Lin Tianyu caminhou pelas ruas movimentadas do Bairro dos Mercadores. O ar estava carregado com o aroma de ervas secas e especiarias exóticas vindas das barracas ao redor, misturado ao som de mercadores gritando preços e clientes barganhando com vozes altas e animadas.

    Ele ainda se sentia um estranho ali, seu corpo magro e calejado pelo trabalho no vale contrastando com os nobres bem-vestidos que passeavam com criados ao lado. As roupas novas que Mo Liang lhe dera — a túnica azul escura bordada com padrões dourados simples — ajudavam a disfarçar sua origem humilde, mas Tianyu sabia que era apenas uma casca. Dentro dele, a frustração de ter sua família morta ainda o mantinha com os pés no chão.

    A conversa dos discípulos da Seita do Rio Celestial no restaurante havia reacendido a raiva pela destruição de seu vale, mas também acendido uma faísca de esperança — se a seita investigava atos como aquele e repudiava massacres contra mortais, talvez fosse um lugar seguro para crescer em poder longe dos olhos daqueles que o procuravam.

    Sua decisão estava tomada: participaria do exame da Seita do Rio Celestial. Essa era sua melhor chance no momento. Mas antes, precisava de orientação. Ele não sabia nada sobre o processo, e entrar às cegas poderia ser um erro fatal.

    Com o mapa rudimentar que Mo Liang lhe dera no dia anterior em mãos, Tianyu seguiu as direções que conseguia decifrar. Parou por um momento em uma esquina, tentando ler um dos rótulos no mapa. As marcas pareciam rabiscos aleatórios, e uma pontada de frustração o invadiu. “Preciso aprender a ler” pensou, amassando levemente o papel antes de continuar.

    Perguntou a um vendedor de frutas próximo — um homem idoso com um carrinho cheio de maçãs do fogo vermelhas e brilhantes — e seguiu as instruções vagas até encontrar o caminho de volta ao Emporium Mo.

    A loja surgia imponente no meio do quarteirão, suas fachadas de madeira polida reluzindo sob o sol, com janelas amplas exibindo prateleiras cheias de jarros coloridos, pílulas reluzentes,  tecidos finos e armas simples polidas brilhando contra o sol.

    O cheiro de incenso caro e ervas medicinais vazava pela porta aberta, misturando-se ao burburinho de clientes dentro.

    Tianyu entrou, seus olhos se ajustando à luz mais suave do interior. O lugar estava lotado: nobres mortais ricos examinavam itens exóticos, oferecendo bolsas de ouro por ervas cosméticas que prometiam juventude eterna, enquanto cultivadores de baixo nível compravam pílulas e talismãs com um ar de superioridade.

    Um mortal rico, um homem velho com anéis de jade nos dedos, tentou negociar uma pílula de vitalidade, mas um cultivador jovem já estava de olho nela.

    — Não me aborreça, velho. Sua fortuna inteira não vale nada para mim. — O cultivador bufou, olhando o velho com desgosto.

    O velho mortal curvou-se respeitosamente, murmurando desculpas, destacando a hierarquia clara. Um mortal poderia acumular fortunas, mas um cultivador, por menor que fosse seu estágio, era visto como superior — tocado pelos céus, capaz de viver séculos e de feitos além do comum. Era uma hierarquia implícita, onde o poder eclipsava a riqueza material.

    Funcionários uniformizados reconheceram Lin Tianyu imediatamente como o “salvador do patrão”, e um deles o guiou até um escritório nos fundos, onde Mo Liang revisava pergaminhos de estoque. O mercador ergueu os olhos, seu rosto redondo iluminando-se com um sorriso amplo ao vê-lo.

    — Jovem Tianyu! Que prazer revê-lo tão cedo. Como está se acomodando na hospedaria? O quarto atende às suas necessidades?

    — Está perfeito, senhor Mo. Obrigado novamente por tudo. — Tianyu inclinou a cabeça em saudação, sentindo um raro calor de gratidão.

    — Ótimo, meu salvador merece o melhor que a cidade tem a oferecer! Então jovem, qual o motivo da sua visita hoje, ou veio só para visitar um velho amigo? Sente-se, sente-se.

    Mo Liang gesticulou para uma cadeira de madeira polida no outro lado de sua mesa, enquanto um servo servia chá de folhas verdes em xícaras de porcelana fina antes de se retirar.

    — Senhor Liang, na verdade… preciso de orientação. Decidi participar do exame da Seita do Rio Celestial. Pode me explicar como funciona o processo?

    Mo Liang piscou, surpreso, mas então seu sorriso se ampliou.

