Índice de Capítulo

    Ignorando os corpos retorcidos dos infiltrados no chão, o grupo retomou a corrida pelo corredor agora silencioso. Hermes movia-se com dificuldade visível, apoiando-se pesadamente no arpão negro, a descarga de poder da Moeda parecia cobrar um preço brutal em sua forma mortal.

    Magno e Tritão diminuíram o ritmo instintivamente, flanqueando-o.

    O corredor terminou abruptamente, abrindo-se para um pequeno átrio circular. O ar ali era diferente, mais frio, vibrando com uma energia antiga e poderosa que fazia a água parecer mais densa, mais pesada. 

    À frente deles, não havia uma porta comum, mas um portal colossal selado. Duas imensas lajes de obsidiana pura, sem frestas visíveis, erguiam-se do chão ao teto, a superfície lisa e negra como o vazio entre as estrelas. Runas antigas, que brilhavam com uma luz azul fraca e pulsante, estavam gravadas profundamente na pedra, formando padrões complexos que pareciam se contorcer lentamente.

    Tritão parou diante do portal, a respiração ligeiramente ofegante. Olhou para as runas, depois para seus companheiros, a gravidade do momento estampada em seu rosto. Este era o ponto sem retorno. Tudo parecia normal, mas ele não podia ter certeza ainda. Ele ergueu seu tridente real. As pontas da arma ancestral brilharam com uma energia azul intensa, a luz refletindo nos seus olhos e nos tentáculos de seu rosto. Com um movimento solene, ele tocou o centro do selo com a ponta do tridente, exatamente onde as duas lajes se encontravam.

    As runas na obsidiana brilharam com uma intensidade ofuscante por um instante. Então, com um silêncio impressionante, as duas imensas lajes começaram a deslizar para os lados, recuando para dentro das paredes com uma suavidade impossível para seu tamanho. 

    A passagem para a câmara sagrada se abriu, revelando uma luz suave e pulsante vinda de dentro, e o som baixo e constante de sístoles e diástoles.

    O ar que emanava de dentro era denso. Talvez pelas décadas fechado.

    O Santuário do Coração de Caríbide estava diante deles.

    Hesitantes, eles adentraram a câmara. Era vasta, circular, as paredes cobertas por murais antigos que retratavam a criação dos oceanos e batalhas contra monstros primordiais. No centro, sobre um pedestal de mármore branco, flutuava o Coração: um imenso cristal multifacetado, pulsando com uma luz azul-esverdeada suave, a fonte de toda a energia de Atlântida. O som rítmico de seu pulsar era a única coisa audível.

    Hermes e Magno ergueram suas armas instintivamente, varrendo as sombras nos cantos da câmara circular. Tritão fez o mesmo, seu tridente pronto. Kymos era um pouco mais escandaloso, pulando de pilar em pilar buscando por ‘ratos’ escondidos. Lorde Theron permaneceu logo atrás, o rosto ainda pálido, mas os olhos atentos. A câmara parecia vazia. Nenhuma emboscada. Nenhum sinal dos infiltrados restantes. O ar vibrava com poder, mas não havia ameaça imediata visível.

    — Parece… seguro — Tritão murmurou, a voz um eco baixo na vastidão da câmara. Ele começou a relaxar a postura, o alívio começando a suavizar a tensão em seu rosto. — Talvez Hermes tenha dado conta de todos eles no corredor. Talvez-

    ZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZ

    Uma pressão esmagadora, um zumbido psíquico agudo que atingiu suas mentes como um martelo. Tritão gritou, largando o tridente e caindo de joelhos, as mãos pressionando as laterais de sua cabeça bulbosa.

    Magno urrou, as adagas caindo de suas mãos enquanto ele se contorcia no chão, a dor insuportável. Os poucos guardas que os acompanharam desabaram da mesma forma, incapacitados instantaneamente.

    Hermes sentiu a onda psíquica como agulhas perfurando seu crânio. Ele cambaleou, a visão escurecendo nas bordas, mas conseguiu permanecer de pé, a mão na cabeça, tentando lutar contra a agonia que ameaçava engoli-lo. Através da névoa de dor, ele viu uma figura se mover das sombras perto do pedestal do Coração. Alguém que não havia sido afetado pelo ataque. Alguém que o estava esperando.

    Palmas lentas ecoaram pela câmara sagrada. Lorde Theron emergiu das sombras perto do pedestal do Coração. Caminhou calmamente entre as figuras incapacitadas de Tritão e Magno, seu olhar varrendo-os com desdém.

    — Patético — ele sibilou, parando diante do príncipe caído. — Tão preocupado em honrar um pai ausente que se esqueceu de como ser um rei.

    Tritão ergueu a cabeça com dificuldade, a fúria lutando contra a dor em seus olhos.

    — Theron… Traidor… Por quê? Por que se devotar ao usurpador? A Proteu?

    Theron gargalhou, um som frio e desprovido de humor que ecoou na câmara.

    — Proteu? Aquele tolo ambicioso? — Ele se inclinou, sussurando. — Eu não sirvo ao seu irmão, Tritão. Sirvo a um poder muito mais antigo, um Soberano que despertará e devolverá a glória esquecida aos oceanos.

    Seus olhos negros brilharam com um fervor fanático. Ele se virou e caminhou, as mãos unidas nas costas.

    — Minha lealdade já estava com meu Mestre muito antes de seu pai desaparecer. Poseidon enfraqueceu o mar, tornou-o subserviente ao Olimpo que nos despreza. Meu Soberano restaurará o medo devido às profundezas!

    Theron se endireitou, o olhar varrendo a sala e parando momentaneamente em Kymos, que chegara logo após o ataque psíquico e também estava incapacitado perto da entrada.

    — Eu não achava que você seria capaz de matar seu próprio irmão, General. — Theron disse com escárnio. — É engraçado… — sorriu. — Afinal, só fui capaz de convencê-lo a trair Atlântida ao garantir que seu nobre irmão seria poupado ao fim de tudo.

    — MALDITOOOOOO! — Um urro preencheu a câmara, provocando arrepios em todos. 

    Com um último olhar de desprezo para Tritão, Theron se virou e caminhou em direção ao pedestal onde o Coração de Caríbide pulsava. Ele ergueu as mãos, dedos longos e finos se preparando para tocar as runas de contenção, para finalmente desativar a cúpula e entregar Atlântida aos planos de seu verdadeiro Mestre.

    Foi então que um zunido rápido cortou o ar. Theron congelou. Seus olhos se arregalaram em choque. Lentamente, ele olhou para baixo. A ponta de uma lâmina escura havia atravessado seu peito por trás, emergindo logo abaixo de seu esterno, pingando icor azulado.

    Ele se virou com dificuldade, a dor e a descrença estampadas em seu rosto. Hermes, de pé e com a máscara dourada ainda cobrindo metade de seu rosto, segurava a xiphos negra firmemente, agora manchada com o sangue do traidor. Seus olhos tinham um brilho verde reminiscente. Sem qualquer sinal de cansaço.

    — Co… Como…? — Theron engasgou, o sangue borbulhando em seus lábios. — Você disse… que estava esgotado…

    Hermes levou a mão livre ao rosto e, lentamente, retirou a máscara dourada. Um sorriso traquina, antigo e natural, curvou seus lábios.

    — Eu menti.

    Com uma torção rápida e brutal, Hermes arrancou a xiphos do peito de Theron. O traidor desabou no chão do santuário, seus olhos negros fixos no pulsar distante do Coração de Caríbide, a vida abandonou seus olhos junto com os sonhos de uma nova ordem sombria.


    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota