Capítulo 94 - Dependência
Ponto de Vista de Akira:
Minutos intensos se passaram, mas a carcaça do Leviatã mal tinha um arranhão. Por mais incrível que pareça, estávamos em pé de igualdade com a criatura, em uma batalha onde nenhum dos lados avançava significadamente. Shosuke segurava os membros do Leviatã por alguns segundos com os tentáculos negros que saíam de sua espada e o balançava para reduzir a eficácia de seus raios. Gwen e eu atacávamos com tudo, seu espadão cortava superficialmente a pele do guardião, que de alguma forma, parecia não se incomodar com o dano, da mesma forma que não se incomodava com os danos internos que eu causava com minhas chamas.
Em outros momentos, nosso espadachim tentava fatiar o monstro enquanto nós chamávamos a sua atenção, como moscas sobre o lixo. Mesmo distante, era possível sentir o impacto da sua lâmina com as garras do leviatã, sempre em uma tentativa falha de as ultrapassar.
— Do jeito que isso tá indo, a gente não vai durar muito tempo — resmunguei para mim mesmo ao pousar no chão após um golpe, tentando encontrar uma forma de ao menos causar dano naquele bicho.
Eu me escondia atrás de algumas ruínas, escondendo, também, minha presença.
— A pele dele é muito dura! — Gwen arrastou sua espada ao meu lado enquanto flutuava tão ofegante quanto eu — Tem que ter algum jeito de enfraquecê-lo!
— Você dá um jeito nisso! A gente vai ganhar tempo e atacar quando for a hora! — ordenei assim que Shosuke encostou os seus pés na terra molhada.
— Beleza! — A vampira perfurou seu polegar com seu próprio canino afiado.
Congelando o sangue a partir de um fluxo contínuo, Gwen desenhou um símbolo mágico no ar. O Sangue congelado flutuava com uma aura mística, como se carregasse um enorme poder naquele simbolo, chegando até mesmo a vibrar intensamente ao ser concluído.
O gelo rachava progressivamente, criando fendas em toda a extensão do símbolo.
“CRACK!” Com o fechar repentino de sua mão, Gwen destroçou o sangue congelado e uma fina camada de gelo tomou o seu corpo.
— Vai explicar o que foi isso? — perguntei curioso, aproveitando o tempo que o guardião nos procurava.
— Você não sabe de nada mesmo, não é? — disse com um tom raivoso, porém, irônico — É um pacto interno, vou te mostrar o quanto isso é útil! — exclamou ao correr para fora das ruínas.
A vampira encarava o Leviatã, olhando o fundo de seus olhos com convicção.
— Espera aí, o que é que você vai fazer? — eu a acompanhei em seguida.
— Me arremessa pra cima dele.
— Por que você só não voa até lá?
— Caralho, não dá! Até que a gente consiga derrotar esse monstro, eu não vou ser capaz de voar, tá entendendo?
— Tsc… tá legal — em um suspiro cansado, deixei de tentar entender o seu objetivo com aquilo. Eu flexionei meus joelhos rapidamente, apoiando meu bastão na cintura, com um pouco de sobra para a lateral do meu torso e o deixando firme como uma plataforma.
A vampira saltou prontamente, intensificando ainda mais o gelo em sua mão.
— Não faço ideia de como uma estupidez dessa vai ajudar, mas pessoalmente, eu não acho que tenho um plano melhor — Canalizando toda a minha força, girei o meu quadril levemente para trás e, em seguida, balancei o bastão de volta com uma explosão de chamas.
Gwen voou por longos metros até chegar a cabeça do Leviatã, o mesmo tentou agarrá-la em pleno ar, mas Shosuke, com os tentáculos negros, segurou seus braços escamosos e os puxou para baixo.
— Eu despertei há apenas 5 anos… — se segurando na crista do Leviatã, começou a gerar uma névoa gélida ao seu redor — Isso é apenas uma fração do que eu sou capaz de fazer! — O guardião tentava acertá-la de todas as formas possíveis, mas seus raios não conseguiam acertar sua própria cabeça e suas mãos não conseguiam se livrar de nossas defesas — TESTEMUNHEM O PODER QUE OS BRUXOS NUNCA PODERÃO DOMINAR! CAIXÃO DE GELO!
