Índice de Capítulo

    A janela estava aberta, com a cortina esvoaçante balançando sob a brisa, e iluminada pelos primeiros raios de sol do dia.

    E foi por ela que Renato e Clara entraram voando, e pousaram no meio da sala.

    Irina, no sofá, ainda tinha o notebook no colo, porém ele estava fechado.

    Lírica e Jéssica estavam de pé ao seu lado. Ao contrário de Irina, as duas não eram tão boas em fingir, e traziam no rosto a mais culpada das expressões.

    Clara semicerrou os olhos.

    — O que estavam aprontando?

    — Aprontando? Quê? C-como assim? — gaguejou Jéssica.

    — Não estávamos aprontando nada — Lírica desviou o olhar para a parede.

    — Vocês parecem bastante suspeitas — disse Renato.

    — Suspeitas? — Irina fingiu indignação. — Humpf! Olha só quem fala? Onde estava andando com essa súcubo pervertida, hein? O suspeito aqui é você!

    — Não muda de assunto — disse Clara, com um sorriso debochado no canto da boca. — O notebook… essas duas cabaças aí… já sei! Estavam vendo pornô, não estavam? Jés, eu sei que mostrei pra vocês naquele dia, mas eu não sabia que você ia ficar tão viciada…

    — V-viciada?! Eu jamais…! Jamais… — Estupefata, ela mal podia completar a frase.

    Renato suspirou, resignado.

    — Eu vou pegar um pouco de vinho…

    — Renatooooooooo! — Mical surgiu do corredor que levava até os quartos e  correu até ele.

    Ela se jogou no braços dele.

    — Ah, que saudade que eu senti! — Ela fungou e se aconchegou no corpo dele.

    Clara revirou os olhos.

    — Não pode estar com tanta saudade assim! Só ficamos longe por… dois dias, no máximo!

    — Pois para mim foi como dois séculos!

    Renato fez cafuné na cabeça dela.

    — Certo, certo… — dizia ele.

    Mical apenas fungou em seu cangote.

    Por um tempo, Renato foi completamente vencido.

    Como poderia ele afastar alguém com tamanho amor? Impossível!

    As outras garotas já estavam exibindo sinais de ciúmes.

    Até Clara parecia um tanto incomodada.

    — E aquele vinho que você ia buscar, Renato?

    — Oh, é mesmo!

    — Eu vou com você! — disse Mical, decidida.

    — Oh, não precisa, eu já volto e…

    — Eu vou com você!

    — Os homens precisam de espaço, Mical — disse Clara, e pôs a mão sobre o ombro dela, e com uma força leve, tentou afastá-la. Mas Mical resistiu.

    — Se ficar muito grudada, ele vai começar a não gostar mais de você — disse Lírica.

    — O quê? — Mical pareceu chocada. — Isso é impossível! O Renato jamais deixaria de gostar de mim!

    — Não tô gostando dessa garota grudada no meu irmão desse jeito! — A voz de Irina pareceu mais um rosnado animalesco do que fala humana.

    — Mical não faz por mal — disse Jéssica. — Ela só está muito apaixonada. É normal, né?

    — Sim, é completamente normal! — concordou Mical.

    — Tô começando a achar que teremos outra inimiga além de Tâmara… — murmurou Lírica.

    — Eu só vou lá buscar um vinho e já volto — disse Renato, afagando a cabeça de Mical.

    — Tá… certo… — Ela se afastou, contrariada.

    Afastar Mical dessa forma não o agradava muito, mas dessa vez era necessário. Ele realmente precisava de alguns minutos sozinho.

    Na cozinha, ele ficou um tempo ouvindo as meninas fofocando no cômodo vizinho.

    Então voltou, trazendo uma taça de vinho numa mão e um copo de coca-cola no outro.

    Passou por todas, sob olhares ciumentos, e foi direto para Irina.

    — Aqui. Eu trouxe coca pra você.

    — Rê?! Obrigada! Finalmente você está se tornando um bom irmão!

    Ela pegou o copo sentindo-se uma rainha. Os olhares fulminantes das outras meninas apenas alimentavam seu ego e seu sorriso.

    Ela riu parecendo uma vilã da Disney.

    — Vou beber a coca que o meu irmão trouxe para mim! Ai, ai! Se vocês quiserem também, vão pegar vocês mesmas! Hehehe

    Renato apenas retribuiu o sorriso e ficou um tempo apenas esperando ela beber.

    — Que foi? Tem alguma coisa no meu rosto? — Irina ergueu uma sobrancelha.

    — Oh, não! Desculpe. Eu apenas…

    — Apenas estava admirando a beleza da sua irmã adotiva, não estava? Sorte a sua que a gente não tem laços de sangue, viu? Senão seria esquisito… — Ela riu e bebeu um gole de coca.

    — Mais esquisito que isso? — murmurou Mical.

    Clara deu de ombros.

    — Pessoas fazem coisas esquisitas desde que o mundo é mundo — disse a súcubo. — E, Renato, por que não trouxe vinho para mim também? Me dá um gole da sua taça aí!

    — Na minha espécie é normal parentes fazerem a cópula entre si — disse Lírica.

    Clara fez uma careta amarga.

    — Isso sim é esquisito.

    — Que pecado, meu Deus! — Jéssica juntou as duas mãos, como se fizesse uma oração.

    — É inferno na certa! — complementou Mical, julgando horrores internamente.

