Capítulo 61 - Apagão
As árvores manchadas de prata pela neve, balançavam como se saudasse o anfitrião de todo aquele espaço. O breu consumia o céu, não havia estrelas ou lua e a sensação de ser observado era constante.
No meio dessa imensidão cujas proporções pareciam infinitas, o Marquês caminhava enquanto o ritmo da nevasca afundava os seus pés sob o tapete gélido. Do seu corpo perdido entre o clima hostil, a única centelha de luz era emitida dele mesmo. Esse fato o deixava horrorizado, pois era como ser a própria fogueira em uma floresta onde o predador estava sempre à espreita…
“Sem o auxílio da habilidade Dele, meu controle sobre o Beisen e o Gewissen ficam piores… Esse lugar provavelmente é o Glanz do maldito Coruja, mas não sinto a presença de nada ao meu redor…” – A expressão enrugada demonstrava o quão inseguro era o seu pressentimento sobre esse espaço.
As mãos concentraram energia perante as faíscas púrpuras de seus relâmpagos. Naquele instante, o ambiente ao redor pareceu ser silenciado com o imenso foco de Osman.
O fluxo dos vendavais eram implacáveis, mas mesmo assim, entre o alastrar das folhas e das neves, captou algo rasgando o ar em uma velocidade insana!
Quando posicionou as mãos para o lado direito do corpo, visualizou com clareza a flecha de chamas negras acertando diretamente o seu escudo energético!
A colisão entre o projétil e a parede não emitiu um único som, mas o resultado foi unânime: ao encostarem um no outro, os relâmpagos foram expurgados pela chama abissal.
“Droga!” – Antes de ter as chamas alastrando-se para o resto de seu corpo, separou o contato direto do Beisen com a sua pele, o que por pouco o salvou de ser incinerado pela única flecha.
“Isso não é só Kern… É uma Arte de Energia, uma Kunst Erblich… Mas é diferente das pétalas da ruiva, é mais-” – Conforme refletia sobre as habilidades do arqueiro, mais flechas começaram a vir.
Ao invés de se defender com um escudo de energia convencional, o feiticeiro emanou suas energias para a direção das flechas como rajadas. Dessa forma, não só evitava o alastrar das chamas, como também se defendia seguramente.
“Não deve ser possível… Esse desgraçado é da família Herstal?! Não… Não pode ser… Todos Herstal morreram quando cultuavam a Chama Abissal! Eles nunca conseguiram um herdeiro digno dessa Arte além do fundador, pelo o que eu sei… Então, quem é esse homem?!”
Pela primeira vez nesse ambiente, o predador e a caça trocavam seus olhares. Os olhos pratas como uma lua pura, brilharam perante os galhos das árvores. Por outro lado, o cintilar roxo sobre o olhar do homem abaixo, reluzia com receio.
A nevasca ensurdecedora não deixava nenhum som ser propagado.
Em meio a escuridão, a autoridade de Aquila exposta acima da cabeça de Yurgen, demonstrava um brilho oscilante. Com o Glanz ativo, a habilidade concedida aos poucos parecia ser apagada pelas Trevas que o corrompia.
Ao notar essa situação, Osman sorriu.
“Agora faz sentido… Ele não podia usar essa habilidade desde o começo. Ele está prestes a sofrer um Geloscht! É uma questão de tempo pra esse Glanz ser apagado…!”
Com a expressão do feiticeiro, Leraje ri brevemente.
一 “Ele percebeu. Estou curioso pra ver se você consegue finalizá-lo aqui dentro como todos os outros que pisaram, ou ele vai ser o segundo a sobreviver, como aquele Sollerman…~”
Os olhos prateados se estreitam com o desconforto. Com o uso de sua habilidade concedida, muito Gewissen foi drenado. Por isso, o Beisen crescia pelo seu corpo junto com a corrupção das Trevas e o fragmento da Ruína de Pisces sobre a costela. A dor era infernal. A respiração gradualmente se tornava ofegante e o suor gelado.
No outro segundo após a breve pausa, o arqueiro desapareceu.
Em conjunto, as mãos do feiticeiro se cobriram de relâmpagos.
Movendo-se por entre as árvores, o predador rodeava a sua presa.
Estático, a presa apenas se concentrava em identificar os ataques.
“Flamme Pfeil, Geist!”
Ao puxar a corda do arco, uma flecha negra foi formada como uma agulha extremamente fina. Perante o ritmo dos impulsos sobre os galhos, o projétil foi disparado em direção à cabeça do alvo!