O corpo do Leviatã começou a congelar. Gwen conjurava sua magia, algo que a mesma disse que era impossível, por toda a extensão do guardião. Seus movimentos desaceleravam aos poucos, os rugidos cessaram (certamente por ter suas cordas vocais paralisadas), sua pele enrijecia com o frio, o deixando como uma estátua de gelo que clamava aos céus por ajuda.
— AGORA! — eu olhei para Shosuke rapidamente, disparando como uma flecha de fogo. Nós mirávamos em seu braço esquerdo, o único que estava inclinado para baixo, e meu bastão tomou um brilho amarelado, tal qual um metal incandescido.
— FISSURA SOMBRIA! — A espada do espadachim emanava uma aura escura e espectral, e em um corte vertical único, fez sua lâmina atravessar as escamas congeladas do leviatã.
— IMPACTO ARDENTE! — rugi com uma poderosa estocada, explodindo o braço fatiado da criatura.
Cada pedaço de carne nojento do guardião caiu em cima das ruínas ao nosso redor, porém, apenas o seu braço esquerdo foi afetado. De alguma forma, o restante do seu corpo resistiu aos golpes e voltou lentamente a aquecer.
Graciosamente, Gwen saltou do topo da cabeça do Leviatã, chegando ao chão com uma rampa de gelo que amorteceu sua queda.
Shosuke e eu nos reunimos com ela logo em seguida, novamente, nos pondo frente a frente com nosso inimigo agora, enfim ferido.
— ROOOOOOAR! — um rugido de fúria correu pela ilha.
O Leviatã invocava raios dourados a sua volta, sacudindo sua cauda violentamente. O tremor fazia os destroços equilibrados uns nos outros se desmancharem, enquanto em toda sua poderosa presença mágica, moldava os raios ao seu redor em forma de um tridente gigante. A eletricidade se dissipou junta a sua agitação, revelando uma arma que parecia ter sido forjada por um deus.
Meus olhos se expandiram em surpresa. Não pela pressão que a criatura emanava, não por sua arma que emanava uma aura ameaçadora. Meus punhos se firmaram em meu bastão, com uma certa calma atípica, minha respiração, apesar de ofegante, estava relaxada. Um sentimento divertido tomou conta de mim, uma confiança inexplicável, algo que me dizia que aquele guardião não era nada. Essa era a minha surpresa.
Foi por ter passado tanto tempo com o Sr. Wukong? Foi por termos almas interligadas? De qualquer forma, não importava, as chamas em volta de mim se agitavam ansiosas pela batalha, elas me chamavam para dançar naquele momento.
— Agora eu tô gostando! Eu vou flambar essa lagartixa! — eu exclamei em um astral elevado, confiante da nossa vitória.
Ponto de Vista de Sorun:
— Vambora, Sorun! A gente já tá atrasado! — eu apenas me recolhia em minha cadeira quando Zethar me chamou na porta da sala.
— Foi você que atrasou a gente! — Medaline chegou ao seu lado, com seu penteado enrolado de sempre, furiosa com meu amigo — Fala sério! 7 anos e você continua o mesmo moleque de sempre!
17 anos… nosso último ano na escola. Eu lembrava de quando nos conhecemos há 7 anos, enquanto os dois brigavam entre si. Desde aquele dia, eu passei a admirar Zethar. Ele era confiante, ousado, forte, esperto… tudo que eu queria ser. Suas habilidades se manifestaram cerca de 2 anos após nos conhecermos, assim como Medaline e eu, naquela época, lembro de ter ficado maravilhado com os poderes deles, eram lindos e majestosos, enquanto os meus… eles eram só feios e asquerosos. Afinal, em tempos de paz, alguém com a capacidade de criar gases venenosos não passava de uma arma de guerra inútil.
— Sorun! Você vem ou não? — ele chamou mais uma vez, empurrando a testa de Medaline com a palma de sua mão.
— V-Vou! — me levantando rapidamente da cadeira.
