Nathan só via escuridão. 

    Era como se estivesse se afundando num rio. As águas escuras engolindo a luz do sol, agarrando cada centímetro dele e puxando, levando-o para o fundo. Era quase aconchegante, mas não devia ser.

    Ele sentia que não deveria ser assim.

    Era tão morno, tão calmo, que parecia convidá-lo a ceder. “Pare de resistir”, era o que imaginava ouvir da morte falando. Na verdade, era como se morrer não fosse tão ruim.

    Não havia grandes motivos para continuar vivo. Não que ele fosse depressivo, ou algo do tipo, mas ele não estava tão afim de acordar. Dormir era bom demais. Morrer seria apenas um sono bom, o melhor e mais longo deles.

    Cada vez mais fraco, via as últimas forças se esvaindo.

    “Acho que posso…”

    Finalmente…

    “Me dar a esse luxo…”

    Merecia. Sendo espancado, caçado e sequestrado quase todo dia, nos últimos quatro anos, poucos foram os dias de descanso. Não estava feliz. Alegria era só uma dose de suspiro que ele bebia entre uma luta e outra… 

    No entanto…

    “O… o que é isso?”

    Era uma dor.

    “Uma dor no peito. Que estranho… eu já devia estar morto.”

    Era como se uma mão gelada, roçando a pele, acariciasse o coração, desenhando círculos e contornos sobre ele. Sensação não muito agradável. A sensibilidade era alta, tão alta que ele se contorceu (ou achou que fez isso).

    “Mer… merda.”

    E não parava.

    “Mas que droga! Eu não posso nem morrer?!”

    Parecia que não.

    “É… é, sempre foi assim.”

    Ele já devia ter se acostumado.

    “Tava bom demais pra ser verdade…”

    E então percebeu: “Pra falar a real… eu nem me lembro de… de como isso aconteceu. Não sei se estou deitado…”

    Nem se estava flutuando, caído, pendurado… era algo tão, mas tão vago… 

    “Como se algo estivesse fora do lugar…”

    A mão agiu tal qual se tivesse dito “sim”, quando sentiu uma pontada no coração.

    “AI, merda… é… eu não lembro de como vim parar aqui.”

    Mas sentia que devia. Parecia tão óbvio, tão óbvio que era estranho. As memórias… as lembranças estavam ali. Dizem que elas passam como um filme, quando se está morrendo, e isso… 

    “E isso não aconteceu. Eu só vejo… Eu só vejo escuridão.”

    Ou seja… 

    “Eu estou vivo.”

    E riu de si mesmo.

    “Novidade, né? Estou vivo. Digo, eu não estou inconsciente, nem sonhando…”

    Muito menos prestes a morrer.

    “É como deitar na cama, depois de um longo dia de trabalho… e simplesmente não conseguir dormir. Que estranho.”

    Deveria ceder ao cansaço. Sim, ele deveria, mas…

    “Não… não devo.”

    Era o que a mão parecia dizer.

    “É magia? Não… sim, quer dizer, deve ter um pouco de magia nisso. Mas não acho que seja a razão principal… parece algo… não sei. É muito estranho. Nunca senti algo assim”

    De repente, a sensação, o toque da mão mudou. Não era mais frio… era quente, como uma toalha morna, mas seca, tal como se tivesse sido retirada do sol do meio-dia.

    Em resposta, um rosto se formava no vazio.

    “Eu… eu sei quem é.”

    Linhas suaves ao redor maxilar, pele macia e branca como leite. Olhos amendoados, um tanto ameaçadores, mas igualmente convidativos. Lábios finos e bonitos. E os cabelos? Ah, os cabelos eram esverdeados… 

    “Esverdeados… sim, como o limão mais vivo entre os limões… como a grama virgem de um campo infinito no horizonte… espera.”

    A feição ficou mais nítida.

    — — —

    “Calma, calma, calma… eu não estou sozinho. É, é mesmo, eu não estou só… tem mais alguém…”

    Havia mais alguém ali.