Vindo pelo ponto cego e, diferente das outras flechas, a leveza dessa impossibilitava dela ser identificada à partir da distorção do vento. Mas, no último segundo antes de ser acertado, Osman se abaixou ao sentir o ataque ao invés de ouvi-lo!
A agulha alongada bateu contra a neve em grande potência. O suficiente para fazer uma cratera pela pressão do Beisen do velho.
Com uma das mãos sobre o solo, a cabeça do feiticeiro se levantou junto com o arregalar de seus olhos. A sensação de pinicação ressoava pelo corpo inteiro!
O breu de cada agulha ficava evidente à medida que se aproximavam da presa, mas sem pensar duas vezes, o nível de energia do Marquês se elevou!
Os palmos encaixavam-se um sobre o outro. Desse encontro, uma enorme redoma foi expelida para todos os lados como um pulsar de trovões descontrolados!
“Donnernder Puls!”
Nesse ofuscar púrpuro de relâmpagos, os flocos de neve foram completamente pulverizados junto das árvores ao redor, mas o encontro entre esse brilho e a escuridão sólida de cada Flecha Fantasma, logo apagou por inteiro o alastrar dessa energia.
Suspirando por conta do certo esforço, o homem deslizava os olhos para os lados em busca de identificar onde o arqueiro estava.
“Já fazia muito tempo desde que eu não usava minhas técnicas sem um cajado ou sem o auxílio do Hexerei…” – Sem sinal do arqueiro, Osman passou a caminhar com cautela.
Dos céus, o vulto prateado surgiu. Com a ponta da flecha flamejante carregada como uma esfera de espinhos, disparou-a contra o Pagão de cima para baixo semelhante a um meteorito!
“Flamme Pfeil, Spalt und Verfol!”
Identificando o som pesado desse projétil, o Truman rapidamente emitiu o pulsar de sua energia. Porém, antes que a rajada colidisse contra a flecha, ela se fragmentou em oito disparos para os lados evitando a barreira e indo até o alvo como imãs!
Sem ter como se defender, se arremessou para trás para evitar o primeiro disparo! Em seguida, rolou sobre o chão e continuou a se impulsionar para longe ao entrar mais afundo na floresta congelada!
Cada projeto colide contra o chão como uma bomba! Os pés deslizam pela neve escorregadia, forçando o uso de suas trovoadas como explosões pelas mãos para continuar se arremessando!
Movendo-se por entre as árvores, o último disparo o perseguia como uma serpente! Agora com espaço de sobra, expeliu uma parede para a colisão!
Acompanhando a fuga do feiticeiro por cima dos galhos, no instante seguinte da defesa, atirou uma flecha rotativa como uma broca!
“Flamme Spiralpfeil!”
Com a velocidade extremamente superior desse disparo, ambos os palmos foram apontados contra ela em um reflexo. Para pará-la, uma rajada de trovões tão densa quanto uma parede de raios expurgou-se para frente!
Mas mesmo com toda essa concentração, a defesa se vê completamente pulverizada pelas chamas negras giratórias!
No último segundo, saiu da trajetória da broca ao ter somente o ombro direito sendo acertado de raspão, mas causando dano o suficiente para dificultar a mobilidade do braço destro! O sangue escorria pela manga longa ao manchar a neve abaixo. Diferente das chamas comuns, essa não ardia contra a carne. Seu foco realmente era apenas carbonizar energias, ao invés de queimar a pele…
Em uma tentativa de contra-ataque, o feiticeiro uniu os dedos ao formar uma lança com a mão esquerda. Balançando-a na horizontal, emanou uma densa lâmina de trovões cujo poder cortante seria o suficiente para cortar diversas árvores!
O enorme corte derrubou incontáveis troncos e, dessa vez, expôs Yurgen em pleno ar. Ao vê-lo, voltou a emanar os golpes afiados para esquartejar o arqueiro!
“Zienung…!”
Em uma sequência de pontos prateados, mas não tão ofuscantes assim, o homem evitou cada ataque como se pudesse teletransportar em pleno ar. O ritmo da batalha aumentou drasticamente ao ponto de Yurgen aparecer por trás de Osman em uma das suas viagens teleguiadas!
Svartgren carregava uma flecha espiralada à queima-roupa e, no outro segundo, a disparou.
Com o rastreamento do Gewissen, o feiticeiro sentiu a presença do assassino atrás de si. Em uma explosão de raios, não só evitou o disparo que seguiu destruindo incontáveis árvores pelo caminho, como empurrou o atirador para trás!
“Wütender Donner!”
Virando-se para a direção de onde sentia a energia do arqueiro, o Marquês apontou os dois palmos e expurgou um imenso relâmpago oscilante cujo choque contra o chão resultou em uma cratera!