Ao passar pela porta, possivelmente pela última vez, nós saímos direto para a rua. Estava um dia lindo, o sol iluminava os olhos dourados de Medaline, destacando sua beleza deslumbrante, enquanto Zethar sorria para o vento, como se estivesse vendo um filme dos últimos 7 anos que se passaram bem na sua frente.
— E aí? O que pretendem fazer? Eu tava pensando em ir pra uma universidade em Shryne…
— Achei que você já tinha se formado em ser a pessoa mais chata viva… — meu amigo zombou.
— Foram só umas aulinhas — ela riu, dando um chute em sua panturrilha.
— Aí! — grunhiu — Eu tenho uma ideia do que fazer, mas nada garantido — massageando sua perna enquanto saltitava com a outra — meus pais tão me enchendo o saco com esse lance de faculdade, mas acho que isso vai ser um grande desperdício.
Aquela discussão invadiu a minha mente. Eu não sabia o que fazer. Apesar de Zethar e Medaline reconhecerem minhas habilidades, eu não conseguia enxergar o mesmo que eles. Bom em tudo, nunca o melhor em nada. Medíocre.
Minha confiança não me permitia ver um caminho, era como se tudo à minha frente me levasse a um abismo escuro.
De alguma forma, após afundar em meus próprios pensamentos, eu despertei para a realidade abruptamente. Por algum motivo, estávamos em uma praça bem arborizada, um tanto isolados do restante das pessoas.
— E aí? O que acha? — Zethar dava um tapa em meio peito com o verso de sua mão, com um sorriso confiante.
— Eu preciso pensar… eu realmente não sei o que dizer — Medaline dizia, com uma expressão confusa, como se seus pensamentos formassem um nó em sua cabeça.
— O-O quê?
— Cê não tava prestando atenção, não? — disse em um suspiro.
— Deixe que eu explico novamente… — um homem alto e esguio apoiava a mão em seu diafragma e se curvava para mim.
Ele vestia um terno preto elegante e cobria seu rosto com a sombra de um grande chapéu.
Sua cortesia era, de certa forma, encantadora. Suas palavras eram bem colocadas, típico de uma pessoa que sempre fala o que as pessoas querem ouvir. Seu jeito tinha um quê de sedução e parte de seu carisma estava em seus gestos e postura.
— Eu estou em busca de pessoas que querem mudar o mundo. Particularmente, estou cansado da forma com que as pessoas se portam em sociedade e promovo estudos sociais a respeito do comportamento humano. Entretanto, me vejo em uma carência de aliados que partilham de um mesmo ideal.
Eu automaticamente olhei para Zethar, afinal, ele sempre se queixava desse tipo de coisa, e não para a minha surpresa, seus olhos brilhavam com a ideia daquele senhor.
— Seu amigo e eu conversamos, e fiquei impressionado em como nossas ideias estão bem alinhadas.
— M-Mas então o que quer que a gente faça exatamente? — o confrontei com certo medo.
— Bem, eu devo ser sincero, não é? — ele retirou seu chapéu calmamente, revelando abaixo de sua sombra, um rosto inteiramente branco. Não era pálido ou algo do tipo, era simplesmente uma folha em branco, vazio — Quero que me ajudem a salvar esse mundo!
Ponto de Vista de Saki:
Eu esperava minha foice pacientemente, erguendo minha mão para o topo da caverna. Alguns segundos, estranhamente desconfortáveis, se passaram e nem mesmo o som satisfatório do ar se rasgando chegou até os meus ouvidos.
— Ué… — eu virei meu pescoço, confusa — ô cacete! — resmunguei ao ver minhas costas nuas.
— Ela deve ter caído com aquela porrada… — Anzu deduziu, lembrando da minha mochila caindo em meio às ruínas no breve confronto com Zethar.
— Tsc! Tanto faz — chocando meus punhos violentamente, envolvi meu corpo em uma intensa camada de mana caótica.
A chama púrpura em meus ombros se alastravam até a ponta dos dedos, agitada como se uma forte ventania a soprasse. Meu poder, liberado repentinamente, fazia toda a caverna tremer. Eu via Sorun lutando para suportar a pressão, assim como eu via minha vitória garantida.
Sem mais delongas, disparei em sua direção.
— É INÚTIL — rugiu, trazendo as esferas metálicas ao seu redor.
