Índice de Capítulo

    Brighid estava ajoelhada e concentrada, as mãos trêmulas emanando uma luz esverdeada sobre o corpo de um homem idoso.

    Seus olhos pesados, com olheiras vívidas, denunciavam a exaustão que a dominava. Ela terminou o feitiço de cura e suspirou profundamente, sentindo cada fibra do seu corpo implorar por descanso.

    Havia dias que ela passara do seu limite, mas os necessitados continuavam a aparecer, e a praga atrasava todos os seus compromissos.

    — Por favor, faça algo! — A voz raivosa de um homem rompeu o segundo de tranquilidade. — Meu irmão está com febre, morrendo!

    Outro homem, com uma expressão igualmente desesperada, interveio. — Meu filho está na frente!

    Brighid ergueu a mão, a voz doce tentando apaziguar a tensão. — Por favor, acalmem-se. Preciso respirar um pouco…

    As pessoas, no entanto, não se acalmaram. Gritos começaram a ecoar pela sala.

    — Você é uma deusa! — alguém clamou. — Tem que nos ajudar!

    — Ela não é uma deusa, é uma vadia com um bom poder de cura! — cuspiu outro, a raiva o corroendo.

    Uma mulher apontou o dedo acusadoramente para Brighid. — Mentirosa aproveitadora! Só está nos usando!

    Brighid tentou argumentar, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, um copo foi jogado em sua têmpora, quebrando ao impacto.

    Crash!

    Ela estava tão cansada que sequer viu aquilo chegando. O sangue brotou, quente e insistente, obscurecendo sua visão por um instante. De repente, uma aura assassina, a mais assustadora que aquelas pessoas já sentira, desabou sobre a sala como uma bomba.

    O ambiente ficou em um silêncio aterrador, todos paralisados pelo medo. Brighid curou seu ferimento com um simples toque, a luz esverdeada brilhando intensamente por um momento.

    Ela então começou a caminhar em direção à saída, as pessoas se afastavam, abrindo caminho. Não por reverência, mas por medo. Ninguém ousaria desafiar aquela mulher.

    Cada passo de Brighid ecoava pelo corredor, como um titã caminhando em meio a formigas.

    A exaustão ainda pesava sobre seus ombros, mas naquele momento, a força de sua raiva a movia. Ela sabia que precisava de descanso, mas também sabia que sua missão estava longe de terminar.

    Brighid deixou a casa, puxando o capuz sobre os olhos. O manto encobria suas feições exaustas, mas não podia esconder a intensidade do brilho em seus olhos.

    As ruas de Runyra estavam mergulhadas em um caos desordenado.

    O ar estava carregado de fumaça, misturando-se com o cheiro pungente de corpos suados e o odor metálico do sangue.

    O crepitar das chamas consumindo as catedrais, agora em ruínas, misturava-se com os gritos de desespero e a cacofonia de passos apressados.

    Barris e carroças tombadas bloqueavam as vias principais, criando um labirinto de obstáculos que apenas adicionava ao pânico.

    A multidão, em sua maioria composta por mulheres e crianças, tentava desesperadamente escapar do inferno que Runyra havia se tornado.

    Soldados maltrapilhos, com as armaduras sujas e amassadas, tentavam manter uma ordem mínima, mas a futilidade de seus esforços era evidente.

    Um homem corpulento, carregando uma criança em cada braço, empurrava caminho por entre os desesperados, seus olhos fixos no horizonte como se a sua determinação pudesse conjurar um refúgio seguro para longe do caos.

    Brighid avançava pelas sombras, seu capuz ocultando as feições, mas seus olhos capturavam cada detalhe.

    Crianças choravam, agarradas às saias de suas mães, enquanto velhos eram empurrados para o lado, incapazes de acompanhar o frenesi.

    Ratos, corajosos na sua busca por comida, corriam pelas vielas, aproveitando-se da desordem.

    Ninguém poderia ter imaginado que Runyra, outrora um símbolo de estabilidade e prosperidade, se tornaria tão insegura.

    As altas muralhas que circundavam a cidade, antes vistas como um escudo impenetrável, agora pareciam mais uma jaula, prendendo seus habitantes em um pesadelo.

    A promessa de uma vida pacata e feliz havia sido uma ilusão cruel, desfeita pela realidade brutal de um continente marcado por conflitos que nunca terminam.

    Pessoas, em sua busca desesperada por segurança, deixavam a cidade em massa. Famílias inteiras, carregando o que podiam em fardos improvisados, seguiam uma trilha de esperança que se dissipava a cada passo.

    A ponte principal, que levava para fora das muralhas, estava abarrotada, um engarrafamento humano onde cada metro conquistado era uma batalha.

    Muitos olhavam para trás, para as torres que ainda se mantinham erguidas, suas silhuetas contra o céu vermelho como um lembrete sombrio do que haviam perdido.

    Brighid apertou o passo, sua mente ocupada com o desejo de retornar para seus filhos e para Colin. Apesar de ser um ser que transcendia qualquer criatura viva do continente, ela ainda se sentia segura com ele.

    Colin, com sua presença firme e voz calma, tinha uma habilidade única de acalmar suas tormentas internas, de dissipar os seus pesadelos.

    Ao virar uma esquina, uma visão de pura anarquia a aguardava.

    Uma caravana de refugiados, misturada com soldados feridos e curandeiros exaustos, movia-se lentamente como uma serpente ferida.

    Brighid olhou para o lado, seus olhos capturando um grupo de pessoas que corriam em direção oposta. Quando focou a visão, viu uma das catedrais em chamas.

