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    O cheiro de café se espalhava pela cozinha. Eu estava ali, sentado, com uma xícara de café quente nas mãos. 

    Era meio… diferente.

    Hana mordia um pedaço de pão com manteiga, queijo e mortadela. Minha mãe colocava café numa xícara, enquanto meu pai folheava um jornal com aquele ar meio tranquilo.

    O som das páginas sendo viradas, do barulho das colheres, o pão sendo mordido, pequenas risadas ocasionais…

    Era tudo tão… familiar. Algo que eu não via há muito tempo. 

    Muito mesmo.

    Óbvio, ainda havia aquela estranheza no ar.

    Uma parte de mim ainda não sabia em como reagir diante da presença dele novamente. No entanto, outra parte sentia que, dentro de mim, alguma barreira começava a ser desfeita. 

    Mas bem lentamente.

    Enquanto eu mastigava uma torrada distraidamente, minha mente acabou se perdendo. Fui tomado pelas lembranças do dia anterior. 

    Tinha deixado a história de lado por alguns instantes, apenas para ir jogar com Seiji e Rintarou. E ela estava me chamando de volta.

    E, mesmo assim, ainda tinha outra coisa para me preocupar no momento.

    Ele.

    Hajime Shihei, o editor.

    Se bem me lembrava, ele tinha me enviado uma mensagem dizendo que a parte visual da publicação da revista estava quase pronta e que ele queria me mostrar.

    — Ei, que isso? — Hana perguntou, com a boca cheia de pão.

    Tinha acabado de deixar um sorriso bobo escapar, e ela tinha percebido.

    — Ah, nada demais… — respondi rapidamente, bebendo um gole da xícara. 

    Ela me encarou por um tempo, desconfiando que havia algo mais ali, mas logo desviou o olhar e voltou a falar com os pais sobre qualquer coisa do Natal.

    Aproveitei o momento para me levantar e ir pro quarto.

    — Vou subir, preciso me arrumar para sair. 

    Meu pai apenas murmurou uma confirmação e minha mãe assentiu. Continuei subindo as escadas, e, dessa vez, me sentia mais leve. De algum jeito.

    No quarto, aproveitei para pegar alguns rascunhos da minha nova história e os guardei na mochila. Vesti um casaco, ajeitei o cabelo no espelho e me olhei por um segundo.

    Meu olhar… continha um leve brilho que sequer tinha notado.

    Um brilho que continha um misto de nervosismo e excitação. 

    — Vamos a isso… — murmurei, antes de fechar o zíper e me despedir da minha família.

    Ao atravessar a porta, o vento frio de dezembro me envolveu. Eu andava, pisando pelas folhas caídas no chão, enquanto tremia levemente os ombros.

    E… durante o caminho, meus pensamentos eram apenas sobre aquilo:

    A ideia de, em poucos dias, ver a minha história, e meu nome, numa revista nacional de renome. 

    Meu texto, minhas palavras, minhas ideias, e a do Clube de Literatura.

    Tudo isso… nas mãos de outras pessoas.

    Outro sorriso bobo acabou escapando, mas felizmente ninguém notou…


    Demorou algum tempo até ver o prédio alto da Editora Kousei. Abri a porta, entrando e sentindo o ambiente mais quente. A recepcionista me olhou e já sorriu, me reconhecendo e sabendo o motivo de eu estar ali.

    — Bom dia. Shihei já está no aguardo!

    — Obrigado! — Acenei com a cabeça e subi.

    Atravessei aquele grande corredor, e logo abri a porta que sempre me deixava nervoso. Um local cheio de vozes que se sobrepunham, risadas e outras discussões. Páginas impressas em mãos, mesas repletas de papéis e xícaras de café…

    Era um caos. Mas um caos em um bom sentido.

    Olhei em volta, e encontrei Shihei perto da janela ao fundo, acenando para mim. 

    — Aqui! 

    Passei por algumas pessoas que caminhavam apressadamente, e logo me aproximei da nossa cabine.

    — Bom dia, Shihei — comecei, puxando uma cadeira para me sentar. 

    Nos cumprimentamos com um aperto de mãos firmes, enquanto uma assistente deixava uma chávena de café com uns pacotes de açúcar no canto. 

    Olhei para ele, e… ele parecia estar com um ótimo humor.

    Qual era o motivo?

    — Bom dia, Shin — disse, sorrindo. — Sem enrolar muito, quero que veja isso.

    Ele pegou um papel debaixo de alguns papéis e colocou na mesa. Ele afastou o resto, e colocou bem no centro. 

    — Tá vendo isso? — começou, soltando uma pequena risada para si mesmo.

    — Hm… sim. O que tem? — perguntei, confuso.

    Mais outra risada escapou dele. 

    Sério, qual era o motivo desse bom humor?

    — Isso que você tá vendo… é o exemplar da revista teste que será publicada.

    — Hã!?

    Meu coração acelerou. 

    Era… a revista na qual meu nome seria impresso.

