Índice de Capítulo

    A chegada de um jovem portador no estourar dos vidros do alto edifício do escritório ASHI, que buscava algo além das respostas das complexas questões sobre seu pai, Norman Fuller, e por consequência das possibilidades, também almejava a vingança.

    O estrondo havia cessado, mas o silêncio era uma explosão contínua. Vidros esfarelados e concreto pulverizado cobriam a sala Sênior de Alex. A visão do escritório, antes o pleno templo da soberba do dono do topo desse prédio, agora era somente uma cratera aberta na lateral do arranha-céu. Alex e Amanda estavam caídos, quase abraçados ao chão como aliados inesperados. O choque havia sido violento.

    A figura de Koji estava ali, na borda do abismo criado por sua chegada. Seu rosto se encontrava marcado pelo fervor da vingança, o prático núcleo de um mapa com raiva contida. Seus olhos escuros e sem vacilo, fixaram-se então no advogado máximo.

    — Levantem. — A voz de Koji era baixa, mas irrefutável, cortava o forte gemido do vento.

    Alex, o soberbo Alex, se arrastou. Levantou-se, cambaleante, usando o ombro como apoio. Sua roupa estava manchada de pó.

    — Você é o Alex? — Koji não buscava nenhuma cortesia, ainda próximo do vão do prédio.

    — Sim, sou eu. — Alex afirmou, tentando injetar uma firmeza que não possuía.

    Foi então que Amanda reagiu. O medo absoluto deu voz ao seu desespero. Um grito agudo e animal rompeu o som do vento, uma confissão de terror. Antes da possível atitude do Koji, Sam se antecipou. O segundo portador, apesar de mais experiente e forte, com seu colete discreto e sua face neutra, avançou. A seriedade calma de Sam era tão ameaçadora quanto a raiva de Koji. Contudo, Alex se moveu instintivamente, colocando-se na frente de Amanda. Uma lealdade súbita à sua subordinada que pouco tempo atrás se movia com medo dele.

    Sam não parou. Apenas manteve o passo, e sua pergunta foi um veredicto frio — Vai mesmo querer morrer por ela?

    Então, Alex hesitou. O instinto de autopreservação, o princípio basilar do advogado que ele havia defendido para Amanda, prevaleceu. Ele saiu da frente. Recuou para o canto da sala, longe da porta, enquanto Amanda, agora livre, começou a se debater e a gritar contra as paredes. 

    — Aaah! Não toque em mim! Não! Não! — O medo a havia transformado em um animal enjaulado.

    Amanda estava bem na beira do que restava da porta de saída. Sam se aproximou. Quando ela tentou se virar para correr para o corredor, ele agiu com a precisão de um portador experiente. Segurou o antebraço direito dela, e num movimento único e fluído, ligeiramente, sua mão direita aberta agarrou a cabeça dela e a levou com força contra a lateral da parede restante. O impacto, seco e letal, atingiu a lateral esquerda da cabeça de Amanda. Ela desabou, desmaiada no chão, enfim um peso morto.

    — Quem são vocês? Estão a mando de quem? — Alex se encolhia no canto da sala, os braços baixos, mas as mãos tremiam intensamente, nervosas.

    — Não nos conhece? Nem ele? — Koji interrogou, apontando para Sam, que cuidadosamente ajeitava o corpo de Amanda para dentro da sala, longe do corredor.

    Sam nem olhou para Koji — Eu não tive contato com ele. — Avisou, enquanto fechava a porta parcialmente.

    No corredor, o barulho era de estampido. Dezenas de pessoas, os advogados e demais funcionários do ASHI, gritavam e corriam, alertados pelos gritos de Amanda e pelo ataque estrutural.

    — Tem gente por aqui… Eu vou acalmá-los… — Sam anunciou, com sua calma perturbadora. Pisou no corredor, a voz já se elevando com uma autoridade fria. — Voltarei em minutos.

    Na sala, o vento gemia nas janelas quebradas. A ventania era forte, uma força natural que invadia a ordem artificial do escritório. Centenas de cacos de vidro cobriam o chão, quadros jaziam no chão e os móveis – a mesa e a cadeira de Alex – estavam destruídos, reduzidos a destroços.

    No rosto de Koji não havia nada além de raiva, fervor e a pressa da vingança. Alex, por sua vez, tentava manter a postura profissional, mas o nervosismo era traído pelos dedos que se mexiam incessantemente em suas mãos contidas.

