Capítulo 51: Curiosidade Mórbida
Kenji ainda de olhos fechados começa a pensar em várias outras coisas, distraindo sua mente com pensamentos desnecessários para a situação.
“Que merda que estou fazendo mesmo? Preciso me concentrar… Só isso? Isso é bem entediante, quanto mais rápido eu fizer isso, mais rápido termina.”
— Esqueça seus pensamentos triviais e se concentre na cachoeira, se não consegue fazer isso, você pode apenas ir embora daqui, pode morar na floresta, talvez seja a melhor opção para você. — disse Kallion. — Se desafie Kenji, tentativa e erro são sempre uma constante, mas se você não tentar, nunca vai acertar!
— Eu tô tentando, mas com você falando eu não consigo fazer isso!
— Essa é a graça desse treinamento, chegar num ponto que nem minha voz irá te atrapalhar. Continue com isso, minha voz não será o único desafio. — disse Kallion rindo.
Kenji respira fundo, foca sua mente no som da cachoeira. Era um grande ruído constante e repetitivo, similar a um rugido ou estrondo entre rochas, criando um efeito de eco.
Diante de tudo isso Kenji encontra calmaria ao escutar o som da cachoeira, um rápido estado de meditação que impressionou Kallion.
Mas logo foi tirado de sua calmaria com Kallion batendo em suas costas com um grande galho.
— Que merda foi essa?! O que você está fazendo? — perguntou Kenji sentindo o ardor do local que recebeu o golpe.
— A segunda coisa a aprender é nunca se desconcentrar. Permanecer firme para que não caia com um simples empurrão e seja tão resistente que a dor do impacto do galho em suas costas não te atrapalha mais. — disse Kallion.
— Isso simplesmente não faz sentido. Que método de ensino é esse? Não acho que esse foi o combinado!
— Apenas se concentre, conversamos isso depois.
Kenji permaneceu de olhos fechados tentando incessantemente se concentrar, mas constantemente Kallion o interrompia batendo com aquele graveto em suas costas.
Foi uma sequência muito irritante e desconcertante para que Kenji pudesse se concentrar em algo, ele chegou a duvidar de seus métodos e se perguntar porque ele estava naquele lugar.
Ele permaneceu porque não conseguia voltar, não se sentia pronto, não se achava digno de voltar para qualquer lugar que fosse.
Lembrou das palavras de Kallion sobre pertencer a algum lugar e pensou que aquele era o lugar que ele precisava estar naquele momento, fazendo sentido ou não.
Quando ele começou a lembrar de toda sua trajetória, a concentração começou a ficar mais fácil, sua mente cheia de pensamentos conflitantes focou apenas em uma coisa.
Kallion que ainda o atrapalhava percebeu que já não surtia mais efeito e enfim parou, se voltando para a margem do lago, apenas observando o garoto.
“Ele só consegue pegar as coisas no tranco, mas é um bom rapaz.” Pensou Kallion.
Assim a tarde já havia finalizado e começou a escurecer.
— Venha garoto, já está tarde, vamos comer e descansar. Chega por hoje! — bradou Kallion.
Kenji abre os olhos e observa o local em sua volta, o sol agora repousava sobre a paisagem criando uma atmosfera acolhedora e nostálgica.
Pequenos vagalumes aparecem criando uma bela iluminação natural junto aos sons de sapos e grilos que surgem devido a hora do dia.
Kenji vê Kallion na margem e segue ao seu encontro, descendo das pedras e andando pelo raso lago a sua frente.
Kallion sorri para Kenji que retribui um pouco envergonhado.
— Venha comigo! — disse Kallion.
Ambos retornam para o templo, indo para uma sala atrás do salão principal onde tinha várias mesas e cadeiras espalhadas por toda a parte. Era um lugar onde os monges e alunos costumavam comer.
Como em qualquer outro lugar do templo, estava bagunçado, porém tinha uma parte onde podiam sentar e comer sem se preocupar com a poeira.
— Você se saiu bem, mas tenho umas observações. — disse Kallion seguindo até o balcão para preparar a comida.
Kenji senta numa cadeira próxima para ouvir atentamente o monge.
— Quando nos concentramos em alguma coisa, principalmente na meditação, não usamos isso como um escape para fugir dentro de nossa própria mente. Estamos focados em um objetivo claro, no seu caso a cachoeira, mas você parecia focar em outra coisa, estava balbuciando coisas fúteis. — Kallion respirou fundo. — Amanhã você irá fazer a mesma coisa depois que limpar o salão e essa sala!
“Qual o problema dele? Esquece isso, vou fazer o que ele diz, é a melhor coisa que posso fazer agora.” Pensou Kenji.
Por um segundo Kenji deu falta de sua meia, não tinha visto ela com suas coisas quando saiu da cachoeira.
— Cadê minha meia? — perguntou Kenji.
— Ah, eu peguei ela por um tempo. Você não vai precisar dela no momento, depois te devolvo.
“Merda, até isso ele pegou. Isso está começando a se tornar irritante!”
Eles comeram apenas arroz aquela noite, não falaram nenhuma palavra enquanto comiam e após isso cada um foi para seu quarto descansar.
Já em seu quarto Kenji finalmente poderia descansar do dia que levou, ele estica seus braços e pernas relaxando seu corpo que estava enrijecido.
Ele olha para a estante ao lado e vê um pequeno livro, mais parecido com um diário, ele pega o mesmo e vê anotações antigas, aparentemente de antigos alunos do Kallion.
— Hm… então ele teve outros alunos, interessante!
Ele se interessa pelas coisas no diário e começa a ler, imaginando que poderia aprender mais daquele templo e de suas histórias.
“Dia um.”
“Escrevo este diário como forma de lembrança para o meu futuro ou futuros alunos dessa instalação, ainda não sei se ser monge é um bom propósito mas tem algo de interessante na fala desse mestre.”
“Dia quatro.”
“Não escrevi nos outros dias pois tudo foi muito entediante, apenas fiz o que ele mandou e cuidei das coisas enquanto ele meditava.”
“Dia sete.”
“Os ensinos dele começaram a fazer sentido, todo o poder que ele está me mostrando parece ser útil para algo. Eu quero mais desse poder.”
“Dia dez.”
“Que a paciência é uma virtude eu sei, mas o que esse poder é capaz de fazer me agrada e muito. Não quero mais saber de papo, quero a ação, os golpes e habilidades que ele demonstra são de outro nível, nunca vi nada igual.”
“Dia doze.”
“Aprendi outros fundamentos importantes, ele me ensinou a caçar e algumas coisas que posso usar para alcançar meus objetivos.”
“Dia treze.”
“Eu tenho a impressão que não estamos com o mesmo pensamento, talvez nossas diferenças entrem em conflito em algum momento.”
Kenji parou de ler as anotações até aquele ponto, percebeu que sim, aquele monge não era qualquer monge, o que despertou mais de sua curiosidade.
Com o sono batendo em sua porta, ele não conseguiu continuar, então deixou o diário sob a mesa e foi dormir.

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