Índice de Capítulo

    O silêncio no depósito onde Koji e Tovah respiravam a poeira da vitória mal conquistada seria apenas um breve interlúdio, pois o caos agora foi estabelecido em outro local…

    A figura de Sam era o centro de toda a carnificina, também o artífice das mortes de Alex, Hanat, dos tecnocratas e de toda a série de ataques coordenados. Sua traição era o pivô de um eixo de destruição que forçou Koji a cruzar seu limite físico, e Tovah, a beirar o sacrifício pessoal, na batalha dos dois contra Deny. Contudo, tão ausente e misterioso para seus antigos aliados, Sam estava muito longe de preocupações com ferimentos ou exaustão. Ele caminhava. Especificamente na orla de Bertioga, litoral paulista, se destacava a figura em um contraste dissonante. Sam não combinava com a serenidade artificial daquele ambiente de férias. Sua presença era uma mancha escura e resoluta na paisagem litorânea.

    A camisa preta, justa sob o casaco branco – a única peça de cor clara em seu vestuário –, o casaco fechado e a calça preta utilitária, terminando no protótipo de tênis-bota, conferiam-lhe uma estética austera e funcional. E, claro, as luvas pretas, seu segundo manto, cobriam as mãos que empunhavam a essência da Alliance. Ele não se movia com passos minuciosamente mais ligeiros do que o ritmo vagaroso e despreocupado dos poucos transeuntes da orla. Ele cortava as vozes que não tinham pressa e cujo valor era nulo para a sua missão. Os olhares alheios, inevitáveis e curiosos, recaíam sobre ele. Havia centenas de indivíduos olhando, questionando a estranheza daquela figura tão séria, tão ensimesmada que era ele. 

    — Um incômodo, simplesmente — Sam murmurou para si mesmo. Ele repudiava aquele ambiente. O cheiro de maresia, a luz crua, a superficialidade do descanso humano. Ele estava desconfortável.

    A caminhada durou mais alguns poucos minutos. Finalmente, ele avistou o edifício que procurava, que era uma torre residencial de luxo, mais alta e mais imponente que as vizinhas, com fachadas de vidro espelhado. Sem desviar, ele cruzou a avenida, indiferente ao sinal vermelho e aos carros que pararam abruptamente, sem se importar em não ter usado a faixa de pedestre. Ao passar pela entrada envidraçada do prédio, ele não diminuiu o ritmo. O lobby era luxuoso, revestido de mármore polido e cromo. A recepcionista era uma moça nova, que com cabelo brilhante e maquiada, estava de cabeça baixa. 

    Sam somente caminhou para dentro. Pois bem, seus tênis-bota não emitiam ruído algum no mármore. Ele andou até o elevador, pressionou o botão para chamar o ascensor e, com o barulho mecânico da abertura das portas, a recepcionista, subitamente despertada do seu transe digital, levantou a cabeça.

    — Ei, quem é você?! — Ela se levantou de trás da recepção e correu com seus saltos no piso escorregadio. — Não pode subir sem falar comigo! Ei! Para! Polícia!

    Mas não houve tempo. O elevador já havia ordenado por Sam a ir ao último andar e ascendia em velocidade. Enfim, ele estava no último andar. Era um ambiente de luxo extremo com um corredor vasto, ladeado por grandes suítes e apartamentos de altíssimo padrão. Sam desfilava calmamente, mantinha o olhar à frente, enquanto recolocava suas luvas de couro. Ao identificar, ele parou na terceira porta à esquerda. Não havia nome, somente um sistema de segurança biométrico discreto embutido no metal liso. Ele tocou no dispositivo de comunicação em seu ouvido esquerdo.

    Efetivação final, Alliance; Iniciado! — ele afirmou, destituído de qualquer emoção. 

    Em seguida, sem hesitação, Sam desmontou a porta inteira no estronto potente de seu chute direito. O eixo da porta foi literalmente arrancado da estrutura, lançando a peça inteira a metros de distância dentro do apartamento. KRAKABOOOM! O barulho altíssimo e a abertura violenta do eixo deixaram Sam frente ao seu alvo máximo desde o início. Frente ao eixo inicial e final que obrigou ele a ter feito de tudo para chegar a este momento…

    E quem era? Era Alex. 

