Capítulo 65: Sob os Holofotes.
Assim que pisei no grande salão do palácio real, meu olhar foi atraído pelas várias casas nobres reunidas de maneira impecavelmente organizada. Vestes luxuosas, joias brilhantes e posturas rígidas… todos eles estavam virados para a figura do rei no centro do palanque, observando-o com uma reverência quase ensaiada. A atmosfera tinha um peso diferente do que eu estava acostumada. Era como se cada respiração ali dentro precisasse de permissão. Um guarda se aproximou do rei carregando um pequeno objeto metálico, comprido e com o topo arredondado como uma esfera polida. Ele entregou o objeto com ambas as mãos, como se fosse algo valioso. O rei o segurou com naturalidade, limpou a garganta com elegância e, quando falou, sua voz ecoou com uma clareza e força anormais pelo salão inteiro. Esse negócio aumenta a voz? Como… magia? Tecnologia? Franzi levemente a testa.
— A família real está honrada em receber seu povo esta noite — declarou o rei com um sorriso impecável.
Ele virou-se para a mulher ao seu lado e pegou a mão dela com delicadeza. Deveria ser a rainha de Nautiloria. Seus traços eram suaves, mas havia algo firme no seu olhar, como uma corrente tranquila que escondia sua profundidade. O rei ergueu a mão entrelaçada com a dela.
— Eu, minha esposa Aurora Marines e nossos belos filhos, Aqua Marines e Eren Marines, os recebemos de braços abertos.
Assim que o nome de Aqua foi dito, lancei um olhar discreto para ela a feição que estava estampada em seu rosto demonstrou que ela estava irritada. Os lábios comprimidos, o olhar de lado. Ela parecia odiar esse tipo de apresentação formal. Já Eren, que estava um pouco mais afastado próximo aos outros nobres, parecia apenas entediado.
O rei prosseguiu com orgulho inflado no peito:
— Reunimos todos aqui para celebrar um feito extraordinário! A guilda de aventureiros de Nautiloria destruiu uma torre do abismo!
Um murmúrio de espanto e admiração percorreu o público, embora muitos deles já soubessem da história pelos rumores. Eu senti um arrepio ao lembrar da torre, das armadilhas, do cheiro de perigo em cada andar. O rei abriu os braços de forma teatral.
— Assim como prometido, a recompensa de dez mil moedas será entregue à guilda ao final desta cerimônia.
Meu coração deu um pequeno salto. Dez mil moedas… isso era coisa de mudar a estrutura de uma vila inteira. Não era qualquer recompensa… poderia mudar a vida de quem a obtivesse.
— Aproveitem esta noite! — finalizou o rei com autoridade na voz. — No encerramento, a recompensa será entregue!
Uma chuva de aplausos explodiu pelo salão. Nobres batiam palmas com elegância, aventureiros batiam com animação. Alguns até assobiaram. O rei sorriu, acenou com tranquilidade e, cercado de guardas, retirou-se para uma área reservada onde alguns nobres se apressaram para acompanhá-lo, como pássaros tentando conseguir migalhas nas asas do mais forte.
Um grupo surgiu sob uma estrutura coberta, afinando instrumentos que eu nunca tinha visto de perto. A musica começou pouco depois. As melodias que tocaram eram animadas, mas refinadas, como se até a diversão ali tivesse etiqueta. Os aventureiros se dispersaram em pequenos grupos, explorando o espaço. Alguns foram falar com nobres corajosos. Outros simplesmente foram atrás de bebida e mesas livres sensatos.
Eu permaneci ao lado de Selene. Ela cruzou os braços, observando tudo com certo interesse. Então, inclinou levemente a cabeça em minha direção, com um sorriso travesso que não revelava muito suas intenções.
— Já que estamos aqui… — disse, com um tom leve demais para ser inocente — deveríamos socializar com o que importa.
— Socializar…? — ergui uma sobrancelha. — Com as pessoas?
Ela riu baixinho.
— Com a comida.
Seus olhos brilharam como se tivesse encontrado um tesouro ancestral. Ela apenas apontou com o queixo. Eu segui seu olhar e meus olhos brilharam também. Uma mesa longa, enorme, absolutamente lotada de comida de todos os tipos: carnes suculentas, tortas douradas, doces coloridos, frutas brilhantes como joias, bebidas que soltavam vapor mágico, pratos que eu nem sabia nomear. Era como se tivessem pego todos os sabores do mundo e colocado ali só para tentar nos impressionar.
— Vamos? — Selene me lançou um olhar sagaz e vitorioso.
Eu respirei fundo, sentindo o cheiro da comida invadir meus sentidos.