Porém, o Pagão notou o seu erro ao sentir a intenção assassina de Yurgen atrás de si. O que ele atacou foi uma mera exposição proposital da energia do seu oponente!
Cerrando os dentes em desespero, tentou virar-se o mais rápido que podia ao concentrar uma grande quantidade de Beisen no braço direito para uma barreira!
De tão próximo, a flecha espiral simplesmente destruiu a proteção ao carbonizar a energia, mas o próprio disparo seguiu destroçando por inteiro o braço destro de Osman à partir do palmo perfurado…!
O sangue do homem jorrou para todos os lados enquanto a flecha se perdeu no céu após o disparo ascendente!
Numa tentativa de contra-ataque imediato, apontou o palmo esquerdo ao emanar uma explosão, mas foi inútil… Somente o chão abaixo coberto pela nevasca foi acertado.
一 RATO MALDITO! PARE DE SE ESCONDER E ME ENFRENTE! – Exclamou com fúria enquanto tentava cauterizar o sangramento após perder completamente o braço direito.
A feição contorcida do Pagão era resultado de seu desespero e da sua dor agonizante, com o sangue escorrendo entre os dedos da mão esquerda sobre a ferida.
“Preciso sobreviver, não importa o que! É uma questão de tempo! Deve faltar apenas mais alguns minutos pra ele ser Apagado!” – Os lampejos no punho esquerdo cobrindo o sangramento, sinalizam que ele carbonizou o próprio corpo para não perder mais sangue…
Distante, Yurgen se agachou ao sentir mais o fragmento de Pisces crescer. Parte do seu estômago, pulmão direito, os intestinos, a lateral da cintura e quase toda a costela estavam cobertos pelo cristal que suga o seu Gewissen.
Acima da cabeça, a autoridade de Aquila se mostrava com metade do brilho apagado.
一 “Que humilhação, Yurgen… Vai deixar esse sujeitinho te chamar de rato? Deve ser difícil ter que lutar nessas condições, já que você normalmente derrotaria alguém como ele em segundos…~” – Leraje se divertia com o espetáculo da batalha, mas principalmente com o sofrimento do seu Contratante com o pé na cova.
“Fique quieto pelo menos por um segundo, Leraje…” – Tentando recobrar as forças, Yurgen se ergueu concentrando o Beisen no fragmento para retardar o seu crescimento.
一 “Não seja tão frio comigo, você vai sentir minha falta após todos esses anos juntos…~ Aliás, tenho uma novidade que pode te interessar… Seu amado netinho rompeu o selo de Aquila e de Aquarius. Ele irá suceder você na missão de me fazer o Rei dos Demônios… Nós fechamos um Contrato. Então, essa deve ser a última luta em que você usará o meu poder, Yurgen Grandescht…” – Com desdém em suas palavras, a Estrela Negra cortou a ligação com o velho arqueiro. O Beisen denso oscila, proporcionando o pigmentar da escuridão instável com o brilho do seu Gewissen.
Em choque ao ouvir isso, o velho morde os lábios em frustração. Era difícil focar em sua missão, mas ele deveria. Ele deveria, ao menos, matar esse homem aqui com tudo o que lhe resta. Sem esposa, sem uma família adequada, sem o próprio filho, talvez o destino dele seja esse após tudo o que causou. Após tantas decisões erradas. Falhas. Uma falha… até em proteger o próprio neto do mal que lhe assombra.
Segurando as lágrimas, o olhar prateado voltou a brilhar. As rachaduras negras sobre a costela apareceram novamente, mas agora, sendo manchadas por um pulsar prateado.
Ele estava decidido.
Sobre os ombros, o feiticeiro sentia um aumento considerável na intenção assassina do arqueiro. Sem saber onde ou quando ele viria atacá-lo, passou a concentrar energia na mão esquerda.
“Flamme Pfeil, Meteore!”
Apontando Svartgren para o céu, uma única flecha grossa como uma pilastra foi atirada para cima. As chamas, antes completamente negras, estavam cercadas por um brilho acinzentado.
Vendo o projétil subir, Osman teve um mau presságio caso ficasse parado. Por isso, tentou correr pela nevasca, mas nesse meio tempo, não havia notado que a neve sobre o chão estava quase chegando no joelho!
“A intensidade da nevasca aumentou!? Esse lugar infernal que não permite nenhum som! Que merda!” – Com a mão esquerda e os pés concentrando Beisen em trovões, impulsionou-se novamente por explosões condensadas.
Sem olhar para cima, conseguia identificar a fragmentação daquele projétil gigantesco pelo resquício de Gewissen que o cobria. Mas, a quantidade assombrosa de ataques massivos arrepiou o corpo do Marquês por inteiro!
