Ano 10.345, 12 de Primus Forjacruor, EBT.

    O silêncio nos aposentos imperiais da Cidadela de Terra-Prime era uma mentira. Era uma quietude fabricada, mantida por campos de anulação sônica que separavam a câmara do zumbido incessante de um império em guerra perpétua. Na vasta cama de suspensão magnética, os lençóis de synth-seda negra estavam emaranhados em torno de dois corpos nus.

    Gala-El observava a luz artificial do amanhecer pintar listras pálidas através das persianas blindadas. Cada partícula de poeira que dançava no feixe parecia gritar a heresia que haviam cometido.

    Ao seu lado, Ga-El dormia o sono dos justos, ou talvez apenas o sono exausto de um homem que carregava o peso de um império em seus ombros. Ele era seu irmão gêmeo, seu amante, seu co-conspirador. O Sacrifício que se recusou a morrer.

    Ela traçou a linha da cicatriz que marcava o peito dele, uma lembrança da batalha que lhes dera o trono. Ele se mexeu, os olhos abrindo-se lentamente. Não havia sonolência ali, apenas a vigilância predatória que o definia como o guerreiro mais letal da humanidade. Um sorriso curvou seus lábios quando a viu.

    “Você não dormiu”, ele sussurrou, sua voz um trovão contido.

    “Os fantasmas estão barulhentos esta manhã”, respondeu ela, sua mão deslizando do peito dele para o seu próprio ventre, agora visivelmente inchado.

    Ga-El se apoiou em um cotovelo, sua expressão suavizando. Ele colocou a mão sobre a dela, seus dedos calejados de segurar uma espada de energia contrastando com a pele pálida dela. Ele acariciou a curva de sua barriga com uma reverência inesperada, que desmentia sua reputação.

    “Não são fantasmas”, disse ele. “É o som da liberdade.”

    Gala-El balançou a cabeça, um medo antigo e frio se contorcendo em seu peito. “Quebrámos tudo, Ga-El. As leis do Progenitor, a santidade da linhagem… o Tabu.”

    “Nós nos libertámos, Gala,” ele insistiu, sua voz firme. “Por milênios, nossa família tem sido uma procissão para o matadouro, marionetes dançando nas cordas de um deus ausente. A vontade de Adel… eu não a sinto mais. Não desde que…” Ele olhou para a barriga dela. “Foi graças a esta criança. A esta vida. Ela quebrou a conexão.”

    Ele estava certo. Desde que a gravidez se confirmara, o sussurro psíquico de Adel, que assombrara cada Imperatriz de sua linhagem, havia silenciado.

    “Mas a que preço?” Gala-El perguntou. “Ela nos protegeu quebrando a lei mais sagrada de todas. O que nascerá de nós, Ga-El? Que tipo de poder… ou corrupção… estamos trazendo a este universo?”

    “Poder para garantir que ninguém mais se sente neste trono como um sacrifício à espera,” disse ele, sua mandíbula se contraindo. “Poder para terminar esta guerra.”

    Ele se inclinou e a beijou, um beijo que era ao mesmo tempo terno e desesperado. Por um momento, eles eram apenas amantes em um mundo que os condenaria. Mas o momento passou. O peso da coroa de Éter era inexorável.

    Ambos se levantaram. O processo de se vestir era um ritual em si. Servos-autômatos silenciosos emergiram das paredes, trazendo as vestes do poder. Para Ga-El, era o uniforme negro e dourado do Campeão da Humanidade, uma malha de nanofibra sob placas de armadura cerâmica que zumbiam com escudos de energia contidos. Para Gala-El, era o vestido da Imperatriz, um tecido branco iridescente que parecia tecido de luz, adornado com filigranas de metal vivo que se contorciam lentamente, seguindo os contornos de seu corpo e escondendo sutilmente sua gravidez.

    Ela era a líder religiosa, a guardiã do sangue. Ele era o líder militar, o punho do império. Juntos, eles eram uma heresia no trono.

    As portas de seus aposentos se abriram, revelando os corredores vastos e frios da Cidadela. Obsidiana polida revestia as paredes, onde tapeçarias holográficas celebravam as vitórias míticas de Adel. No ar estéril, apenas o zumbido distante dos sistemas de suporte de vida do palácio quebrava o silêncio.

    Eles caminharam lado a lado, não como amantes, mas como os dois pilares de um regime usurpado. Gala-El, a Imperatriz. Ga-El, o Príncipe, seu irmão. Seus rostos eram máscaras de autoridade fria.

    Dirigiam-se à sala do trono, não para governar, mas para confrontar o fantasma de sua traição. O Imperador os esperava. Não Ga-El, mas o homem que ele deveria ter sido: o esposo de Gala-El, agora um prisioneiro em seu próprio palácio. O homem que eles haviam traído para ficarem juntos. Osnozor.

    A cada passo em direção à sala do trono, o peso da decisão recaía sobre Gala-El. Não era o temor do Imperador deposto que a assombrava, mas a inescapável realidade do que estava por vir.

    O ritual pairava como uma sombra — um ato terrível que tradicionalmente exigiria o sacrifício de Ga-El, tornando ainda mais desesperadora a busca por uma solução para o seu sofrimento atual.

    Um pesar profundo a invadia ao vê-lo definhar, consumido pela heresia que lhes dera o trono, a sua força vital drenada pelos gêmeos que carregava em seu ventre. Era preciso legitimá-los, era preciso encontrar uma saída para a agonia dele, e ela se agarrava a qualquer caminho, por mais amargo que fosse.

    Os filhos que silenciaram Adel, a sua liberdade conquistada, pareciam agora a chave que os trancara neste destino terrível, nesta busca por uma única e sombria solução.

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