— …Ok, depois de um dia como hoje eu preciso de algo bom.
E nós avançamos como predadoras sorrateiras em direção ao banquete real.
O salão principal do palácio era vasto o suficiente para fazer qualquer um se sentir pequeno. Lustres de cristal pendiam do teto arqueado, refletindo a luz dourada das tochas e criando brilhos que dançavam nas paredes brancas. O ar era perfumado por flores dispostas em arranjos altos e pela mistura irresistível dos pratos que vinham e iam em bandejas prateadas, servidos por atendentes impecavelmente trajados.
A cada passo que dava, sentia o som abafado das vozes se sobrepor: conversas refinadas, risadas contidas, elogios que pareciam cuidadosamente calculados. Aqua caminhava à frente, mantendo uma elegância natural de quem parecia já ter nascido acostumada àquele tipo de evento. Selene, por outro lado, atraía olhares por todos os lados. Parecia ser impossível ignorá-la; sua postura, o olhar firme e a aura quase magnética que a cercava faziam com que mesmo os nobres mais orgulhosos baixassem a cabeça quando ela passava.
— Você parece tensa — ela disse sem olhar para mim, enquanto um homem de capa azul se aproximava para cumprimentá-la.
— Só não quero esbarrar em ninguém importante — respondi, tentando disfarçar o incômodo de estar cercada por pessoas tão… polidas.
— O segredo sobre esses eventos, é tentar parecer ao máximo que não está encomodada — ela completou com um meio sorriso, antes de virar-se para o nobre que a chamava.
Fiquei observando de longe enquanto o homem fazia elogios exagerados à maestria de Selene em suas batalhas, gesticulando demais, tentando parecer confiante. Ela respondia com sutileza, sem se rebaixar nem se exaltar, equilibrando certo charme com indiferença; o suficiente para deixá-lo visivelmente desconcertado quando ela terminou a conversa e simplesmente se afastou.
Aqua se aproximou de mim pouco depois, trazendo duas taças com uma bebida de coloração âmbar.
— É doce e sem álcool, mas tem um toque forte no final. Cuidado para não se empolgar muito.
Peguei uma das taças e provei um gole. O sabor era intenso, com notas de mel e algo levemente picante que se espalhou pela garganta.
— Acho que prefiro água — murmurei, o que a fez rir discretamente.
A mesa de degustação estava repleta de pratos que pareciam mais obras de arte do que comida. Experimentei pequenas porções: um bolinho dourado recheado de queijo cremoso e especiarias, um pedaço de carne tão macia que derretia na boca, e uma fruta translúcida parecida com gelo que explodia em doçura assim que a mordia.
Enquanto me distraía com os sabores, percebi outro grupo se aproximando de Selene. Três pessoas vestidas com trajes de aventureiros — dois homens e uma mulher — apesar que nunca os vi na guilda. Eles pareciam curiosos, talvez querendo medir forças ou simplesmente conquistar um pouco de prestígio por estar ao lado dela. Um deles, o mais alto, elogiava seu controle mágico e fazia perguntas sobre seu treinamento.
Selene respondia com paciência, mas havia algo nos olhos dela que eu já reconhecia: aquela chama de quem está analisando cada palavra dita, cada intenção escondida. O clima era leve, mas um certo jogo de informações era evidente.
— Ela realmente sabe lidar com as pessoas — comentei.
— É uma das razões pelas quais todos respeitam Selene — respondeu Aqua. — Além da sua força é claro, ela sabe quando ser implacável… e quando tem apenas que sorrir.
Olhei para Selene de novo. Havia algo de fascinante na forma como ela conseguia dominar o ambiente sem precisar levantar a voz. E, ainda assim, era impossível não perceber que, mesmo ali, cercada de luxo e bajulação, ela mantinha uma distância invisível.
As horas passaram de forma quase imperceptível. A música ambiente suavizou, e os servos começaram a recolher parte das bandejas, sinal de que algo se aproximava. As conversas diminuíram, como se todos instintivamente sentissem a mudança no ar.
Um mensageiro atravessou o salão, subindo os degraus do estrado principal, onde uma figura de manto azul se posicionava: a mesma cor usada pela família real. O tilintar de taças cessou, e todos voltaram a atenção para o centro.
O anúncio da recompensa estava prestes a começar.
O mensageiro deu dois passos à frente no estrado, sua postura impecavelmente ereta. A música cessou aos poucos, os murmúrios diminuíram e o salão inteiro mergulhou em um silêncio respeitoso.
— A cerimônia está chegando ao fim — anunciou ele com voz firme e bem projetada. — Mas antes, como foi prometido pelo rei de Nautiloria, a recompensa pela conquista da torre do abismo será entregue.
