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    — Vocês ouviram o chefe. — O selvagem tinha uma máscara feita de ossos empilhados, as bordas afiadas cruzando o rosto como cicatrizes petrificadas. Quando ele se virou para encarar os colegas, percebeu que um deles segurava o próprio pescoço. Os dois olhos piscavam, mas estavam vazios, ausentes, como se a alma já tivesse dado as costas ao corpo.

    Ele ainda tinha a rédea nas mãos, mas soltou-a, tremendo.

    — O que foi? O que houve?

    — Não… o que foi? — outro respondeu, a voz oscilando entre o medo e a dúvida.

    O selvagem girou na cela, puxando as rédeas e virando o Felroz. Outro colega estava travado no mesmo lugar, mas dessa vez, a cabeça se inclinava para baixo, rígida. Ele tentou chamar, mas o corpo do homem desabou sem som, o pescoço cedendo deixando o sangue espalhar

    — O que está acontecendo aí embaixo? — a voz do chefe ecoou por entre os andares. — Não estão achando ele?

    O selvagem engoliu seco. Não sabia o que responder. Levantou a mão, pronto para dar a ordem, qualquer uma, mas o gesto morreu antes de nascer.

    Sua espinha se contraiu inteira, como se algo tivesse rastejado por dentro dela. Por um instante, não sentiu nada. Depois, veio o frio.

    Uma lâmina cortou o ar. A adaga passou pelo pescoço. O som do silêncio era cruel e mortal. Ele girou, ofegante, levou a mão ao local… nada. Nenhum sangue. Nenhuma dor.

    — Eu… sonhei? — murmurou, confuso.

    — Não. — A voz veio logo atrás dele, tão próxima que o ar parecia vibrar. — Só pressentiu o inevitável.

    Uma mão tapou-lhe a boca. A outra empurrou uma espada até o cabo, bem no meio do peito. O selvagem tentou gritar, mas o som morreu dentro da garganta. Dante puxou a lâmina de volta, e o corpo caiu de lado, inerte.

    Quando olhou ao redor, viu os outros. Corpos deitados, todos com o mesmo ferimento no coração. Nenhum deles parecia realmente morto, os rostos ainda quentes, as pálpebras trêmulas, como se sonhassem no limiar da morte.

    Era essa a sensação: a própria morte ali, ao seu lado, observando em silêncio.

    — Fiquei um pouco decepcionado — Dante disse, limpando o sangue da lâmina. — Achei que, me aproximando mais, eles conseguiriam sentir minha presença. Isso confirma que eu realmente não tenho mais nenhum traço de Energia Cósmica, não é?

    — Negativo. — A voz metálica de Vick respondeu em estalos curtos, chiando. — Seu corpo não consegue mais absorver ou liberar Energia Cósmica. Ao oferecer sua habilidade de bom grado, o que restou foi apenas a maldição.

    Dante soltou o ar num riso cansado. Já sabia disso bem, só queria confirmar algo que também era inevitável.

    — Agora analise esses — disse ele, olhando para o buraco acima, de onde vinham ruídos de luta e metal. — Holanda deve estar com problemas agora. Faça a leitura da Marca do Caçador. Depois, coloque Nick e Lilo para se alimentarem.

    — Positivo. Qual o próximo passo?

    Dante olhou os corpos caídos, as roupas quase intactas, o sangue quente ainda escorrendo pelos punhos.

    Sorriu.

    — Vamos ver até onde conseguimos ir com isso.


    Estranhamente, os humanos gostavam de mostrar que eram melhores. Algumas vezes, agiam de maneira exemplar, nunca deixando seus defeitos aparecerem. Outras vezes, era como se eles fossem praticamente deuses dos próprios erros, sempre sabendo onde estavam suas principais falhas, mas nunca buscando aperfeiçoar ao ponto de não serem mais chamadas assim.

    Alguns humanos, como o selvagem a frente de Holanda, eram puramente cegos. Porque acreditavam que eram eles os vencedores de uma batalha sem ao menos perguntarem a si se seu inimigo era forte o suficiente.

    Treinar sempre foi divertido, ainda mais que seu mestre sempre recomendava algo diferente. Pular, saltar, observar. Por muitos meses, a única coisa que Holanda fazia era cogitar qual seria o treino, e se ele seria algo diferente do habitual.

