapidamente e reinar soberana sobre aquelas terras.

    Enquanto o sol começava a deixar o horizonte, eles perceberam algo. Um forte brilho, uma enorme labareda, visível abaixo, na direção esquerda do cume da montanha.

    — Espera… o que aconteceu com Harlon? — O guia não conseguia distinguir nada daquela distância, somente os focos luminosos que dançavam no começo de noite.

    Verion recuou, andando de costas até a entrada da caverna. Abriu sua bolsa e pegou uma poção de Quilis, bebendo em um só gole. Antes de Jon poder perguntar o que ele pretendia fazer…

    O Velgo pegou impulso com uma corrida feroz e se atirou da montanha para uma queda livre de mais de duzentos metros.

    — Moleeeeque?! — Jon perdeu sua postura séria, arregalando os olhos e indo até a beirada.

    — Não posso me dar o luxo de ter cuidado! — berrou em plena queda.

    “Rápido, rápido…”

    “Aquele fogo enorme… devem ter muitos feridos!”

    Sentiu os ventos uivarem em seus ouvidos conforme o chão ficava mais próximo. As batidas do coração se intensificaram enquanto utilizava o Roha para aumentar sua resistência física, e o Vento para tentar amortecer a queda.

    O guia ouviu um grito aterrorizante ecoar montanha acima. Perplexo e sem saber o que aconteceu, começou a descer rapidamente a ingrime encosta da forma mais segura possível.

    Verion curava, com um trêmulo sorriso estampado no rosto, as pernas que ficaram quebradas e torcidas como um pano. A energia dourado de Vegarten reconstruía os ossos e a carne.

    “Quero manter o máximo de pessoas vivas até o dia em que eu transformarei todos em semideuses. Sei que salvar todos é impossível, mas ia ser muita cara de pau da minha parte não tentar!”

    Levantou com as recém-curadas pernas, avançando em alta velocidade entre as vastas plantações de trigo. Ao decorrer dos quilômetros, as chamas ficaram mais e mais evidentes. Por pouco não se alastravam até o cultivo que alimentava aquele povo.

    Dezenas de casas foram completamente arruinadas e uma fumaça sufocante pairava por toda a vila. Os escombros estavam por todo lugar, raridade era ver casas intactas ou de pé. Manchas de sangue eram uma visão inescapável, como se diversos corpos tivessem sido arrastados pelas ruas.

    Após cruzar a entrada do vilarejo, não demorou muito até ouvir um grito nas proximidades. Seu corpo e mente deram tudo de si para chegar naquele pedido de socorro tão atormentado e abafado.

    O clamor vinha de uma casa de alvenaria totalmente destroçada.

    “Tá embaixo disso!”

    Removeu tijolo por tijolo até avistar uma mulher abraçada com uma criança. O corpo dela estava repleto de queimaduras, cortes e arranhões, e o garoto tinha poucos cortes. Verion puxou eles para fora dos escombros.

    — Vegarten! — O forte clarão dourado tomou a mão, que os tocou, fechando todos os ferimentos.

    A expressão de dor que manchava o rosto daquela mãe tornou-se de uma paz momentânea quando viu seu filho em perfeito estado. Nem sequer notou que suas dores se foram, isso não importava mais que aquela criança.

    — Quem é você? — perguntou com voz fraca, quase sussurrada, olhando nos olhos âmbar que a observavam com preocupação.

    — V-Verion Velgo!

    A reação da mulher foi a mesma de quem presenciava um verdadeiro milagre.

    — Filho do Anjo… — Estendeu a mão em direção do rosto dele. — Tem algo que eu possa fazer para te ajudar?

    — Me diz, essa vila tem algum médico?

    — Sim, mas… ele já está ocupado ajudando a filha do prefeito Charles…

    Ele criou uma rajada de ventos expansivos, afastando a fumaça tóxica dos incêndios daquele lado da vila.

    “Deve ser o suficiente pra não dar problema com eles por uns minutos.”

    — Obrigado pela informação! — Começou a rumar ao centro da vila, onde acreditava ficar a prefeitura. — Vou salvar todos que eu puder!

    “Essa destruição toda…”

    “Que coisa aconteceu nesse lugar?!”

    Ao correr para o centro, sentiu um puxão vindo de trás, alguém agarrando o pela roupa branca.

    — Seu maluco, não faz isso de novo! — Jon, esbaforido e com os olhos ainda arregalados, era quem o segurava.

    — Não me atrapalha, preciso ir até o centro da vila logo!

    Após uma discussão nada calorosa, foram juntos sob a luz dos últimos raios de sol. A noite finalmente havia chegado por completo.

    — Por que está ignorando tantas casas? — Fitava os destroços no caminho, imaginando que famílias inteiras poderiam estar soterradas lá.

    — Preciso ser realista, não vou dar conta sozinho! Por isso, vou curar a filha do líder da vila, de quem o médico tá cuidando agora, e fazê-lo sair pra ajudar mais pessoas!

    “Posso até ser capaz de curar de forma muito eficiente, mas ainda vou demorar muito sozinho. Preciso desse cara pra estabilizar o máximo de pessoas até que eu chegue!”

    — Me explica melhor depois! Espero que saiba o que está fazendo!

    Ao avistarem o casarão do líder, perceberam o céu ser iluminado por um instante. Tentando buscar a causa, Verion viu um foco luminoso intenso no topo de uma montanha. Em contraste com a escuridão, uma chama amarelada podia ser vista mesmo daquela distância.

    — Jeremiah? — murmurou ao reconhecer o jeito peculiar do fogo.

    “Ele tá lutando com alguém?”

    Uma explosão enorme, que iluminou tudo novamente, trouxe o pensamento: “Ele ganha isso. É melhor eu me preocupar com o médico agora.”

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