Dois guardas se aproximaram carregando um enorme baú coberto por um tecido escuro. Quando o pano foi puxado para o lado, um brilho dourado explodiu no ar… moedas de ouro reluziam intensamente sob a luz do salão. Houve um leve burburinho de surpresa entre os presentes, até mesmo alguns nobres ergueram discretamente as sobrancelhas.
— Agora — continuou o mensageiro — a família real irá repassar a recompensa àqueles que a merecem.
O mensageiro dispôs o objeto que ampliava a voz para a pessoa no estrado. Luzes se encontraram acima dessa pessoa revelando um rosto que estava comigo a pouco tempo. Aqua deu um passo à frente com a elegância de alguém que já nasceu sendo observada por multidões. Pegou com naturalidade o dispositivo que amplificava a voz das mãos do mensageiro e caminhou até ficar bem sob a iluminação principal, exatamente abaixo do brilho do tesouro. Antes de falar, deu alguns toques no metal esférico no topo.
O som ecoou alto demais, arrancando algumas reações discretas da plateia.
— Hm. Funciona. — Aqua franziu levemente o cenho.
E então começou.
— Como todos aqui sabem… eu não sou apenas a princesa de Nautiloria e do Reino da Água.
A voz dela soou clara, firme, preenchendo cada canto do salão.
— Também sou a líder da Guilda do Redemoinho Celeste.
Um leve desconforto percorreu os nobres. Murmúrios contidos. Olhares trocados. Mas ela não ligou.
— Estou dizendo isso para que ninguém ouse levantar especulações idiotas sobre a família real “fingir” uma recompensa, quando na verdade estaria apenas dando suporte à sua filha.
O tom incisivo fez alguns nobres prenderem a respiração. Ela continuou, sem perder o ritmo:
— A recompensa não irá diretamente e inteiramente para a guilda. Em vez disso, será entregue aos aventureiros que conquistaram a torre ao meu lado, aqueles que colocaram suas vidas em jogo para que vocês estivessem aqui hoje aproveitando essa cerimônia — fez uma pequena pausa analisando as reações da platéia. — Apenas uma pequena porcentagem será destinada à guilda para suprimentos e manutenção da infraestrutura.
O choque foi imediato. Não entre os aventureiros, mas entre os nobres. Vários trocaram olhares indignados e incrédulos. Outros pareciam confusos, como se aquilo simplesmente não fizesse sentido para eles.
Aqua ergueu o queixo orgulhosa e abriu um raro sorriso naquela noite.
— Reuni os aventureiros que desbravaram a torre comigo para decidirmos como repartir a recompensa. E, por coincidência, todos eles chegaram a conclusões muito parecidas.
A Reunião. Meu coração começou a bater mais rápido, mesmo sem saber por quê.
— Na mente de todos só vinha a pessoa que tornou possível não apenas a vitória… como também a saída de muitos sem ferimentos graves…
As luzes do salão se moveram lentamente, convergindo para uma única figura: Selene.
Ela estava ao meu lado. Impecável. Inabalável. Majestosa. O que fez com que eu desse um passo para trás.
Eu não fiquei surpresa. Na verdade… apenas senti que era justo. Selene recebeu os olhares com naturalidade. Não sorriu. Não se orgulhou. Apenas manteve a postura impecável… mas não respondeu aos aplausos de maneira alguma.
Nenhum aplauso foi forçado. Todos ali sabiam quem ela era. A força que ela tinha. Quantas vidas provavelmente salvou e sinto que alguns estavam gratos por ela ter aparecido em um momento tão oportuno.
Aqua ergueu a mão e esperou os aplausos cessarem.
— Ela chegou há pouco tempo na guilda… mas com certeza deixou marcas em seus companheiros.
Selene lançou um olhar discreto para Aqua, quase como um aviso para ela não exagerar. Não entendi completamente o que aquele olhar significou, mas Aqua ignorou completamente.
— Naquele lugar os Deuses sorriram para nós, essa pessoa não se destacou apenas pela sua coragem. Mas pelas habilidades únicas que mudaram o rumo do combate diversas vezes.
Ela deu dois passos à frente, triunfante.
— Por isso…
Um silêncio absoluto caiu sobre nós.
— Ashley…
— …hã?
— Seus companheiros de guilda chegaram a mesma resposta. Você foi a escolhida para receber a recompensa da torre do abismo.
Eu pisquei os olhos, mas piscar não ajudou a fazer aquele momento mais crível. Meu cérebro simplesmente… travou.
— Eu o quê?!
Fim do Capítulo 65: Sob os Holofotes.
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