    — Ah, se as pessoas se gostam… — disse Irina, e bebeu mais um gole de coca. — Não vejo porque n… — ela parou e lançou um olhar desconfiado para dentro do copo. — Tá com um gosto estranho. — Sua voz saiu falhada.

    — Estranho? — Renato franziu o cenho. — Deve ser porque estava na geladeira desde ontem?

    — Não. O gosto é… Rê, o que você…?

    Ela não conseguiu terminar a frase. O copo caiu de sua mão e se partiu no chão em vários pedaços.

    Ela tentou se levantar, mas não conseguiu. Tentou falar, mas a voz ficou presa na garganta.

    Até que seus olhos se fecharam e Irina caiu desacordada no sofá.

    — Hum… então o cheiro estranho que eu senti era mesmo… — Clara semicerrou os olhos.

    — Sim. Sedativo. Peguei com a Tâmara. — A seriedade no tom de voz de Renato contratava, e muito, com o clima divertido de antes.

    Clara olhou por um tempo para a Irina inconsciente.

    — Por que fez isso?

    — Porque ela é a única que não está sob a influência do pacto que fizemos. E ela é teimosa. Tenho certeza que me seguiria, mesmo depois de eu falar pra não seguir.

    — Renato, você não pode…

    — O que eu não posso é correr o risco de perder uma de vocês.

    — E nós podemos correr o risco de perder você?

    O garoto ficou um tempo em silêncio, após ouvir as palavras de Clara.

    — Eu não entendi — disse Mical. — Porque você drogou sua irmã?

    — Renato — disse Jéssica, entredentes —, eu não aceito isso. Você precisa nos dar a escolha!

    — Eu vou com você! — disse Lírica. — Não importa as circunstâncias! Eu estarei ao seu lado! Me deixe lutar com você!

    — Gente… não posso. — A voz de Renato saiu embargada. Sentia que estava traindo as pessoas que amava, mas era necessário. O olhar indignado delas o feria mais do que qualquer golpe de demônio. — Vocês ouviram a previsão de Hoopoe. Ela disse que vou vencer o cavaleiro, mas uma de vocês vai morrer no processo. Não posso aceitar isso! Foda-se o destino! Eu escolho não perder ninguém! Nenhuma de vocês vai morrer. Por isso, prestem muita atenção: eu vou sair agora para enfrentar Peste. Vou matá-lo. E, sob o poder do pacto que fizemos, eu deixo bem claro: nenhuma de vocês deve me seguir. Nenhuma de vocês deve vir comigo. Eu vou sozinho. Não podem desobedecer esta ordem!

    Clara suspirou, indignada. Relaxou os ombros. Seu olhar estava fixo em algum ponto do chão. No rosto, uma expressão de dor.

    — Você disse que ainda não estava pronto.

    — Talvez eu nunca esteja. Mas eu ainda preciso deter aquele monstro. É culpa minha os cavaleiros estarem andando sobre a Terra! Eu os soltei! Eu preciso resolver. E nenhuma de vocês deve ficar em perigo por causa disso.

    — Tá subestimando a gente — retrucou Jéssica. — Nós podemos ajudar!

    — Acha que somos inúteis? — perguntou Lírica. — Pensa que somos tão fracas que seríamos peso morto? A gente só ia atrapalhar ao invés de ajudar? É isso que pensa?

    — Não! Não é isso! Eu sei muito bem que…

    — Não pode ir assim! — Mical gritou. — Não pode! Nós já conversamos sobre isso! É egoísmo! Você tá sendo egoísta! — Ela estava a beira de desabar em lágrimas. — Não pode ir sem uma curandeira! Vai morrer! Deixa eu ir pra te curar quando você se ferir.

    — Se você for, você pode morrer, Mical. Não posso correr esse risco. Não vou correr esse risco!

    — Profecias, destinos… — murmurou Clara. — Não são tão flexíveis assim. — Em seu rosto, quase era possível notar um pouco de dor. — Se uma profecia diz que alguém vai morrer, e você evita essa morte, você se coloca na frente da bala, Renato. Se nenhuma de nós morrer, muito provavelmente você vai.

    Ele bebeu um gole generoso do vinho em sua taça, quase como se fosse uma despedida desse sabor adocicado. O Sangre del Diablo era realmente gostoso.

    — Prometo que vou tentar voltar vivo.

    Colocou a taça vazia sobre a mesa, se virou e caminhou em direção a porta.

    Antes que pudesse sair, o grito de Clara o deteve:

    — Isso é traição! — gritou ela. — Não pode tirar nossa escolha desse jeito!

    — Eu sei. — A voz dele saiu embargada, presa na garganta. — Mas faço isso porque amo vocês demais! Não posso perdê-las.

    — Nós sabemos — respondeu Clara. E a voz dela quase soou chorosa. — E isso faz doer ainda mais. — Uma única lágrima, teimosa, doida, escapou de um dos olhos, mas a súcubo rapidamente a limpou com os dedos, e ergueu o rosto, numa expressão cheia de dignidade. Ela não chorava há séculos, e não seria nesse dia que choraria.

    Renato olhou no rosto de cada uma delas.

    — Clara… Jéssica… Mical… Lírica… aliás, foi eu que dei seu nome, né? — Renato sorriu. Em seguida, olhou para Irina. — Minha irmã… espero que me perdoe… todas vocês! Se eu morrer, quero que saibam que eu amo vocês! Amo muito! E vou fazer o meu máximo para voltar vivo! Nem que pra isso eu tenha que sair na porrada com o próprio destino!

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