    — Vai participar do exame? Ah, que notícia boa, jovem! É uma decisão sábia. Uma seita é o melhor lugar para um iniciante como você. Recursos, mestres, técnicas seguras. É claro, posso lhe explicar o básico. Mas lembre-se, sou só um mortal, então o que sei vem dos clientes cultivadores que passam por aqui.

    Ele desenrolou um mapa detalhado da cidade sobre a mesa, traçando linhas com o dedo gordo, parando para ajustar os óculos.

    — Primeiro, a inscrição deve ser feita na prefeitura, ali no centro do Distrito Residencial. Aquele edifício alto com aquelas bandeiras esvoaçantes, você deve ter visto. Você apenas precisa preencher um formulário simples com nome, idade e nível de cultivo caso já seja um cultivador. Aqueles sem cartas de recomendação tem que pagar uma taxa de pagamento com algumas pedras espirituais, mas não se preocupe, eu lhe cubro nessa parte!

    Lin Tianyu sentiu um alivio ao ouvir sobre a isenção na taxa tendo uma carta de recomendação, ele não queria dever mais ainda para o mercador Mo.

    — Na verdade, acho que não vai ser necessário senhor Mo… eu já tenho uma carta de recomendação, de um discípulo chamado Chen Wei que conheci na estrada. — Ele disse enquanto tirava a carta do bolso e mostrava para Mo Liang.

    Os olhos de Mo Liang se arregalaram, o chá que estava preste a tomar quase derramando na mesa, surpreendendo Lin Tianyu.

    — Chen Wei? O discípulo de núcleo famoso? Ele é um verdadeiro gênio! Com uma carta dele, suas chances disparam, jovem! Os Elders notarão você imediatamente. Isso é ouro puro! — Ele riu, virando o chá que restava de uma vez só, parecendo empolgado.

    Tianyu piscou, surpreso.

    — Ele… é famoso assim?

    — Famoso… muito famoso jovem! Ele é um discípulo de núcleo, o que significa que sua força pode rivalizar até alguns Elderes da seita! Se essa carta é dele, você será um candidato prioritário! É realmente Incrível, como você conseguiu isso?

    Tianyu hesitou, mesmo ele não sabia o porquê Chen Wei lhe deu essa carta.

    — Foi apenas um encontro casual na estrada. Ele me disse que eu tinha potencial e me deu a carta.

    Mo Liang apertou o olhar e inclinou-se para frente, fitando diretamente Lin Tianyu por um momento, enquanto coçava o bigode e pensava.

    — Senhor Mo? —chamou Lin Tianyu, desconfortável.

    Mo Liang se levantou de repente e foi até uma prateleira trancada perto de sua mesa, onde pegou uma caixa e uma espada em uma bainha, antes de voltar e botar na mesa em frente a Lin Tianyu.

    — Aqui,  Jovem Tianyu. Essa é uma Pílula de estabilização de Qi. Ela é útil para acalmar seu Qi antes do exame, o tornando muito mais maleável, quase instintivo para cultivadores. E essa é a melhor espada que temos na loja, feita de aço refinado e com uma Runa de durabilidade cravada em sua empunhadura. Quero que aceite elas como um presente sincero para ajudá-lo no exame. — Mo Liang disse com um olhar sério, contrastante com seu jeito irreverente que costumava manter.

    — Senhor Mo, já me ajudou muito. Não posso aceitar mais. —Tianyu balançou a cabeça, recusando.

    — Não entenda errado Tianyu, isso não é um presente, considere como um investimento de minha parte. É de meu interesse que você entre na seita, e com essa carta, aposto que entra. Um dia, posso precisar de um aliado cultivador na seita do Rio Celestial. É um negócio futuro, entende? Aceite, por favor. Uma conexão assim será Inestimável para um mercador como eu.

    Tianyu cedeu, aceitando com gratidão sincera.

    — Obrigado. Terei certeza de retribuir toda sua bondade no futuro. — Tianyu agradeceu.

    Mo Liang sorriu, satisfeito, e fez um gesto para que Tianyu se levantasse.

    — Vamos, deixe-me ajudá-lo a ajustar isso. — disse, pegando a espada com cuidado, como se estivesse manuseando um artefato sagrado.

    A bainha da espada era de madeira negra polida, reforçada por faixas finas de prata que formavam linhas sinuosas, lembrando o fluxo de um rio. A empunhadura, envolta em couro escuro e macio, trazia uma runa dourada gravada próxima ao pomo — simples, mas pulsando com uma energia sutil, como o bater de um coração.

