Capítulo 69: Vitória Impossível
Puro e, sobretudo, revigorante. Assim era o ar do leste, leve, que tentava enganar quem o respirava, dizendo-lhes aos ouvidos que ele não existia.
Dessa forma, circulava-os feito redemoinho, refrescando a pele, apagando as preocupações e desconfortos que nem tiveram a chance de nascer.
O ar, que se divertia com o conforto que oferecia aos humanos, também os distraía da cereja do bolo: as pétalas em tom rosado, que caminhavam em elegância.
Eram poucas e andavam em grupo; no entanto, a beleza encontrava-se no simples, que misturava-se na gentileza sutil e abraçava o vento. Caminhavam para o lado esquerdo e, insatisfeitas, voavam até o topo das árvores, dando-lhes motivos para explorarem a direita.
O garoto observava esse palco celeste com brilho nos olhos. Quanto mais olhava, mais se surpreendia com o pouco que sabia sobre o mundo.
— Que lindo…!
Ao seu lado, estava sua mãe. Olhava para cada árvore com o mesmo amor recebido das pétalas, sem esconder a admiração que repousava no olhar.
— Muito, né?
Enquanto caminhavam, perdiam-se no encanto da floresta, e mal percebiam que estavam próximos de chegarem a um banco prateado feito de madeira.
Os olhos estavam perdidos nas pétalas, no entanto, algo acima daquele banco roubava a atenção para si, sendo ele algo adorado por todos: um felino.
Deitado com a barriga para cima, despreocupado se há árvores ou não. Tudo o que importava era a resposta da indagação: o vento vai continuar a me agradar?
O pelo era marrom, um que nunca encontrou com a poeira. Enaltecendo a beleza que tinha, o tom escuro listrava o que lhe era permitido.
Seus olhos, mais dourados do que o ouro, brilhavam feito faróis. Se abriam quando dava vontade, e, na maior parte do tempo, permaneciam fechados.
Os olhos de Luna derretiam com tamanha graça que encontrava. Sua voz, boba e animada, chamava a atenção do filho para compartilhar o tesouro que achou:
— Ó ali, filho! Um gatinho!
Arthur, assim que ouviu a voz animada de sua mãe, redirecionou a atenção para o banco que encontraram. Quando os olhos puderam enxergar a graça a sua frente, não pôde deixar de enfraquecer a fala.
— Mieu Dieux, qui fofinhu!
Dessa forma, saltitava de um pé a outro. O corpo, molenga como gelatina, cambaleava até encontrar o animal, que abria os olhos com toda a lerdeza do mundo.
Em sua perspectiva, um humano idiota o observava com o rosto derretendo. Atrás deste, uma mulher boba o encarava com brilho nos olhos.
O humano idiota começou a acariciar seu queixo. Não era sutil, mas, sim, agradável, feito com cuidado e atenção, e isso era bom o bastante.
As pálpebras fechavam suavemente. O pescoço erguia-se para facilitar a massagem. Na mente do felino, passava o que todos sabem, mas sempre negam:
“Um carinho agradável… Gostei. O que eu gosto, mantém. Se me irritar, eu mordo.”
Astuto como é, sabe que nem tudo vem de graça. Assim, abria discretamente o olho esquerdo, para que averiguasse se tudo estava indo de acordo.
Como todos imaginam, tudo estava bem demais. Luna havia se aproximado, mas admirava a fofura daquele felino de longe. Pouco desconfiava da esperteza que tinha.
Malicioso como sempre foi, começou a calcular em poucos instantes as vantagens que aquela presa fácil poderia oferecer à sua preguiçosa vida.
Em conclusão: isso foi um prato cheio. Em seu subconsciente perverso, um sorriso, tão malicioso quanto fofo, estampava o rosto de orelha à orelha.
Assim, se levantava com delicadeza, pondo as patas suavemente nas mãos do humano para que ele cessasse o carinho por enquanto.
Certamente isso não foi à toa. Logo após ficar de pé, seus olhinhos, tão fofinhos e lindinhos, olhavam para a mulher com um sutil miado, que se disfarçava em pensamentos controversos:
“Mulher adulta tem dinheiro. Dinheiro me traz ração. Ração me dá prazer. Prazer eu gosto.”
Luna, inocente como todos são perante um felino fofo, aproximou-se com um sorriso meigo, agachando-se próximo ao gato que a chamou.
— O que foi?
O peixe mordeu a isca do gato. O felino sorria feito um espírito maligno em sua mente. Agora, o golpe mais perverso e irresistível de todos os seres estava com os preparativos prontos.
Como se fosse apenas um animal ingênuo, aproximou-se do rosto de Luna, observando seus olhos de perto, para que ela pudesse observar os seus.
Pouco depois, ergueu o pescoço e lambeu a ponta de seu nariz, não só uma, nem duas, mas três vezes. Um ataque fatal que todos desejam receber.
Agora não tinha mais volta. Luna derreteu como sorvete, e, como se não bastasse, o gato levantou o pescoço para que ela tivesse a honra de acariciá-lo.