    — Quem são vocês? — Alex insistiu com a voz trêmula, nenhum pouco firme que antes parecia invencível.

    — Realmente não me conhece? 

    — Sim. Você aparenta ser muito jovem, muito novo… Certamente não te conheço. Poucas vezes peguei casos envolvendo crianças e jovens… Eu lembraria de você. — Alex asseverou, a última parte um resquício de sua soberba.

    — Talvez se lembre quando ouvir um nome. 

    — Certo… Ok… Talvez eu lembre mesmo. Fale, pode falar… — Alex buscava uma tentativa de barganha, colocando um sorriso frágil e forçado no canto da boca.

    — Norman!

    O som atingiu Alex como uma carga elétrica. O nome o levou instantaneamente a mais de uma década atrás, onde a memória de uma amizade perigosa vivia na linha tênue do questionamento e da lealdade. Uma amizade sem provas a favor, sem provas contra.

    — Norman… Nor… Calma, quem é você mesmo? — Confuso estava Alex, perdendo seu olhar no chão.

    — Meu nome é Koji. Do sobrenome Fuller, filho de Norman Fuller… — Koji revelou, o tom agora carregava uma fatalidade implícita.

    De repente, Alex não pensou; agiu por impulso animal. Correu loucamente e nervoso para a porta da sala, que era a única via de fuga daquele nome, daquele jovem portador, daquela vingança. Ele chegou a abrir a porta, mas num piscar de olhos não viu seu destino.

    O impacto não foi próximo da capacidade humana. Foi muito além.

    Ali, ao lado de Alex, já estava Koji, e o disparo foi um chute direito que firmemente explodiu no peito de Alex. A força foi tamanha que o impacto instintivo forçou Alex a soltar saliva e sangue pela boca. Ele foi arremessado violentamente contra a parede interna da sala, destruindo boa parte dela e o fazendo cair sobre os destroços de concreto, um amontoado de carne e terno amassado.

    Aos passos lentos, Koji se aproximou de Alex, que tossia e se debatia. Olhando-o de cima, Koji anunciou o seu propósito.

    — O que me fez vir até aqui não é só o meu querer em te matar. Mas também quero saber quem mais são os responsáveis por terem chantageado meu pai e abusado de minha mãe. E não importa o quão determinado esteja para não querer falar, eu estou aqui para saber tudo deles.

    — E por… Por que acha que eu… sei de alguma coisa disso? — Alex esforçava-se para falar, cuspindo mais sangue do que articulava. Ele babava, sua boca estava incapaz de fechar-se corretamente.

    — Porque eu sei. Quero a lista completa agora. 

    — Não é assim… Urgh! Tá doido? Não posso fazer isso.

    — Não entendeu ainda que eu vou te matar? 

    — Você não mata humano comum… Não faz sentido visto o que seu pai… Fez… Não vai me matar… — Alex retrucou, um resquício de sua análise nas regras imaginárias que ele havia acabado de criar sobre a ética dos portadores.

    — Mas meu colega não vê problema nisso. — Koji caiu no ponto de Alex, mas rebateu com uma ameaça velada. — Acho melhor cooperar comigo.

    — Por que acha que eu tenho algo a ver com isso? Eu só era advogado do Norman, nada além disso. 

    Enquanto o interrogatório brutal ocorria, no chão da sala, Amanda já estava consciente. Ela não se moveu. Permaneceu de olhos fechados, o corpo paralisado, ouvindo cada palavra da conversa. Sua sobrevivência dependia de sua imobilidade praticamente morta.

    — Na carta que meu pai deixou quando se matou, ele citou que me fez portador, pois ‘eles’ estavam chegando. — Koji disse mais baixo, o nome Norman trazia à tona outro mistério que o movia. — Quem são esses ‘eles’ que meu pai queria me avisar?

    — Eu já disse. Como eu vou saber? Eu era só advogado dele. Ele não me contava nada disso. Eu nem sabia que ele estava envolvido com essas doideiras. — Alex persistiu na negação.

    — Só um nome. Um nome que me leva aos outros. E eu te deixo vivo. — Koji agachou-se à frente de Alex.

    Um silêncio pesado pairou, movido pelo pensamento e pela dor. Alex olhava para Koji, tirando os destroços da parede que continuavam em cima dele, lutando por ar.

    — Fala! Um nome apenas. 

