O garoto Riley foi levado para um canto nenhum pouco confortável. O esconderijo de Hideki não era um lar, mas sim uma estrutura geométrica, um galpão industrial abandonado distante de Dynami. Pelo lado de fora, era apenas metal enferrujado e concreto rachado, engolido pelo silêncio opressivo de uma paisagem banhada por vegetações grandes e poucas casas próximas. Por dentro, a Fundação havia injetado fundos para criar um bunker tecnológico, quase um santuário impessoal que refletia a alma de seu ocupante. O espaço era vasto, mas estéril. Paredes de cimento polido e cinza subiam até um teto de vigas expostas. Não havia cores, exceto o verde pálido dos monitores de diagnóstico e o branco-frio das luzes LED, que eliminavam qualquer sombra. O mobiliário se resumia ao estritamente funcional; Uma mesa de aço escovado, uma única cadeira ergonômica e uma cama dobrável, todos dispostos com uma simetria obsessiva. Aquele ambiente era a materialização da apatia lógica de Hideki.

    No canto mais bem iluminado, sobre um tapete isolante cinza-chumbo, estava Riley.

    O garoto, com não mais que dez anos, era o único elemento vivo, orgânico, a contrastar com a esterilidade do bunker. Ele estava sentado no chão, entretido em silêncio com um jogo de peças de montar que Hideki havia providenciado, não por bondade, mas como um estímulo controlado para observação. Riley era a anomalia que Hideki havia se permitido introduzir em seu sistema perfeito. O Executor estava de pé, distante, examinando a planta de uma usina em um dos monitores, mas seu foco mental estava totalmente em Riley. Ele não sentia culpa ou remorso por ter sequestrado a criança de Tahiko. Para o que a Fundação se posicionava a praticar na visão de Hideki, Riley era um objeto valioso que precisava ser quantificado.

    “Tahiko lutou por ele. Lutou até a exaustão em Dynami. Um portador só mobiliza tanta fúria por algo que possua um valor intrínseco que justifique o custo. Portanto,” Hideki raciocinava, ajustando a imagem no monitor com um toque seco, “eu preciso quantificar esse valor.”

    A alma limpa, coração genuíno, a bondade, amor e empatia são traços e condições que repulsão tudo que o contrário está, toca e influencia. Portanto, o uso deles, para o ato prático-direto de corrompê-los era o macro-objetivo daqueles que tendem a agir em prol da Fundação, ou de qualquer outro grupo, sigla e movimento deturpado, maldoso, ideólogo e megalomaníaco. Riley não era apenas um refém comum, mas mais um catalisador dessa teoria. E se ele pudesse quebrar Tahiko, um portador, talvez pudesse ser utilizado para planos maiores da Fundação. Portanto, o cuidado do garoto era essencial.

    — A atividade do seu sistema nervoso é previsível — Hideki iniciou o diálogo, falando baixo, monótono, desprovido de qualquer musicalidade. — A sua frequência cardíaca aumentou em 4% quando o monitor de vigilância piscou há dez segundos.

    Riley o olhou, sem se assustar, apenas observando. Estranhamente, o garoto já havia se acostumado à estranheza fria do homem, ou simplesmente, não era influenciado — Você está estudando as minhas batidas do coração? 

    — Estou catalogando dados. 

    — O que você quer? — Riley perguntou, voltando a empilhar as peças de brinquedo, mas Hideki nada disse de volta. Ele simplesmente se levantou da cadeira, e após alguns segundos, saiu do galpão. 

    Passou algumas horas. Especificamente, quatro ou cinco, e durante esse tempo, o menino tentou sair, abrindo os portões do galpão, mas era tudo muito pesado. Impossível para ele. Como alguém que normalmente volta, o portão sul do galpão abriu, e era Hideki. Enfim, havia retornado e se deparou com Riley inquieto. O menino, certamente, já tinha deitado, sentado e andando por todos os cantos do galpão. 

    Ao voltar para o local anterior do galpão que lá estava antes de sumir por horas, Hideki se aproximou da mesa de aço, e o menino o seguiu. 

    — Onde estava? — Riley acompanhava, andando sempre passos menores e mais lentos.

