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    — Não é novidade — respondeu Dante de braços cruzados. — Já ouvi isso outras vezes. Não é a coisa mais legal do mundo.

    — Claramente, ouvir de seu pai que você é uma falha dele nunca seria o ideal para uma criança. Mas, não foram essas palavras que te deram forças quando você caía? — Appos não deixou escapar um sorriso. — Não precisa deixar sua vida inteira moldar uma única frase. Você é a falha que os outros espíritos nunca gostarão, por isso, vão fazer de tudo para destruir. Fronteira será um exemplo disso.

    Dante fitou o medroso espírito parado ali.

    — Não me impressiona. Se eu sair daqui, ele vai fazer todos aqueles Selvagens virem atrás de mim.

    — A previsibilidade de uma mente não tem fim, sendo ou não um espírito. — Appos também sentia que Fronteira daria ordens para caçar Dante, por isso, precisava de algo além da sorte para que ele vivesse. — Dante, assim como Fronteira ofereceu algo, eu também farei. Para que você possa lutar, como tem lutado, para viver como tem vivido, mas em busca do verdadeiro mal desse mundo.

    — Mais propostas. Se não for pra me matar…

    Appos gostava realmente do humor dos humanos.

    — Para mim, como um verdadeiro espírito, eu só tenho mais alguns instantes, então serei breve. Minha proposta é que seja guiado pelo objetivo maior. Procure e destrua todas as peças da Energia Cósmica, e eu digo todas, sem exceções. Você enfrentou apenas duas, mas existem muitas, algumas que não tem forma, outras que não estão nesse plano.

    — E o que eu ganho pra fazer isso? — Dante tinha certeza que não seria tão fácil assim quanto as palavras dele. — O que ganho se eu fizer o que pede?

    — Eu consigo ler as maldições, consigo entender seu corpo e sua alma, sei o que aconteceu com sua mente e seu espírito, e usarei a força que me resta nesse plano para diminuir cada uma delas. Com as maldições reduzidas, sua força irá gradualmente se recuperar, e você terá como lutar da maneira que conhecia.

    — E se eu recusar lutar por você?

    — Nesse caso, Fronteira irá engolir sua alma e de todas as criaturas que você ama nesse mundo. As consequências de minha vinda aqui não repercutem somente aqui, mas em outros diversos lugares, centenas, assim como você terá que lidar com aqueles que foram chamados pelos outros espíritos. Agora que nos encontramos, sua alma está marcada pra sempre.

    — Parece muito fácil pra mim. — Dante levantou os dois braços. Suas mãos ficaram calejadas depois daqueles meses todos. Ele tinha se tornado simplesmente uma pessoa com experiência, mas sem capacidade para lidar com todas as criaturas de sempre. — Se qualquer coisa aparecesse e tivesse a força do Rastro, eu teria que assistir. Não fui feito para isso.

    — Não, não foi. Como eu disse, você é uma falha criada sem necessidade, sem almejar nada, apenas com o desejo de continuar lutando até que sua vida seja tirada ou você sinta que é hora de acabar. Um desejo de batalhar, como… eu me sentia.

    Dante mostrou um sorriso. Meu pai acharia tanta graça se eu contasse que estou falando com espíritos. O que mais existe que ele não me contou? Por que nunca me falou nada disso?

    — Quando nos encontrarmos uma próxima vez, Dante, eu posso responder suas perguntas. — Appos deu um passo a frente, e o espaço simplesmente os trouxe para perto. — Nesse momento, olhos diversos caem sobre mim, e para proteger até mesmo Fronteira, a fim de manter o equilibrio, preciso partir. Se realmente quer seguir o caminho das batalhas, como tanto almeja, aperte minha mão. O resto vai se remendar a sua existência.

    Sem hesitar, Dante segurou a mão de Appos num aperto forte. Os dois sorriam lado a lado. Mesmo que aquilo fosse um truque, Dante poderia seguir adiante e ajudar mais. E para isso, a primeira coisa a entrar em sua mente era…

    — Destruir o Fronteira.

    Appos começou a desaparecer em fragmentos, fazendo o mundo inteiro ao seu redor também desestabilizar. Aquele humano era verdadeiramente engraçado. Determinação tinha validade, mas sem conseguir medir até onde ela vai, Appos também fazia sua aposta.

    — Se divirta, Dante…

    Os fragmentos desapareceram no ar ao mesmo tempo que o mundo inteiro se tornou um breu. Dante se afogou na escuridão.


    — Sua permanência naquele pequeno mundo não interfere em nada nas suas obrigações, Appos? — Amex perguntou, a voz sorrateira como sempre.

    — Nunca compreendi por que não podemos ver os vivos tal como são, Amex — respondeu Appos, sem se virar. — Minha estadia no recanto chamado Fronteira foi mera curiosidade. Não há ali nada que me arrebatasse os olhos, se a sua mente já orquestra toda a peça.

    Amex não aceitou a evasiva. Havia algo na insistência dele que lembrava um velho costume de nobre: o direito de exigir espetáculo.

    — Visitarei a Fronteira assim que minhas obrigações terminarem. — Seus lábios formaram um sorriso estreito. — E quero que ele repita, palavra por palavra, o que me disse.

    Appos deu de ombros, um gesto pequeno demais para a distância entre os dois. Virou-se na direção de Ponto Dourada, os passos curtos sobre a pedra quente.

    — Será uma visita bem-feita — murmurou. — Espero que sinta o mesmo que senti. Será divertido te ouvir reclamar até perder a voz. Ou talvez descubra o mesmo prazer torpe de atormentar seres de capacidades tão limitadas, os vivos. Afinal, aquelas criaturas bestiais… foram ideia sua, não foram?

    Amex deixou escapar um meio sorriso, um canto da boca animando-se. Sempre ele para criar as piores ideias.

    — Ah, as anomalias. São tantas que já lhes perdi os nomes. — A voz ficou mais baixa, quase devaneio. — Tenho tomado gosto por experimentos com os mortos. Diga-me, Appos: não seria interessante levar alguns para a Fronteira? Posso enviar meus Ferls.

    Appos parou, respirou fundo. O ar entre eles tornou-se denso, cheio de coisas não ditas.

    — Faça o que quiser. — A frase foi curta, cortante. — Não me interessa mais.

    Porém, havia algo que nem as palavras mais apressadas conseguiam varrer. A sensação, antiga e afiada, do mesmo tipo quando Appos se elevou ao que era hoje.

    Não vai adiantar, Amex. Não mais.

    Appos seguiu em frente, os ombros comprimidos por um cansaço que não era só físico. Olhava para Ponto Dourada lembrando que tinha conseguido escapar de lá antes mesmo do seu mais irritante rival querer dar as caras. Seria cansativo explicar para ele caso conseguisse se locomover para a Fronteira, mas foi suficiente.

    Ao dobrar a esquina, um pensamento brotou, sombrio e claro como gelo:

    A Falha vai te matar se tentar.

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