Capítulo 18 | Vistam-se e Lutem (1)
A quietude nos aposentos de obsidiana era uma mentira. Sêneca ainda estava sob os cuidados dos curandeiros de Tritão, murmurando longe o suficiente para não incomodar Magno ou Hermes.
Para o gatuno, o silêncio do palácio era como o ar parado antes de uma tempestade. O peso do ano perdido o esmagava, transformando sua dor em inquietação e insônia. Enquanto Hermes parecia mergulhar em uma quietude misteriosa, Magno não conseguia ficar parado. Fechar os olhos para descansar abria espaço para o desespero, e o gatuno de Therma nunca se desesperava, ou assim gostava de demonstrar.
Quando a maior parte do palácio mergulhou no ciclo de repouso que passava por noite, ele se moveu. Vestido com os trapos escuros que trouxera, tornou-se uma sombra. Os corredores principais, patrulhados por guardas cujas armaduras de obsidiana os fundiam com a escuridão, eram um risco desnecessário.
Um palácio, não importava quão diferente, ainda era um palácio. Sempre haveriam rotas esquecidas, passagens de serviço e galerias superiores onde apenas o pó e os segredos se acumulavam.
Ele se infiltrou nas áreas de serviço com uma perícia que era quase um insulto à segurança do reino submarino.
Escondido atrás de um pilar de coral negro, ouviu dois cozinheiros reclamarem em sussurros. A ração de peixe-lume, normalmente destinada aos batedores de elite de Kymos, havia sido desviada para a guarnição do portão sul por uma “ordem de última hora”. Uma conversa aparentemente trivial.
Mais tarde, de uma viga alta perto dos alojamentos dos guardas, ele observou um esquadrão leal ao General Kymos sendo despachado para uma missão urgente: verificar a “integridade estrutural” de um aqueduto distante na borda da cúpula. Não parecia uma tarefa para guerreiros de elite, pensou Magno. Mas em meio a uma guerra, os papéis costumam ficar mais confusos, então não deu atenção.
Depois, esgueirou-se por uma galeria superior que dava para um dos pátios internos. Abaixo, viu duas nobres mulheres-peixe em uma conversa tensa e conspiratória. No momento em que a figura elegante de Lorde Theron emergiu de um corredor, a conversa delas parou instantaneamente. As expressões se tornaram neutras, as posturas, relaxadas. A mudança foi rápida demais, ensaiada demais. Estalou a língua, talvez fosse só fofoca.
Magno recuou para as sombras, o coração ainda martelando. Ele não tinha descoberto nada. Mas então, algo pareceu incomodá-lo ao relembrar a investigação que estava fazendo.
Já era de manhã quando a porta de obsidiana se abriu sem aviso, e Tritão entrou. A conversa lá dentro parou de forma abrupta. Magno se afastou de Hermes, assumindo uma postura casual que não enganava ninguém, enquanto Hermes apenas encarava o príncipe com um rosto impassível. Pareciam crianças pegas pela mãe logo depois de aprontar.
Tritão parou, seus olhos passando de um para o outro. A armadura de seu pai brilhava com a luz azulada do quarto, mas o rosto do príncipe estava sombrio.
— Interrompo algo? — ele perguntou, a voz grave.
— Apenas discutindo a falta de boas tavernas neste fim de mundo — respondeu Magno, forçando um sorriso de raposa que não alcançou seus olhos. — Seu povo não sabe se divertir.
Tritão não sorriu. Tentou ver através da expressão de Magno, sob a camada fina de normalidade que ele mostrava.
— O Conselho se reunirá novamente — disse ele, ignorando a brincadeira de Magno. — Temos novos relatórios dos batedores. A situação piorou.
O novo conselho estava carregado de uma urgência que não existia antes. Os nobres estavam agitados, suas vozes sobrepondo-se em uma cacofonia de medo e acusações. General Kymos estava de pé, o punho batendo ritmicamente na mesa de osso, a impaciência irradiando de sua forma maciça.
Foi Lorde Theron quem trouxe ordem ao caos. Ele se levantou, e sua calma eloquente silenciou a sala. Ele desenrolou um papiro de alga seca, apresentando os relatórios fragmentados que os batedores de Kymos haviam trazido de suas patrulhas perigosas.
— Meus senhores — começou ele, a voz ressoando com clareza. — Os padrões são inegáveis. Os ataques de Proteu não são aleatórios. Observem. — Ele apontou para pontos no mapa gravado na mesa.
Os que estavam presentes se aproximaram atentamente para enxergar com maior clareza o que o conselheiro revelava.

— Um ataque aqui, enfraquecendo nosso posto avançado leste. — Ele prosseguiu — Outro aqui, destruindo um santuário de comunicação com Cetus. E agora, este último, uma incursão ousada que testou as defesas do aqueduto principal.
Ele fez uma pausa, permitindo que o peso de suas palavras se assentasse.
— Individualmente, são incômodos. Juntos, eles formam uma lança apontada para um único lugar. O único lugar em Atlântida cuja falha significaria nossa ruína completa.
Um murmúrio de pavor percorreu a sala. Lady Neria levou uma das mãos membranosas à boca, os olhos arregalados.
— Ele não ousaria… — ela sussurrou. — Mesmo Proteu não seria capaz de cometer tamanho sacrilégio…
— Ele não só ousaria, minha senhora, como está metodicamente abrindo o caminho para fazê-lo — Theron concluiu, a voz sombria. — O alvo de Proteu é o Coração de Caríbide.
— Mas isso destruiria toda a cidade! — Tritão se exaltou erguendo a voz em indignação de uma forma que não lhe era usual — Meu irmão planeja acabar com o império de nosso pai?
O pânico explodiu. A menção ao coração ancestral que alimentava a cúpula protetora de Atlântida era um tabu, uma blasfêmia. A ideia de que ele pudesse ser vulnerável era impensável. Kymos rugiu, um som de pura fúria.
— Impossível! Ninguém entra no Santuário há milênios! — Ele deu um soco na mesa que assustou os presentes — É uma imbecilidade completo se preocupar com isso e não com o embate direto contra as forças do usurpador! A cúpula resistiu à ira dos Titãs! Como as forças patéticas de Proteu poderiam danificá-la?
— Eu não sei, General — Theron admitiu, com uma humildade que o fazia parecer ainda mais sábio. — Mas os fatos nos mostram a intenção. E devemos nos preparar para o impensável.
A discussão caótica foi interrompida por um som de alarme vindo de fora do salão. As grandes portas de coral se abriram com um estrondo, e dois batedores, feridos e ofegantes, tropeçaram para dentro, apoiando-se um no outro.
— Meu príncipe! — um deles engasgou, o sangue escorrendo de um corte em sua guelra. — Uma frota… Uma frota massiva se aproxima do portão oeste. A maior que já vimos.

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