    A estrutura imponente, que outrora simbolizava esperança e fé na Santa, agora era consumida pelo fogo, seus vitrais explodindo em uma chuva de fragmentos coloridos.

    Aquilo a chateou profundamente.

    Ela, Ayla, Colin, todos eles haviam se doado tanto, se sacrificado por aquelas pessoas, e mesmo assim parecia que nada do que fizeram importava.

    A ingratidão era um punhal enfiado em seu coração, a sensação de inutilidade esmagando-a com um peso quase insuportável.

    Ela apressou o passo, determinada a alcançar o único refúgio que conhecia.


    A sala onde Morwyna estava sentada lembrava uma estufa, com grandes janelas de vidro que deixavam a luz da lua entrar, iluminando o espaço com um brilho suave e difuso.

    Plantas exóticas cresciam ao redor, suas folhas verdes e flores coloridas, criando um ambiente tranquilo e quase místico. No centro, havia uma pequena fonte de pedra, cujo som suave da água corrente acrescentava uma sensação de paz.

    Morwyna estava sentada no chão, de olhos fechados, tentando meditar. Seu semblante, normalmente calmo, estava marcado por uma expressão de intensa concentração.

    O ambiente ao seu redor parecia respirar em sintonia com ela, seu peito subindo e descendo com calma, como se a natureza ali presente estivesse a apoiando em seu esforço.

    A porta de madeira se abriu silenciosamente, e Ayla entrou na sala.

    — Ma-majestade!

    Morwyna ergueu-se imediatamente ao perceber a presença dela, fazendo uma reverência profunda. Ayla, com um sorriso gentil, disse:

    — Você não precisa fazer isso.

    Ela se sentou em um banco próximo e fez um gesto para que Morwyna se juntasse a ela. Ainda tímida, Morwyna obedeceu, sentando-se ao lado da rainha.

    — Meditando? — perguntou Ayla, sua voz suave.

    — Sim… — respondeu Morwyna, a voz meiga e hesitante. — Quero aprender a controlar meus poderes… Eu… Quero ser útil…

    Ayla assentiu, observando-a com uma expressão ponderada.

    — Seja sincera, o que você sente pelo meu marido? — A pergunta foi feita com uma seriedade que fez Morwyna começar a suar frio.

    — Não é nada… — tentou responder, mas a firmeza na voz de Ayla a fez desviar o olhar.

    — Diga a verdade, Morwyna.

    Morwyna abaixou a cabeça, os olhos marejados.

    — Sou grata por tudo que senhor Colin fez por mim… Ele me salvou, deu-me um propósito. Sempre serei profundamente grata a ele por isso…

    Ayla assentiu novamente, seus olhos fixos em Morwyna.

    — Colin pediu para que eu falasse com você. — Ela fez uma pausa, observando a reação da Elfa. — Se você quiser ser abraçada por ele, deve ser devota a ele como os féis são a seu deus. O caminho de Colin é o do regente, e nossa função é auxiliá-lo, para que seu fardo seja o menor possível. Sabe o que está em jogo, não sabe?

    Morwyna franziu os lábios, abaixando ainda mais a cabeça.

    — Colin precisa de você, mas você ainda nutre sentimentos pelo seu irmão, que supostamente é um traidor.

    Os olhos de Morwyna se encheram de lágrimas.

    — Senhora Ayla… O que devo fazer?

    — Abandone esse sentimento fútil em relação ao seu irmão. Há coisas mais importantes a serem feitas. Ele escolheu seu caminho, e você precisa escolher o seu. Colin quer que você esteja ao lado dele. — Ayla estendeu a mão para ela. — Você será a rainha dos Elfos Negros. Sua linhagem perdurará por eras. Sinta-se honrada pôr o Conquistador se importar tanto com você.

    — Você não está zangada? — perguntou Morwyna, sua voz trêmula.

    — Estava, mas meus sentimentos não importam quando há coisas mais importantes em jogo. Você é um oráculo, precisamos de você.

    — Posso pensar sobre isso? — perguntou Morwyna.

    Ayla se levantou, com um sorriso que misturava compreensão e urgência.

    — Brighid e eu tornaremos você poderosa, uma mulher tão poderosa que faria seu avô sentir orgulho e seu pai sentiria medo. Se Colin acredita que é possível, então é possível.

    Ayla fez uma pausa antes de sair.

    — Vou deixá-la pensando, mas não temos muito tempo. Runyra está em completo caos. Você precisa escolher um lado e abandonar completamente o outro. É assim que esse mundo funciona.

    Com essas palavras, Ayla deixou a estufa e Morwyna ficou sentada, refletindo.


    Colin relaxava em sua cadeira de espaldar alto, os olhos fechados, tentando encontrar um momento de paz em meio ao turbilhão de responsabilidades que lhe pesavam sobre os ombros.

    O som dos passos apressados no corredor interrompeu seu breve repouso. Ele abriu os olhos lentamente, observando a porta com curiosidade e apreensão. A batida firme e urgente ecoou pela sala, fazendo com que ele se endireitasse na cadeira.

    — Entre — disse, a voz firme, mas cansada.

    A porta se abriu com um rangido, revelando Tuly, ofegante e com a expressão marcada pela urgência. Ele entrou apressadamente, fechando a porta atrás de si. Havia dois pergaminhos em suas mãos.

    — Notícias urgentes, meu senhor — disse Tuly, tentando recuperar o fôlego, tentando esconder que aquela notícia o alegrava de certa forma. — Diretas do império do sul e da grande fortaleza de Closgant.

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