De fato, cada soco e chute meu era inútil. As esferas bloqueavam ou desviavam a trajetória dos meus ataques, prevendo cada um deles. Ainda assim, a força colocada em todos os meus golpes era capaz de danificar as esferas superficialmente.
— É INÚTIL, INÚTIL, INÚTIL!
Bruscamente, eu parei de avançar, saltando sobre meu oponente.
— Acha que vai conseguir evitar meus ataques mesmo no ar? — gritou, lançando as esferas em minha direção.
Claro que ele não perderia uma oportunidade como essa, mas isso apenas me deu a brecha que eu buscava. Um bruto bater de palmar lançou as esferas para longe, Sorun disparou seus explosivos para cima e em meio a fumaça e pólvora, e eu atravessei todos os seus esforços em um chute poderoso com meu calcanhar.
— Argh! — ele gemeu ao ter seu crânio ricocheteado no chão.
Antes que ele pudesse se defender, acertei um tiro de meta em seu estômago enquanto ele ainda se remoía no chão. Seu corpo quicou até alcançar um pilar de pedra, levantando uma pequena nuvem de poeira.
— I-Isso podia ter me matado… — grunhiu. Eu podia escutar uma poça de sangue se formando a sua volta com o sangue que escorria da sua boca — mas… eles são muito mais rápidos do que você.
Ao abaixar da poeira, as esferas de metal eram reveladas na região da sua barriga, formando uma espécie de escudo.
— Que irritante… eu realmente não queria fazer isso.
De repente, o som de sua armadura, caminhando lentamente, chamou a minha atenção. Silenciosamente, avançamos um contra o outro, e dessa vez, eu sabia como atacá-lo.
Meus golpes não mais buscavam o empurrar ou atordoá-lo, meus movimentos se tornaram mais brutais e selvagens, de uma forma que suas esferas não tinham lido, cada soco dado era feito especialmente para matar.
Apesar de algumas esferas conseguirem amortecer o impacto dos socos, eu continuava a acertá-lo, ignorando completamente as explosões dos mísseis e bombas.
Finalmente, em um soco derradeiro, eu afundei seu rosto no chão. Os olhos brancos e inconscientes de Sorun perderam o controle sobre as esferas. Estava acabado. Eu limpei meu rosto coberto por pólvora e sangue e segui caminhando para a origem da luz índigo na caverna.
— Me diz por que… — o barulho da sua armadura arrastando no chão voltou aos meus ouvidos.
— O quê? — eu me virei rapidamente, jurando que ele estava apagado.
— Você tem que matá-lo, Saki! — Anzu martelou em minha mente.
— Eu sempre fui fraco… por isso, me agarrei em pessoas que poderiam me levar a níveis mais altos — Sorun se erguia na cratera que seu corpo havia criado — Minhas habilidades sempre foram medíocres, não havia nada para destacar… mas quando eu estava com eles, eu conseguia sentir como era ser forte, como era ser bom, como era ser alguém.
Sorun apoiava sua mão esquerda no braço oposto, como se estivesse se agarrando em um último suspiro.
— Apenas pessoas fracas como eu procuram ajuda… os fortes não precisam estar com mais ninguém… mas você… você tem amigos que te ajudam, pessoas que quer proteger…
— … — eu me calava ao escutar o soar de um apito constante vindo de sua armadura
— ENTÃO POR QUÊ? POR QUE VOCÊ É TÃO FORTE? — Ele correu desesperadamente em minha direção, enquanto sua armadura fazia um barulho agudo como se fosse um temporizador.
— Já chega! — seu amigo, Zethar, apareceu de repetente, o agarrando e o levando ao chão — Cancele a autodestruição!
Ao seu comando, a armadura de Sorun se calou.
Eu não entendia. O que ele estava fazendo ali? Como ele havia chegado? Ele estava quase intacto. Só havia uma única razão para aquilo.
— Saki! — Anzu me chamou desesperadamente — Eu… Eu não tô sentindo a mana dela! — suas palavras pesaram em meu peito como uma âncora de navio, eu queria mandar ele calar a boca, mas as palavras não vieram de forma alguma — A Noelle… ela está morta!

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