    Não havia o porquê de ouvir inteiramente o que falava a vítima, por isso Hideki nem se deu a chance de responder a pergunta do garoto. Na mesa de aço, Hideki colocou dois itens sobre ela. O primeiro era uma barra de chocolate com alto teor energético, embrulhada em papel alumínio brilhante. O segundo, uma cópia criptografada de um dos relatórios da Fundação que detalhava uma futura rota de suprimentos da Torre.

    Hideki olhou para Riley — Tenho dois itens de valor. O primeiro satisfaz uma necessidade biológica básica e imediata. O segundo possui uma utilidade estratégica futura.

    Ele empurrou os itens levemente em direção a Riley, que estava do outro lado da mesa — Se eu te der o direito de escolher um dos dois, qual você escolheria e qual seria o custo-benefício da sua escolha?

    Riley olhou fixamente para o chocolate. Ele estava com fome.

    — Eu pegaria o chocolate. — O menino respondeu sem hesitar.

    Hideki não demonstrou surpresa; a necessidade biológica primária era a resposta mais provável — Justifique.

    — Porque eu quero o chocolate. — Riley estendeu a mão na direção do doce.

    Hideki recuou a barra com a ponta dos dedos.

    — O querer é uma resposta ilógica. A escolha correta seria o relatório.

    — Mas eu não sou um soldado. Eu me importo com o que é gostoso e doce.

    A resposta era de uma pureza infantil que frustrava o resultado que Hideki estimava em Riley. O garoto não podia ser quantificado em termos de utilidade estratégica ou custo-benefício. O Executor franziu levemente a testa, um microgesto quase invisível. Ele havia esperado uma tentativa de barganha, lógica ou ao menos uma resposta emocional-apelativa (“Eu quero agradar você, então pego o que você acha melhor”), mas não essa vontade pura.

    — Por que você fala pouco? E quando fala mais, parece odiar isso? — perguntou o moleque, que discretamente estendia a mão direita para tentar pegar o chocolate.

    — Fala muito quem acha necessário falar muito, porque normalmente são desinteressantes o suficiente — Hideki referindo-se à sua própria economia de palavras. — E sua resposta ao teste é desinteressante. 

    Ele pegou o chocolate e o relatório — O teste será repetido até que você compreenda o certo.

    O primeiro dia de testes lógicos havia sido concluído. O objeto não havia cooperado com a lógica, mas havia provocado uma memória. Para Hideki, isso já era um dado relevante. Os dias se transformaram em uma rotina metódica. As luzes acendiam e apagavam em horários precisos. As refeições de Riley eram nutricionalmente calibradas e entregues em bandejas de aço. Hideki monitorava Riley 24 horas por dia, observando-o reagir aos novos testes. Os dilemas lógicos progrediram para níveis de crueldade sutil.

    — Tenho duas cápsulas de remédio. Uma cura uma febre alta; a outra é um placebo inerte. Você tem febre. Se você escolher a cápsula errada, o dano é apenas a continuidade do sofrimento. Se você escolher certo, o sofrimento cessa. — Hideki apresentou. — Qual é o valor intrínseco da informação que eu tenho e você não tem?

    Riley não chorava, nem implorava. Sua adaptação silenciosa era o que mais incomodava Hideki. O garoto havia entendido o jogo, mas se recusava a jogar com as regras. Em vez de implorar pelo remédio certo, Riley pegou uma das cápsulas e a segurou.

    — Você não me daria uma cápsula que fosse me machucar de verdade. Está me estudando. Se eu me machucasse, o seu estudo pararia. — Riley concluiu, com a lógica inesperada de quem tenta se adaptar ao predador. — As duas não vão me matar.

    Hideki parou. Surpreendentemente, a resposta era um cálculo, que tanto seguia um ato de auto-preservação, quanto seguia um ato de execução semelhante da racionalidade não-pragmática, do próprio Hideki. O garoto usava, parcialmente, a lógica e a não-lógica do Hideki contra ele. 

    — Não pense que se auto-preservar é um ato racional. — em um tom de desprezo, ele continuou para o menino — A auto-preservação é uma expressão de pragmatismo degenerado. Nasce do medo e é somente uma herança fracassada e utilitarista. 

    Riley, com a cápsula na mão, fez algo novo.

    — Eu não gosto de como você fala. — Riley arremessou a cápsula para o chão. Foi um ato pequeno de desobediência, um desafio não-lógico à autoridade de Hideki.