    — Veja, essa runa foi feita por um artesão da Cidade da Nuvem Carmesim. Não é apenas decorativa — canaliza parte do Qi do portador para reforçar a lâmina e impedir que o aço se desgaste. — Mo Liang explicou enquanto ajustava o cinto de Tianyu, certificando-se de que a espada repousasse firme em sua cintura.

    — Aqui, equilibrou perfeitamente. — Mo Liang deu um passo para trás, cruzando os braços com um leve sorriso. — Agora sim, parece um verdadeiro cultivador a caminho da seita.

    Tianyu sorriu levemente, com uma emoção contida. Havia um brilho discreto em seus olhos.

    Mo Liang observava Tianyu com um olhar misto de orgulho e preocupação.

    — Agora que está equipado, deixe-me lhe dizer o que posso sobre o exame em si — começou, sua voz voltando ao tom mais sereno. — Mas não espere muitos detalhes. A Seita do Rio Celestial é bem reservada quanto às provas. Cada exame muda a estrutura, justamente para evitar trapaças ou candidatos excessivamente preparados.

    Tianyu franziu o cenho.

    — Então ninguém sabe o que esperar?

    — Ninguém, exceto os anciãos da seita. — Mo Liang balançou a cabeça.

    — Mas há uma coisa que se mantém igual em todos os exames: a primeira etapa sempre mede o talento. Costuma ser um teste feito por algum artefato ancestral da seita, que revela o grau de aptidão do candidato. Depois disso… tudo varia. Alguns anos testam combate, outros concentração ou força mental.

    Ele deu uma risada curta.

    — Então, por enquanto, só o que você pode fazer é se inscrever na prefeitura e descansar. Use o tempo para se preparar e… — seu olhar caiu para a espada na cintura de Tianyu — …para se familiarizar com a lâmina.

    — Certo. — Tianyu assentiu.

    Mo Liang apoiou as mãos na mesa e inclinou-se ligeiramente à frente. — E tome cuidado, garoto. Se nunca empunhou uma espada, não a trate como brinquedo. Ela é mortal. Uma lâmina mal manejada corta o dono antes do inimigo.

    Tianyu concordou com a cabeça.

    — Sim, eu entendo.

    Mo Liang se aproximou de Tianyu e pôs uma mão sobre seu ombro.

    — Então ouça bem, garoto. Você pode ter vindo de um vilarejo pequeno, mas não é o lugar de onde viemos que define o que seremos. É o que fazemos quando o mundo começa a olhar para nós.

    Tianyu inclinou-se em respeito, sentindo um aperto no peito.

    — Senhor Mo, suas palavras e ajuda… não sei se algum dia poderei retribuir.

    — Hah! — O mercador riu. — Se quiser me retribuir, entre na seita e sobreviva tempo o bastante para eu poder me gabar dizendo: “Conheci esse rapaz quando ele ainda era um qualquer.”

    Ambos riram. Com um último aceno, Tianyu deixou o escritório, atravessando o Emporium Mo e saindo para as ruas ensolaradas.

    O ar parecia diferente agora. O peso da espada em sua cintura dava-lhe uma estranha sensação de firmeza — como se o mundo ao redor o reconhecesse como um cultivador agora. Seus passos pareciam mais seguro, e pela primeira vez desde que fugiu do vale, ele sentiu que o caminho diante de si não era apenas lutar pela sobrevivência… mas um começo.

    O som de mercadores, carroças e cultivadores conversando ecoava como plano de fundo de um novo ciclo. Tianyu ajustou a túnica azul e tocou de leve o punho da espada, sentindo o metal frio sob o couro.

    “Então é assim que é… ser um cultivador.”

    Seguindo o mapa que Mo Liang lhe explicou, ele percorreu as avenidas até que o enorme prédio da prefeitura surgiu à frente — um edifício alto de pedra branca com colunas decoradas por bandeiras com o símbolo da cidade. A entrada estava lotada de jovens de todas as idades, alguns com vestes refinadas, outros com simples túnicas de viagem.

    Assim que Tianyu se aproximou, percebeu alguns olhares. Alguns cochichavam, observando a espada com runa dourada presa à sua cintura.

    — Olhe, aquele deve ser filho de algum nobre. — murmurou um rapaz ao lado.
    — Estranho, então por que está sozinho? Nem um servo o acompanha. — respondeu outro, franzindo o cenho.

    Tianyu ignorou os comentários, ele já estava se acostumando a como as pessoas eram julgadas pelas aparências na cidade.

    Ele entrou na fila de inscrição, observando discretamente os outros candidatos.