    O mesmo Alex que, na companhia de Koji e Amanda, Sam havia cortado o pescoço no escritório da ASHI. O efeito surpresa não existia, pois Alex olhou para ele com um sorriso pequeno e perfeitamente calmo.

    — Sam. Você demorou — Alex pousou o tablet na mesa de centro de vidro. — Eu sabia que você viria. Mas pensei que trouxesse o Koji consigo.

    Sam manteve-se no batente destruído, Ele retirou as luvas e as dobrou lentamente, colocando-as no bolso de seu casaco — Ele está ocupado matando os ratos menores que eu plantei. E o Koji não é problema meu. Meu problema é você.

    — Mas você cuidou dele quando era criança, não foi? Eu lembro disso… E quando vocês atacaram o meu escritório, pareciam tão conectados. Só usou dele, foi? — Alex fechou o tablet.

    — Eu não vim para conversar contigo. — Sam deu um passo à frente em direção a Alex, que logo respondeu, sorrindo. — Fico imaginando a possibilidade do Koji ficar em dúvida em quem deve matar nesse momento… Eu ou você? Ele não deve ter noção do quão enganado foi.

    Alex ergueu a mão e apontou para a porta destruída — E que entrada ruidosa foi essa? Ao menos sabe que eu desgosto de gastar com prejuízos não causados por mim? Viver aqui é caro, muito caro.

    — Eu tenho trinta minutos para te matar, e eu não vou me importar de destruir toda essa cidade para alcançar esse final.

    — Você me matou uma vez — Alex lembrou — E realmente havia acreditado, assim como Koji e aquela outra mulher também… Mas não foi verdade.

    — Eu não demorei para entender. Por isso que eu vim novamente, mas dessa vez para ser a solução final.

    No ouvido esquerdo, a Alliance se comunicou com Sam, informando: “Agente-portador Sam, tenha conhecimento da técnica de poder do Alex, é Dinheiro. Infelizmente, por ele não estar presente nos bancos de dados da nossa Inteligência, as nossas informações detalhadas são limitadas em relação o quão versátil e ampla são os componentes e conteúdos dessa técnica. Mas só saiba que precisa estar focado. Não sabemos o que ele pode fazer, afinal com essa técnica.”.  

    O silêncio que se seguiu foi denso. Alex descruzou as pernas, se inclinou para frente e retirou seu sorriso, dando lugar a uma expressão de foco calculista — A solução final… Vamos ver se vai durar contra deus. 

    “Contra deus?” Pensou Sam, confuso e, mesmo encarando seriamente seu alvo, se aprofundava em seus próprios pensamentos “A técnica dele é Dinheiro… Como pode funcionar a técnica de dinheiro?… Pensa… Pensa…”, e a resposta de Sam para as perguntas que ele mesmo fazia foi imediata.

    — Irei começar baixo, sem apelar para o melhor que tenho… Assim, conseguirei entender nas entrelinhas como a técnica dele se manifesta, como age. — Ele concluiu, sussurrando.

    — Vai querer que eu comece ou vai cumprir o que está ameaçando logo? — Sorrindo, Alex se levantou da cadeira.

    Vide: Ambiente!” Sam ativou sua técnica de poder…

    Essa técnica “Ambiente” permitia ao usuário manipular e controlar o ambiente ao seu redor de diversas maneiras. Esta técnica conferia ao portador a capacidade de alterar as condições ambientais para criar vantagens estratégicas em combate, defesa e outras situações. As habilidades vertentes de “Ambiente” incluíam a manipulação do clima, terreno, e a criação de ilusões ambientais.

    E em seguida, acionou “Manipulação do Terreno Simples!”, logo o piso de mármore polido e caro sob os pés de Alex rachou com um ruído baixo e penetrante. Uma pequena elevação de concreto bruto surgiu, apenas o suficiente para desequilibrar um humano comum. Entretanto, Alex nem se moveu. Ele continuou em pé e parado, sem ser influenciado.

    — Vai ter que vim logo com tudo se quer me matar! — Alex zombou, e simplesmente estendeu a mão esquerda, tocando na mesa de centro.