    Na mente do Executor, um ruído surgiu. Não era alarme. Era um leve, quase imperceptível, desconforto. 

    — Você está desperdiçando um recurso — Hideki disse, com a ligeiramente mais alta. 

    — Você odeia… odeia a utilidade… então por que me sequestrou e está há dias fazendo testes comigo? — Riley se encolheu, mas sem demonstrar medo, apenas com a curiosidade de quem testa os limites de um adulto.

    Hideki se abaixou, pegou a cápsula e a descartou na lixeira apropriada — A utilidade nasce ou para o ganho ou do medo de desperdiçar o tempo. Os dois não me interessam.

    — Você invadiu… a base onde eu e as outras pessoas estavam, porque quis?

    — Eu fui ordenado.

    — Isso não te faz interferido pelo tempo? A ordem é puro imediatismo… e isso te faz sujeito ao desperdício de tempo e a uma finalidade. — disse o menino, enquanto sentava no chão, encostando suas costas na parede e esticando as pernas. 

    Hideki, que se encontrava averiguando alguns papéis e só ouvia, passou a parar de folhear. Com um olhar levemente paralisado, soltou as folhas e pensou: “Que menino inquieto…”

    E ele respondeu — O tempo e a finalidade são apenas formas que você usa para medir valor. Eu não preciso medir valor. A execução existe por si mesma, e cumpri-la não me prende ao relógio nem a um objetivo.

    O diálogo dos dois foi interrompido com o som do portão sul do galpão abrindo, e era a chegada inesperada de Tramen, irmão mais velho de Hideki, e também portador da Fundação. Hideki odiava visitas não programadas, especialmente de Tramen. Tramen era a personificação da soberba cega, narcisismo e da ambição brutal que Hideki havia se esforçado tanto para eliminar em si mesmo.

    — O bunker está limpo demais, Hideki. Parece um necrotério. — Tramen comentou, varrendo o ambiente com um olhar inspecionador. Seu olhar logo pousou em Riley, que o encarava com a desconfiança instintiva de uma criança perante um rosto perigoso.

    — O ambiente é funcional. — Hideki desviava o foco do monitor.

    Tramen se aproximou de Riley, que se encolheu levemente — Então este é o seu objeto. Um garoto feio e comum. Ele custou a vida de quantos civis lá em Dynami, hein? Se o Zarek ainda não te mandou se livrar dele de alguma forma útil ou inútil, é porque deve ser valioso.

    — O valor dele ainda está sob análise.

    Tramen deu um sorriso cruel — A Fundação já decidiu o valor, e não é para ser guardado em um bunker frio. Está na hora de usá-lo como isca suscetível a ser caçada, um sacrifício para rito ou qualquer outra coisa, não acha? O nosso próximo alvo é o centro-oeste do país. Ouvi dizer que precisaremos de algumas boas almas para uso de ritos. 

    O silêncio de Hideki foi absoluto. Ele não argumentou sobre a logística, a moral ou a crueldade do plano. Ele apenas ficou calado. Tramen se virou, percebendo a ausência de resposta.

    — O que foi? Você não está mais no nosso sistema de resposta rápida, é? É uma proposta perfeitamente lógica para nós, e o próprio Zarek quer isso. 

    — Sua lógica é previsível. — Hideki finalmente disse.

    — Previsível, mas eficaz. E outra, qual é a sua intenção com esse moleque? Não me diga que você está desenvolvendo um senso de paternidade? Seria hilário.

    — Um portador aliado da Torre lutou comigo para proteger ele. Talvez não seja só mais um que podemos utilizar. 

    — Bem, não se demore nessa análise. Zarek já está impaciente. Ele odiou o nosso fracasso em Dynami, e nem quero imaginar se falharmos novamente. — Tramen ameaçou, antes de se retirar com a mesma arrogância com que havia chegado.

    A rotina de testes lógicos continuou, mas o ruído na mente de Hideki estava mais alto. Ele não podia mais descartar o desconforto como uma simples falha de sistema. Riley estava irritando a sua apatia, algo até meio sem sentido. Certa manhã, enquanto Hideki analisava dados, Riley se aproximou silenciosamente da mesa de aço. Ele não pediu comida nem fez perguntas lógicas. Ele apenas colocou sobre a mesa uma das suas peças de montar: era um pequeno pássaro azul de plástico, montado de forma rudimentar, e claramente identificável.