    Dante sempre aparecia querendo mostrar algo que nem mesmo ele, as vezes, conhecia. Os outros acertavam Dante, e uma cicatriz ou ferimento novo aparecia, mas ele nunca reclamou. Era um pouco estranho pensar… estranho mesmo tentar imaginar o que um humano faria.

    — Está ruim, não é? — o Selvagem apareceu segurando os fios de teias que usou para criar uma armadilha no lugar inteiro. — Deve não entender nada do que eu digo de verdade, mas você foi feito para que? Nunca vi nada parecido com isso.

    Os dois braços esticados, agarrados nas dezenas de teias, e mesmo puxando, nada. Seus golpes causaram apenas danos na criatura, mas ele foi mais rápido, mais forte. Aquelas teias surgiram por debaixo da terra, subindo e prendendo seu corpo.

    Holanda tinha praticamente o corpo inteiro preso.

    — Preciso de apenas três para prender uma pessoa normal. — O selvagem se aproximou montado no monstro. — Mas, você… que coisa absurda é você, criatura?

    Feito para destruir, talvez. Feito para salvar senhorita Manu. Agora que estava praticamente preso, seu inimigo poderia fazer tudo com ele. Talvez… se soubesse o que fazer, poderia desligar pra sempre. Era normal sentir medo disso?

    — Não vai falar? — O selvagem desceu vagarosamente do Felroz. Sua lança em sua mão foi colocada no chão, presa pela lâmina. — Ótimo, gosto de animais calados. Vou te levar de volta para que estudarem você. Sabe lutar, então vai servir para nos entreter.

    Holanda não queria ir embora. Manu ficaria sozinha. Ela precisava de sua ajuda.

    — E quando o Ancião colocar nossa marca em você, vamos voltar até esse lugar para que você mate todas aquelas pessoas. — A mão daquele homem segurou a lateral da sua cabeça, apertando. Holanda não sentia dor. Mas observou os olhos malignos daquele humano. — Faremos um banquete com o coração daquelas pessoas que gostam de viver aqui. Faremos com que eles sintam a vontade do Senhor Caçador.

    Holanda sentiu o aperto mais forte a cada segundo. Ele teria seus olhos apagados. Pararia de observar, analisar. Seria apenas um pedaço de metal novamente. Voltar a sua origem. Manu ficaria triste.

    Ela batalhou tanto por mim, pensou ao ter uma parte da lateral amassada. Ela sempre… lutou por mim.

    — Bons sonhos, máquina…

    — Eu gosto de ver o céu brilhar com as estrelas no alto. — Uma voz soou de longe. O Selvagem virou rapidamente soltando o rosto dele. — Na noite, tudo se torna tão solitário, mas as estrelas brilham um pouco mais a cada dia.

    O Selvagem rapidamente correu na direção da montaria e subiu nela.

    — Quem está ai? Diga logo. — Seus berros chegaram ao vazio. O Selvagem percebeu que nada além dele emitia som. — Onde estão os meus irmãos? Droga, preciso voltar.

    Ele esticou a mão na direção de Holanda. As teias começaram a se enroscar rapidamente ao redor do braço e pernas. Ele faria um casulo e levaria a criatura com ele. O Ancião gostaria de ver o que os humanos da cidade fizeram.

    Talvez, ele poderia ajudar no…

    Sentiu uma estranha dor vindo de seu braço, então virou o rosto rapidamente para o lado. Uma máscara de ossos tinha se aproximado sem que ele percebesse. Sentiu a lâmina atravessar seu músculo, e quando ele puxou, sua mão inteira se abriu.

    O homem se jogou para trás, segurando o membro ensanguentado e soltando um berro. O braço inteiro foi aberto em um segundo.

    — O céu brilha para apresentar os monstros da terra. — A Máscara de Ossos parou bem na frente de Holanda, com uma lança na mão e uma arma de fogo na outra. — Dante, da Capital. Conhece esse nome?

    A arma de fogo foi erguida e o Selvagem abaixou rapidamente puxando as rédeas do Felroz. Ele girou a criatura se jogando para longe, na direção de um buraco. Lá embaixo, ele não poderia ir atrás.

    — É o meu nome — ouviu vindo de longe. Em seguida, um disparo.

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