    — Ah… Urgh!… Ok. Eu só sei um nome… — Alex admitiu, com a voz rouca que quase não o permitia falar.

    — Me fale o nome e onde está. 

    — Eu vou sair vivo de verdade? 

    — Fala logo! 

    — Hanat… É um egípcio.

    — Egípcio? 

    — Sim. Ele mora no centro daqui de São Paulo. Não é o maior nome, mas é um dos peixes que conhecia Norman mais do que eu. — Alex desesperado por provar sua utilidade.

    — E se estiver mentindo? 

    — Por que… Urgh! Que eu mentiria? Se eu sei que você iria voltar? Eu sou o advogado sênior desse escritório. Não um qualquer. — Até nessas horas, ele se apoiava em seus status meramente humanos.

    Nesse momento, a porta da sala se abriu. Sam entrou, voltando depois de resolver os gritos e o pânico dos demais funcionários do escritório ASHI. A calma de Sam era um manto pesado.

    — Conseguiu os nomes? — Sam indagou, dirigindo-se a Koji.

    — Ele só sabe um nome. — Koji voltou a ficar de pé.

    — Então ele nem foi tão útil como eu achava que seria. — Sam desprovido de qualquer emoção, começou a caminhar em direção a Alex, passando por Koji.

    — NÃO! NÃO! ESPERA! — Alex gritava, sentiu o desespero tomar conta. Tentava se levantar, mas os destroços grandes e a poeira lisa abaixo dele dificultavam sem apoio por perto.

    — O que vai fazer? — Koji interrogou Sam, colocando-se minimamente na frente.

    Sam não parou. Ele passou de Koji, com seu olhar apenas no alvo.

    — Ainda quer ouvir mais dele? — Sam questionou, parando sua caminhada até Alex, e virando-se para seu parceiro.

    Koji olhou para Alex. A raiva que o impulsionava começou a ceder lugar a um vazio pesado. Superando a calmaria leve que havia lhe tomado por poucos segundos, ele tomou a decisão final.

    — Não vou ouvir mais nada. — decretou o jovem portador.

    Apoteótico era o sentimento ou a racionalidade desse ato de Koji. Um portador havia sentenciado o autoconsiderado, Homem da Lei

    — NÃO! NÃO! ESPERA! — Alex gritava, a súplica alta e agoniada rasgava sua garganta. A voz dele chiava.

    Com uma paz perturbadora em seu movimento, Sam puxou uma faca de caça e pesca preta do bolso direito de sua calça cinza. Com ela na mão direita, não cessou e efetuou o ato… 

    Swooish!

    Em um corte efetivo e letal, rasgou o pescoço de Alex.

    Amanda, ainda deitada no chão, abriu os olhos de susto com o movimento súbito e viu a cena. Seus olhos se arregalaram diante daquele sangue inesperado. Ela abaixou a cabeça imediatamente contra o chão, a visão da morte agora se encontrava impressa em sua mente. Sentia os olhos lacrimejarem de nervosismo e medo, e o nariz começou a escorrer.

    — Não… Por favor não… Não me mata… — Amanda pensava sozinha.

    Alex estava caído de lado, morto, todo torto sobre os destroços e a poeira, mergulhado em muito, muito sangue. Koji o olhava de cima, sem piscar, sem nada demonstrar, sem se mover.

    — Isso te incomodou?… Ele não tinha mais nada de útil para o que você busca. — Sam aproximou-se ao lado de Koji, tocando em seu ombro esquerdo.

    — Não, Sam. É nada disso… 

    Calmo e cabisbaixo, Koji andou para o lado dos vidros quebrados, no vão e na beira do prédio, com a queda livre de cinquenta metros. Ele estava pensativo.

    — Eu não sei se foram esses desgraçados tecnocratas que fizeram meu pai se tornar o assassino sem coração que ele era quando me fez portador ainda criança… Ou se ele já era isso… — Koji confessou, falando mais para o vento do que para Sam, com o olhar e a mente perdida nos carros e motos que se locomoviam e para as pessoas que olhavam para ele na ponta daquele vão do prédio.

    Sam o observava, atento, ouvindo sem desviar os olhos com seriedade.

    — Porque dependendo da resposta… — Koji continuou, encarando as nuvens brancas de um céu azul com uma leve frustração no rosto. — Só assim saberemos que o que estamos fazendo e o que vamos continuar a fazer vai ter sentido… ou se irá perder sentido de forma total…

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