    Fora da fila, perto da entrada do edifício havia uma jovem elegante, alta, com cabelos negros trançados. Ela estava vestindo o emblema da Família Mei e flanqueada por guardas e criados da família. Era Mei Hua, prima de Mei Lian. Ela conversava com um oficial menor, mas seus olhos varriam a multidão, como se procurando alguém.

    Tianyu olhou de relance para ela, mas quando seu olhar cruzou o dele por um instante, ele desviou rapidamente, a fazendo rir baixo.

    A fila andou devagar. Quando chegou sua vez, Tianyu aproximou-se da mesa de inscrição, onde um oficial de meia-idade o aguardava com uma pena.

    — Nome?
    — Lin Tianyu. — respondeu.
    — Idade?
    — Dezesseis.

    O oficial assentiu, anotando em um pergaminho.

    — Alguma experiência em cultivo?
    — Estou no Refinamento Mortal Intermediário. — ele respondeu, ele não sabia exatamente o que isso significava, mas sabia que era seu nível de acordo com Lin Zhan.

    O homem levantou uma sobrancelha, pronto para pedir a taxa, mas Tianyu retirou a carta de recomendação e a entregou cuidadosamente.

    — Tenho uma carta de recomendação.

    O oficial pegou o selo, e seus olhos se arregalaram ao ver a assinatura.

    — C-Chen Wei…? O discípulo de núcleo?

    O murmúrio espalhou-se entre os candidatos próximos. Até Mei Hua e o oficial pararam de conversar, virando-se para olhar.

    — Espere aqui, jovem. — o oficial chamou um supervisor. Outro homem veio apressado, examinou a carta e confirmou sua autenticidade. Logo, as expressões dos dois mudaram completamente.

    — Garoto, um discípulo de núcleo da Seita raramente emite recomendações pessoais, especialmente Chen Wei, é a primeira vez que vejo alguém recomendado por ele. Você deve ter talento. — disse o supervisor, surpreso.

    Tianyu se sentiu desconfortável com o excesso de atenção.

    — Eu… só estou aqui para fazer o exame, senhor.

    — Claro, claro! — o homem sorriu. — Ainda assim, saiba que sua inscrição será registrada na categoria de Candidato Recomendado. Amanhã certifique-se de ir para a fila certa na hora do exame.

    O som das penas riscando os pergaminhos ecoou, e uma leve aura espiritual envolveu o selo, registrando oficialmente o nome de Lin Tianyu.

    Quando ele se afastou, vários olhares o seguiram. Alguns de curiosidade, outros de inveja. Mei Hua, ainda observando, sussurrou para o oficial ao seu lado:

    — Que garoto estranho… ele parece todo perdido, mas carrega uma carta de alguém como Chen Wei. Engraçado…

    Ela riu baixo, divertida, enquanto Tianyu saía do prédio com o papel de inscrição nas mãos.

    O sol já estava descendo no céu quando ele voltou à hospedaria. Tianyu sentou-se na beira da cama, colocando o papel de inscrição dobrado sobre a mesa e respirando fundo.

    Com cuidado, ele retirou a espada da cintura e a apoiou sobre o colo. O reflexo da luz da janela na bainha prateada parecia cintilar com vida própria.

    Ele a desembainhou lentamente.

    Um som metálico suave encheu o quarto enquanto ele a tirava da bainha, e uma leve brisa fria percorreu toda sua pele. A lâmina refletia o rosto dele, e por um breve instante, seus olhos brilharam em um tom dourado pálido.

    Enquanto ele encarava a lâmina, uma lembrança surgiu inadvertidamente em sua mente.

    Ele viu nitidamente as imagens de quando observou por um breve momento o treino de Chen Wei com a espada nas montanhas. Vendo os fios prateados ao redor da espada dele, cortando folhas sem sequer encosta-las.

    A memória fluía em sua mente com uma clareza absurda, de repente a imagem em sua memória mudou, como se seu ponto de vista fosse dos olhos de Chen Wei, não mais dele mesmo.

    Ele se viu como se fosse Chen Wei naquele momento, vendo os fios prateados de Qi que dançavam ao redor da espada, mas agora a espada estava em sua mão.

    Tianyu piscou, confuso, o coração acelerado.

    — Isso… o que é isso? — murmurou.

    As imagens ficaram mais nítidas, o som da espada cortando as folhas sem encostar ecoando dentro de sua mente.

    E então, por um instante, ele sentiu um intenso fluxo de Qi percorrendo seus olhos e o brilho dentro deles aumentou — uma centelha dourada agora, como faíscas.

    Tianyu não sabia, mas nesse momento, seus olhos começavam a dar os primeiros sinais de despertar.

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