Os lábios sorriam feito crianças. Os dedos, sem um pingo de resistência, massageavam o felino sem nem pensar no golpe que havia caído.
Feliz como nunca esteve, olhou para o lado e disse ao seu filho: “Olha! Acho que ele gostou muito de mim, né? Até lambeu meu nariz!”
O Arthur? Coitado, parecia nem existir mais. O corpo, mole como pudim, balançava de um lado e quase caía para o outro. A garganta, perante tamanha fofura forjada, soluçava de encanto.
Assim que concluiu o show, retirou-se do banco. Enquanto caminhava todo pomposo, o rabo balançava de um lado para o outro. A boca, que miava “gentilmente”, influenciava os alvos a seguirem-no.
E então, a dupla começou a seguir a isca feito galinhas atrás do milho. A fofura os cegava sem esforço, e os pés cambaleavam sem rumo.
Os pés, que caminhavam em leveza, não percebiam a grama. Ela, por sua vez, os abraçava de forma gentil, dando-lhes as boas-vindas ao lar.
As cerejeiras, outrora rosadas, tornavam-se prateadas a cada instante. Assim, transitavam de doce para o divino, e quase brilhavam mais do que as estrelas.
Enquanto se distraíam com as árvores em tom de prata, perdiam a atração principal logo à frente. O felino, que observou essa falta de atenção, sentiu-se obrigado a tomar uma atitude.
Sendo assim, miou gentilmente. Isso forçou seus alvos a prestarem atenção em sua voz, que, de tabela, também os mostrou a moradia sagrada que deveriam ver.
Havia um castelo. Era tão grande e majestoso, que forçava as nuvens a serem decorativos. Suas existências serviam apenas para vangloriar o lar.
As pétalas divinas das cerejeiras caminhavam de mãos dadas para adorar a moradia. Algumas o abraçavam no topo, outras serviam de tapete para os convidados.
Por fim, sua cor era um tom suave do azul, que desafiava a beleza do céu, e mostrava ao universo qual lar nesse mundo transcendia o infinito.
O portão deveria ser tão impressionante quanto, e era. Um metal maciço, que abraçava a cor do castelo, estava fechado ao exterior, mas isso não significava que ele não tinha consciência.
Enquanto todos os olhares brilhavam em admiração, o felino caminhava com neutralidade no olhar. Cessou os passos somente quando estava diante do portão.
E então, o sutil miado ecoou pelo horizonte, e, dessa vez, não era para suborno, mas, sim, indicar que havia chegado ao lar que o pertencia.
O portão, tão obediente quanto extravagante, começou a se abrir sem pressa. Seu tamanho fazia o chão gritar, se contorcer e até mesmo pedir desculpas.
Finalmente, estava aberto. O abismo coexistia com a entrada. Vento, frio e melancólico, sussurrava pelas beiradas. Algumas escapavam para abraçar os convidados.
As patas de um felino, sempre tão cuidadosas, começaram a andar a caminho daquele portão, despreocupadas com qualquer perigo que pudesse aparecer.
Mãe e filho, antes observavam em admiração. Agora, receio existia no olhar. Não importava o quão belo aquela moradia pudesse ser, tudo exalava perigo.
Os lábios de Arthur se comprometiam discretamente com a insegurança. Seus instintos já o avisavam sobre as consequências que estavam por vir.
Luna sabia o que deveria fazer, se estivesse em um mundo normal: fugir imediatamente, sem questionar o próximo destino, desde que fosse distante.
No entanto, esse não era o mesmo universo do qual estavam acostumados. Se estavam em uma missão no leste, e lá existia um lugar perigoso, esse era o lugar certo.
E então, os olhos calorosos de mãe caminharam para observar seu filho, junto à mão estendida em proteção e gentileza para que ele pudesse segurar.
Não houve palavras, eram desnecessárias. Arthur, que confiaria em qualquer decisão de Luna, apoiou-se em sua certeza para que pudesse andar.
Por fim, caminhavam até a dona morte. Sabiam da existência, e, também, do quão presente ela poderia estar; entretanto, sabiam que, nesse mundo, covardia lhe traria malefícios profundos.
Estranho. Quando estavam fora do lar, tudo parecia escuro e sem vida. Agora, na ausência de lâmpadas, a luz existia por conta própria.
Junto a isso, um som impedia o silêncio de crescer: águas de um regador, que caíam sobre alguma flor para que ela pudesse florescer com vida.
Não sabiam de onde vinha, tampouco se era fruto de suas imaginações, mas, certamente, era real; o incômodo em seus corações provava isso.
Enquanto caminhavam perdidos, observavam os itens domésticos da casa, desde a mesa até as geladeiras. Tudo era simples e minimalista, sem excesso, tampouco faltava algo. Estava perfeito.
Os passos duraram até os olhares se encontrarem com uma porta, que, na verdade, não existia mais, só restara o buraco que abraçava a parede.
E, dali, vinha o maior incômodo. Nada, senão o abismo, mais escuro do que o escuro, existia naquele lugar, que, infelizmente, deveriam ir.
Próximo capítulo: Santa Divindade.

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