O primeiro meteorito veio como uma bomba. A queda contra o chão não só causou uma cratera grande e profunda, como as chamas passaram a queimar o local!
Era um bombardeiro em larga escala, cujo único alvo era o homem solitário contra o monstro à espreita…
Esquivando de cada explosão com dificuldade, a temperatura do ambiente se misturava entre o gélido e o ardente daquelas chamas duocolores.
“Flamme Pfeil, Splitter!”
Com o arco apontado, Yurgen disparou flechas no qual as pontas são largas como bolas, mas pontiagudas com diversos espinhos. Em meio às explosões constantes, a floresta sendo incendiada e os iminentes ataques, o Pagão tentou se defender dessas flechas com as suas rajadas de energia. Porém, no contato, o efeito de impacto foi tão absurdo que arremessou fora da rota de evasão!
Essa sequência de ataques explosivos era impossível de se defender com apenas um braço! Por mais que voltasse a se movimentar, essas flechas impactantes o atrapalhavam, fazendo com que o alvo fosse empurrado para próximo dos bombardeiros!
Nesse ciclo infernal, os ferimentos de queimadura e hematomas na pele do Pagão apenas se acumulavam. Os primeiros trincados de Sobrecarga aparecem com a coloração roxa em sua pele sendo rachada.
A constância era exaustiva em todos os modos ao transformar o ambiente em um completo caos.
No fim de tudo, ambos se encararam frente à frente…
A distância de vinte metros sobre o espaço livre enquanto os arredores ardiam nas chamas, congelavam com a neve e se afundavam no breu, o estado dos dois era horrível…
一 Você… está nas últimas, Coruja… – As vestimentas nobres esfarrapadas, encharcadas de sangue, sem um braço, com hematomas pelo rosto e corpo, o cabelo destruído pela temperatura, tudo era a prova do quão intenso foi chegar até aqui. Apesar disso, o Marquês ainda sorri.
一 Eu ainda… não acabei. – Apontando Svartgren para a presa, o fragmento da Ruína já está completamente visível além das suas roupas. Quase todo o lado direito do corpo estava submerso nos cristais.
Parados, os olhares eram de exaustão, mas a determinação no espírito deles ainda era visível…
Respirando profundamente, o olhar esquerdo cintilou com força o suficiente para distorcer a íris. As rachaduras prateadas começam a preencher o lado esquerdo de seu corpo, mas rapidamente estavam sendo cobertas pelos cristais. O nível de Gewissen do homem, repentinamente, saltou.
Acima de sua cabeça, restava apenas um décimo da imagem da Constelação de Aquila.
Sobre o arco, uma flecha completamente oscilante, como uma chama sobre o vendaval, apareceu.
“Chaotische Pfeile… Finsternis Höllisch…”
Em resposta, a caça elevou o seu Gewissen numa última tentativa de sobrevivência.
“Wütende Donner… Sengendes Gewitter…”
A flecha foi solta.
A energia trovejante emergiu como uma erupção.
O brilho das duas energias ofuscou os arredores.
O pulsar de incontáveis trovões descontrolados preencheu a área ao redor, mas no mesmo segundo, a única flecha chamuscada ricocheteou por entre cada relâmpago enquanto se dividia.
A cada trovão saltado, mais área era ocupada pelo brilho prateado e a escuridão que a compõe.
Todavia, após toda imensa luz, vem o apagão.
Todo o ambiente nevado desapareceu.
Yurgen cai sobre o tapete vermelho do salão com o casulo ao fundo, na mesma posição em que desapareceu.
Mais próximo do Receptáculo, na base da escadaria, o Marquês aparece completamente ensanguentado em uma mistura de queimadura, cortes e perfurações.
Ajoelhado, o arqueiro sequer consegue mexer o corpo perante o envolver dos cristais.
Carmen o encara horrorizada após esses breves instantes que se passaram.
一 YURGEN! – Levantando-se, rapidamente correu para próximo do homem, mas seu estado era crítico.
一 “Não… se aproxime…” – Elevando o restante de seu Gewissen, ele transmite a sua mensagem.
Pela cratera na parede, o túnel que se formou anteriormente, os passos de duas pessoas ecoam. Do breu, Jeanice e Raisel se aproximam do salão.
De longe, o menino avista o emaranhamento de cristais azuis pelo avô.
Em choque, ele acelera o ritmo e deixa a meio-elfa para trás.
Porém, com o foco no velho à beira da morte, o corpo do Marquês começa a se erguer ao fundo da sala…
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