    “Ji… Jikan! Kakeru Jikan! Sim… ela, ela tá aqui.”

    Com certeza, mas onde? 

    “Meu Deus, é verdade! Nós estávamos juntos…”

    Num encontro… 

    “Num date. Sim, isso mesmo. Foi depois da luta com…”

    Nome: Von Stahl.

    “Aquela vampira idiota. Tinha aquele… gadinho dela, que ficou puto comigo, por dar um ‘chega pra lá’ nela. Sim, sim, foi isso mesmo. Jikan ficou com ciúme…”

    Mesmo ele dizendo que não curtia esse tipo de coisa… 

    “Ela ficou mordida comigo, aí chamei ela pra sair… achei que ia animá-la, e animou, sim.”

    Mas…

    “…Como vim parar aqui?”

    O que aconteceu com ela?

    “Onde está Jikan? Jikan, Jikan! Ei, Jikan!”

    Mas era em vão.

    “Em pensamento… eu… eu tô falando em pensamento. Ela nunca vai me ouvir, porque eu…”

    Um estalo, uma lâmpada acesa no vazio.

    “Eu tô acordado… sim, só não consigo me mexer, e é exatamente por isso…”

    …Que não movia a boca.

    “Nem consigo abrir os olhos. É, eu tõ paralizado, só isso… nunca estive próximo da morte.”

    A hipótese de magia…

    “…Parece bem provável… Opa!”

    Outro estalo.

    “Foi exatamente isso que aconteceu…”

    Uma queda, um baque surdo, a consciência escapando na hora.

    “Mas como… não, quando?”

    Estalo.

    Cena: shopping center, duas e quarenta e cinco de uma segunda-feira.

    “Sim… eu posso ver. Consigo visualizar… está tudo aí…”

    Em uma mesa de quatro cadeiras, dois adolescentes trocavam olhares discretos, maquiados de casualidade semi-atuada, meio-fingida.

    “Não sabíamos o que pedir, muito menos o que dizer um para o outro.”

    Gostava dela, e ela parecia sentir o mesmo. Tinha essa esperança, ao menos.

    Ele ia pedir um milk-shake para dois.

    “Era o golpe de mestre.”

    A garçonete vinha animada… e parou. Imóvel.

    Estado: chocada.

    “O olhar dela vidrou, como se visse algo assustador, horrível, aterrorizante.”

    Voz: grito.

    “Ela deu um berro, um berro alto que assustou os outros.”

    Sequência: espanto.

    “Espanto coletivo. Todos os olhares se voltaram para nós, e nem tivemos tempo de entender o porquê. Logo tudo ficou escuro, e senti uma dor…”

    Um movimento: um soco.

    “Socos, um atrás do outro. Uma saraivada de socos. Vários deles, milhares deles.”

    Resultado: apagão.

    “Não sentia mais nada, e… e cá estamos.”

    Parecia lógico. Tinha cara, corpo e tom de magia.

    “Eu devia estar morto. Eu poderia ter sobrevivido aos socos, se estivesse esperando por eles. Minha defesa estava baixa. Meu corpo, desprotegido. Não teria resistido. Não deveria ter resistido…”

    Poder: Super Choice.

    “Ela tem isso, né? A Jikan tem esse poder estranho…”

    — Umas frases coloridas aparecem na minha frente, e só eu posso vê-las — foi o que ela lhe disse, certa vez.

    “Escolhas… super escolhas.”

    — E tudo… o universo faz o possível para que aconteçam. Minhas escolhas… elas são ordens cósmicas. 

    Nada poderia impedir uma decisão de Jikan. 

    “Esse é o poder do Super Choice: super decisões…”

    …Que nem a morte ousaria contrariar.

    “Então… é, parece ser isso. Parece ser esse o caso.”

    Era somente por isso…

    “Só por causa disso…”

    Que ele estava vivo.

    “Ela precisa que eu esteja, huh? Certo…”

    Queria dar um abraço nela… 

    “Mas… como?”

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