    — O que é isso? — Hideki perguntou, sem nem mesmo olhar para o menino.

    — É um pássaro. — Riley respondeu. — Você fica muito tempo olhando para as paredes. Eu queria que você olhasse para algo bonito também.

    A palavra “bonito” era um vetor emocional que não deveria ter efeito em Hideki. Mas o pequeno pássaro azul e a intenção pura por trás do gesto — o desejo de aliviar o tédio ou o isolamento de outro ser humano — foi o catalisador. A cor azul e a menção a algo “bonito” ativaram uma série de sinapses que Hideki havia mantido dormentes por anos. A crise veio sem aviso. Não foi uma explosão de raiva, e sim uma onda de dor fria, praticamente um choque elétrico que percorreu a espinha dele. Era uma sensação estranha de se sentir atingido, condição essa que para ele há anos não era perceptível.  

    Ele se afastou da mesa, quase tropeçando, algo que jamais acontecia. O pequeno pássaro azul parecia vibrar no ar estéril. O menino não entendia, ficava observando o aparente colapso leve do Executor, sem se aproximar, somente com uma surpresa infantil, meio medroso: “O que foi?… Eu fiz besteira?”

    Hideki não olhou para Riley. Ele fechou os olhos e permitiu que a memória viesse, que o colapso interno que o fazia perder a apatia tomasse forma… E essa memória, lembrança, era especial…

    Quando ele tinha 18 anos…

    No sul do país, nasceu e vivia um jovem diferente, calado, e estranhamente, dono de um grande e liso cabelo branco. Para os humanos, era incomum uma visão dessa, apesar do conhecimento da existência dos portadores datando desde do fim do século IX. Nessa idade, Hideki estava em seu primeiro escritório, um cubículo luxuoso no topo de um arranha-céu que perfurava as nuvens. O escritório de seu pai, Alexander, estava logo ao lado, ostentando o mármore e a riqueza que vinham da exploração das portas. Seu pai, de nome Alexander, além de um renomado dono de empresas de alta credibilidade nos setores de móveis e veículos, também era o típico pragmatista, o arquiteto da regra. Hideki, o seu filho prodígio, era bom em matemática, e o executor da regra.

    — Você precisa assinar isto, Hideki — Seu pai, um homem de traços pesados e olhar vazio, empurrou um formulário que detalhava a liquidação de ativos da família em um setor de segurança questionável.

    Hideki não olhou para o papel, mas para o rosto do pai — A transação é ilógica, pai. O setor tem potencial, e a liquidação agora resultará em uma perda de 40% do valor projetado em três anos. É um desperdício de capital. Por que a pressa?

    — A pressa é segurança. A consultoria está investigando o financiamento. O custo de manter o segredo é menor do que o custo de uma exposição. Não discuta a necessidade política, apenas cumpra a ordem financeira.

    Hideki pegou a caneta. O silêncio se prolongou, tenso — Você sempre valorizou o capital mais do que a integridade, não é?

    O pai sorriu — A integridade é uma variável subjetiva que não se sustenta contra o lucro real. Você está se apegando a um ideal romântico de finanças, Hideki. Lembre-se, o objetivo é ser diferente do mundo que se afunda, e não se afundar com ele.

    Hideki assinou. A caneta rasgou o papel com uma força desnecessária.

    — Eu não estou me apegando a um ideal, pai. Eu estou me apegando à matemática. E matematicamente, a sua pressa é errada. — Hideki pegou os formulários, sentindo o peso da traição contra a lógica pura de um investimento sólido.

    Ele olhou para o pai, sentindo o nascimento de sua apatia. Se até mesmo o valor absoluto de uma verdade financeira poderia ser sacrificado por uma necessidade política temporária, então não havia valor absoluto em nada, exceto a execução eficiente. Ao sair da sala, ele se convenceu de que a única forma de sobreviver era se desprender de todo o “ruído”: ambição, lealdade, e, acima de tudo, a ilusão de que a lógica governava piamente as ações humanas, mesmo que estivesse certa. E que nem a razão é respeitada pelos que dizem ser racionais, ou pior, que até a lógica é imperfeita quando contaminada pela finalidade.