    Minha história estaria ali, naquela revista. E, no momento, o exemplar teste dela estava bem na minha frente.

    Ele empurrou levemente a revista para mim, e eu só consegui encarar ela, com surpresa. Ela tinha cores vibrantes, muitas informações na capa e o papel tinha aquela qualidade incrível e superior ao resto.

    Olhei para ele, como se meu olhar fosse um pedido de permissão para folhear a revista, e ele acenou com a cabeça. 

    — …Vira a página — ele disse, parecendo guardar um sorriso.

    Olhei para ele, e depois para a revisa. Foi então que, ao virar a página… meu corpo congelou.

    “Hein!?”

    Meu coração deu um salto do lugar. 

    …Ali estava eu. 

    Um trecho da minha história, cuidadosamente feito, informações a mais e… o meu nome

    ‘Shin Yamamoto’

    Por um instante, eu não consegui dizer nada.

    Apenas… olhei. Senti meu peito aquecer e, novamente, aquele sorriso bobo se formava no meu rosto.

    Era tão surreal que mal conseguia acreditar.

    Eu estava tão… tão feliz.

    Não era só algo que ficava no meu computador ou nos meus papéis do quarto.

    Não mais.

    Era algo… real.

    — Incrível, não é? — Shihei disse, e ergui meu olhar para ele, que estava de braços cruzados e me olhava com um sorriso no rosto.

    As palavras eram difíceis de sair naquele momento.

    — É… m-mais incrível do que eu imaginei — murmurei.

    Ele se encostou na cadeira, suspirando.

    — Não é? E eles ainda tiveram a coragem de querer colocar sua história mais pro meio, já que temos outros autores grandes que também estão na revista. — começou a explicar, olhando para a janela, e depois para mim, com um brilho no olhar. — Mas eu insisti! Digo, você ganhou o Concurso Nacional de Inverno, não havia motivo para não estar entre os primeiros da revista…

    Senti meu rosto esquentar no mesmo instante.

    Parecia que, a ideia original da editora era me deixar mais para o meio, no entanto, Shihei fez o que pode para me colocar logo no início da revista.

    E isso… me deixava extremamente agradecido.

    — Obrigado… de verdade, Shihei. 

    Ele fez um gesto com a mão, como se afastasse aquilo.

    — Que nada. Isso é só um trabalho de um bom editor. 

    Continuei folheando a revista. Outras páginas traziam trechos de histórias, assim como a minha. Outras eram entrevistas com autores de renome. Anúncios de novos livros e continuações. Adaptações.

    Cada detalhe mostrava que era uma revista feita com o maior cuidado e qualidade possível.

    Digo, o esperado de uma editora gigante como a Kousei…

    — Realmente tá bom… todas as páginas são incríveis — Afastei levemente o exemplar da revista na direção dele. 

    Shihei apenas sorriu de canto, como se soubesse de algo que eu não sabia.

    — E isso não é nada. É só um exemplar.

    — Como? Tem como ficar melhor do que já tá? — perguntei, genuinamente curioso.

    A revista já estava cheia de detalhes, e tinha uma enorme qualidade. Como fariam algo ainda melhor do que o que já estava?

    Era uma pergunta que eu não tinha resposta.

    — Você só vai ter que esperar mais alguns dias — disse, com um tom levemente de mistério e risada. 

    Fiquei ansioso só de imaginar. Não só porque eu estaria nela, mas o que mais seria adicionado ali, na minha página.

    Shihei acabou esticando os braços, e acabou murmurando algo que não consegui ouvir direito.

    — …Que eu não me sentia assim. 

    Acabei erguendo uma sobrancelha, mas decidi não perguntar sobre. Ele olhou para o relógio, e tomou um gole da xícara de café, já vendo que a reunião estava prestes a dar a hora.

    Ambos nos levantamos e se cumprimentamos com um aperto de mãos firmes. 

    — Obrigado, de novo, por isso — falei, ajeitando a alça da mochila no ombro.

    — Já disse, isso é só um trabalho de editor. — Ele me olhou bem nos olhos, com um pequeno sorriso no canto. — E tudo isso… é apenas o começo.

    Aquela frase ecoou na minha mente.

    “Sim…”

    Apenas o começo…

    Nos despedimos, e logo saí, passando por aquele caos da sala editorial. Desci as escadas e dei um leve aceno para a recepcionista, que retribuiu o gesto.

    Ao empurrar a porta da editora, a luz da manhã me envolveu. 

    Respirei fundo, sentindo o ar gélido entrar dentro de mim.

    — Que frio… — murmurei, caminhando de volta pra casa.

    O mundo parecia… no lugar certo.

    Em poucos dias, minha história estaria nas mãos de qualquer pessoa que comprasse a revista da editora.

    E, só de pensar naquilo, minha barriga começava a doer de nervosismo. 

    Mas, acima disso, existia algo maior.

    A expectativa.

    Porque, no final, eu sabia que tudo isso… era apenas um começo.

    O começo de algo muito, mas muito maior.

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