    A mesa de vidro, avaliada em dezenas de milhares de reais, perdeu sua forma. O vidro temperado se liquefez instantaneamente, não como calor, mas como uma recusa da matéria em ser matéria inerte. O vidro liquefeito caiu no chão e se transformou em uma pilha de moedas de ouro puríssimo. A pilha de moedas de ouro era desnecessária para o seu uso, e servia como uma declaração de guerra simbólica. O dinheiro fluía para Alex como a poça que aumentava sua Energia Interna em um nível quase insondável, infinito.

    Sam revelou uma expressão de cautela, confirmando a dificuldade prevista — Entendido. Sem desperdício de bens valiosos… Não é possível que a técnica dele seja ao mesmo tempo tão literal e não tão literal. Isso vai complicar as coisas, mas…

    “Manipulação do Terreno Avançada!” Sam escalou seu poder, agora na escala de versatilidade da Quarta Classe. O chão sob Alex se levantou com velocidade e violência em uma vala profunda, buscando derrubar tudo, inclusive Alex, do apartamento para baixo, fundo, tanto para forçá-lo a queda quanto para deixá-lo supostamente em desvantagem. O objetivo era deslocar Alex e separá-lo da mesa e dos bens valiosos. ZASSS! Mas uma coisa terrível surpreendeu Sam, pois Alex não estava onde ele imaginava. Ele desapareceu. Ele não saltou, nem se moveu fisicamente da forma tradicional. Ele simplesmente não estava mais lá. A poltrona de couro e o imóvel, que majoritariamente estava distorcido e em destruição gradativa se encontrava, caiu na vala profunda criada pela terra.

    Sam buscou com o olhar. Alex estava agora encostado na parede oposta à entrada, cruzando os braços. Ele tinha um cartão de crédito na mão, girando-o lentamente entre os dedos — Sua velocidade é impressionante — Alex admitiu, com um brilho de respeito frio em seus olhos. — Mas você sabe o que eu posso fazer com um cartão de crédito?

    A vala no chão se fechou com o comando de Sam. Ele não respondeu ao desafio. Ele escolheu a desorientação.

    “Ilusões Ambientais Intermediárias!” Sam decretou.

    O apartamento luxuoso desapareceu. O chão de mármore tornou-se instantaneamente uma floresta densa, o cheiro de terra deu forma ao de musgo e pinho. O teto alto se transformou em copas de árvores escuras, e a luz suave do entardecer deu lugar a uma neblina pesada e fria.

    Mas Alex não demonstrou surpresa. Ele simplesmente deu de ombros.

    — Um truque de mágica barato — Alex bateu o cartão de crédito no vidro imaginário da parede. — Eu vejo o mundo não como matéria, mas como valor. Sua floresta vale zero.

    — Tá de sacanagem? O que tá falando? — Sam demonstrou uma leve raiva, pois estava extremamente confuso como a técnica Dinheiro do Alex, funcionava. Era difícil lutar contra um oponente cujo na sua cabeça preocupada, podia fazer qualquer coisa.

    — Sua floresta vale zero, Sam!

    BA-BUMM! A explosão não veio de Sam. Veio da parede de vidro imaginária que Alex tinha batido o cartão. O poder de Dinheiro criou um ponto de ruptura no tecido da ilusão, como se o valor monetário fosse mais real do que a realidade alternativa de Sam.

    Apesar da surpresa, Sam saltou para trás, vendo o efeito imediato do poder do adversário. E na sua mente, continuava a sua análise sobre Alex: “Ele não invoca a habilidade, nem a técnica, então significa que o Dinheiro é uma técnica essencialmente material, sem exceção. Ou seja, ela é realmente literal na essência dela. Por ser literalmente uma técnica de caráter cujo sua essência é de fato material, que é a identidade do dinheiro, Alex não está nas mesmas rédeas obrigatórias de nós portadores de técnicas não-humanas, pois a técnica Dinheiro dele é humana… Por isso é impossível prever… Mas… Tem mais coisas que eu ainda não sei sobre ela e que eu tenho que saber o quanto antes…”

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