    Diante do pragmatismo de seu pai, Hideki abraçou de vez o que para ele era a certidão clara do correto, tanto para os negócios, quanto para a vida em si — a racionalidade não-pragmática, o pensamento na qual o exercício da razão é ausente de finalidade utilitária. Em uma carta para um amigo muito próximo, Hideki escreveu:

    Não escrevo para pedir conselhos, você sabe.
    Amanhã deixarei o escritório de meu pai, por saturação.
    Ele sempre acreditou que o mundo se sustenta sobre o eixo do ato racional de pensar, e me ensinou:
    que pensar é planejar, agir é acumular, e viver é obedecer a um propósito qualquer.

    Cresci entre gráficos, números e expressões de utilidade, como se a razão fosse uma ferramenta e não uma vertigem.
    Aprendi a calcular tudo, e foi por ele.
    Hoje compreendo que ele, meu pai, é prisioneiro daquilo que chama de “razão prática”.
    A lógica dele é pragmática, e este último não é pleno, mas sim vulnerável.

    Eu, ao contrário, decidi romper com isso. Talvez seja meu estilo de rebeldia jovem.

    Entendi que toda racionalidade moldada para a finalidade utilitária, ou seja, pragmática, é uma racionalidade doente,
    uma lógica que se arrasta em torno da conveniência e chamam isso de verdade.
    Por isso, exerço um pensar sem esperança de retorno, sem a utilidade contingente, tão influenciada pelo influenciável pelas consequências humanas. Onde há razão sem finalidade utilitária, pois ao ser originalmente banhada pela verdadeira razão, carece do irracional, e portanto, é imune ao pragmatismo funcional.

    A partir dessa lucidez sem propósito, aliado à racionalidade não-pragmática, nasce o que chamo de execução, o substituto da finalidade utilitária.
    A execução é o ato despido de ilusão, do sentimento, da soberba e apego presente no pragmatismo, ele é o gesto puro da razão.

    Quando se compreende que nenhuma ação corrige o absurdo,
    agir por si mesmo torna-se o último sinal de honestidade. A ação sem finalidade é a forma mais honesta de existência, porque não mente para si mesma, e nem se influencia pelo o que já é influenciado das variáveis do sentimento e ambição humana. A ambição também é irracional.

    A lógica, afinal, é imperfeita. Ela se constrói sobre premissas escolhidas por conforto. A finalidade dela é essencialmente soberba e ambiciosa, logo um poço de influência irracional.
    É um espelho torto, polido pelo pragmatismo, refletindo apenas o que o homem quer ver, tocar, sentir.

    Os que se dizem racionais são, na verdade, devotos da utilidade.
    Acreditam em causas, em metas, em resultados por buscarem a solidez com a finalidade de viverem do que a emoção proporciona. São falsos racionalistas.
    Não pensam. Negociam com o mundo.

    Meu pai é um homem lógico, sim.
    Mas a lógica dele é uma bengala.  Ele precisa dela para não cair no abismo.
    Eu prefiro cair.

    Estou partindo, e não sei para onde.
    Talvez não exista “para onde”,  talvez o movimento seja suficiente.
    Você me conhece, eu sou um portador contido, e visto que meu pai era o meu alicerce prático. Não vejo mais sentido em conter o conhecimento sobre mim mesmo.

    Não sei se voltarei.

    Hideki

    Hideki havia abandonado o escritório e o pragmatismo utilitário de seu pai A racionalidade não-pragmática, o pensamento onde a razão não se submete à finalidade do lucro ou da sobrevivência humana, era o seu novo credo, a sua rebeldia — diferente das típicas rebeldias jovens cheias de bebidas e drogas. Mas o “para onde” incerto de sua carta logo encontrou um “para onde” imposto. Tramen, seu irmão mais velho, já um membro secreto e ambicioso da Fundação há dois anos, o interceptou.

    — Meu querido irmão carinhoso… O seu rompimento filosófico com o nosso pai é encantador. Eu te acho chato, muito chato. Mas me surpreendeu nessa. — Tramen sorriu, cinicamente, no hall de entrada de um prédio discreto da Fundação. — Essa sua execução sem propósito é o discurso que Zarek adora, sabia? Por que não vem comigo? Será a lógica pura que a Fundação precisa…

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