Capítulo 116 - O etéreo e os feéricos
A floresta se encaminha cada vez mais ao anoitecer. O sol, cada vez mais próximo de desaparecer no horizonte, tinge as árvores de laranja.
Rubi olha para a raposa desacordada em suas mãos com um semblante incomodado. “Foi a mesma coisa que aconteceu com o Brok”, ela afirma.
“Ela não reagiu bem ao impacto do acordo no corpo dela”, Byron pontua.
“Percebi…”, diz a diaba, suspirando frustrada ao final. “Achei que isso só pudesse acontecer com algo mais drástico, como uma manipulação de alma ou de poderes.”
Por que isso continua acontecendo?, ela se pergunta. Até onde sei, foi só um pacto padrão, com termos e tal.
Uma hipótese emerge entre os pensamentos de Rubi.
“Será que ela já absorveu da minha magia?”, ela pergunta, olhando para Byron. “Eu propus isso nos termos, mas estava pensando que a parte de fornecer mana deveria vir de algo externo da parte dela, com aquele vínculo que ela disse. Não tem como eu automaticamente fazer esse vínculo mágico sem saber como ele funciona… tem?”
Um demônio não consegue propor nos pactos coisas que ele não pode ou não sabe como fazer. E eu não sinto a minha mana reduzida além da gasta no pacto, ela constata.
O diabo nega, balançando a cabeça para os lados. “Isso não seria possível”, ele responde, firme. “E você tem razão. A senhorita se dispôs a fazer o vínculo, mas não que ele seria feito por meio do pacto.”
Byron aproxima-se da raposinha e começa a examiná-la de cima a baixo. Ele mexe na cauda, levantando-a pela ponta, depois a deixando cair novamente. “Provavelmente o próprio ato de fazer o pacto a abalou mais do que pudéssemos prever”, ele supõe.
“E isso é normal de acontecer?”
“Não seria estranho para um ser que depende de magia natural para sobreviver”, Byron afirma. “Também é um dos motivos para espíritos não fazerem acordos com demônios. É bem desgastante para eles.”
Uma dúvida salta aos olhos de Rubi. “Magia natural e espiritual têm a mesma origem?”
Byron fica pensativo por um momento, elaborando uma forma de responder. “Na prática, sim. Funcionam quase da mesma forma”, ele responde.
Ele coloca o dedo sobre a marca na testa da Yrah. “Magia natural seria uma forma mais simples e primitiva de se trabalhar com a mana. Uma forma mais crua em que o corpo se adapta para produzir magia. Como essa criatura com marcas, ou a baforada de um dragão, talvez até mesmo os gritos daquelas aves insuportáveis. Há pouca modulação de mana com essas adaptações. Os mortais também conseguem usá-la em algum grau.”
“Tipo druidas?”
“Não sei se posso confirmar isso. Não entendo muito das separações dos magos humanos, mas eu diria que essa forma de magia seria mais comum entre elfos e mortais afastados de grandes cidades.”
Rubi acena em concordância com a afirmação. “Uhum, entendi”, diz ela.
Com certeza druidas, ela conclui.
“E a magia espiritual?”, questiona Rubi.
“Magia espiritual é algo parecido. Já ouviu falar do plano etéreo?”
A diaba para um pouco, antes de responder. Etéreo… esse nome estava em algumas explicações de habilidades. Um lugar para onde alguns objetos vão quando desaparecem, mas soava mais um texto de ambientação do que algo técnico, ela relembra.
“Já ouvi falar. É onde suas roupas ficam guardadas quando você se transforma, não é?”, Rubi pergunta. “Não sei muito além disso.”
“Sim. Interagir com o plano etéreo, de uma forma ou de outra, é uma característica intrínseca de seres que não dependem de corpos de carne.”
O demônio estende a mão no ar e começa a fechar o punho, como se agarrasse o ar.
“Resumindo muito, esse lugar existe em paralelo a este, ocupando o mesmo espaço. De lá, ainda é possível enxergar este mundo, mas apenas como um eco esmaecido e sem qualquer possibilidade de interação física. Já deste lado, não conseguimos vê-lo, no máximo, podemos apenas percebê-lo de forma sutil, por meio das flutuações e da magia. Pois, lá, a mana flui diante dos olhos, como a água corrente de um rio.”
“Esse lugar soa bem… mágico”, Rubi comenta, levemente surpresa. “Bem mais até do que aqui.”
“Além disso, demônios são intimamente ligados ao plano etéreo”, ele pontua.
Rubi franze a testa. “Em que sentido exatamente?”, Rubi questiona, num misto de receio e curiosidade.
“Além de ser onde nossas existências reais repousam enquanto estamos invocados em outro lugar, é para lá que vamos quando a nossa forma física é destruída, enquanto aguardamos a regeneração de um novo corpo.”
“É… não tinha isso de onde eu vim”, a diaba constata.
Até onde eu sei, quando nossa vida caía a zero, a gente tombava e tudo começava a ficar cinzento enquanto os olhos se embaçavam. Tinha uma brecha de alguns segundos para ser revivido, ou então a gente ia para a região de espera até reviver naturalmente no spawn, ela pensa, relembrando-se.
“Parece um lugar bem importante”, conclui Rubi.
“Alguns chamam esse plano de Reino Espiritual, pois, desde antigos guardiões de florestas até fantasmas amaldiçoados, é lá onde quase todos os espíritos que vagam por essa terra residem em algum momento. Os seres que surgem naturalmente nesse ambiente são chamados de Espíritos Verdadeiros.”
“E esses são os que vivem aqui nessa floresta. Certo?”
“Exato. São criaturas com um corpo formado de pura mana. Aqueles que residem em florestas normalmente manipulam a mana em seu estado mais natural. Porém, quando isso ocorre no outro plano, a mana é mais livre e possui efeitos mais poderosos. Isso é chamado de magia espiritual. Na prática, as duas possuem a mesma origem.”
“E a Yrah?”, Rubi pergunta, estendendo a raposa ao diabo. “Ela não é um espírito, mas tem alguma ligação com eles.”
“Bem, normalmente magia é capaz de interagir entre os planos. Lugares com muita concentração de mana em seu estado natural encurtam a distância de um plano para o outro e criam as regiões de magia densa. Se é espiritual ou natural, depende de qual lado tem mais mana. Nesses locais, além dos Espíritos Verdadeiros, criaturinhas como essa e aquele Ente brotam como água.
O diabo encara o teto da floresta antes de continuar. “Se não me engano, esse tipo de ser que nasce e depende da magia natural leva o nome de criatura feérica”, ele pontua.
“Saquei. E por que esse pessoal da magia natural é tão sensível à magia sombria?”
Byron ri baixo, o som quase abafado. “Bem, é porque eles não são capazes de lidar com uma forma tão superior de magia”, declara, enquanto sua cauda balança com calma predatória. “A nossa é muito mais refinada e complexa. Para seres que dependem de uma forma simples de magia para manter seus corpos funcionando, a interação entre as duas pode causar um grande impacto.”
Após a explicação, Rubi olha para a pequena Yrah em suas mãos. Ela sente o coração da vulpina batendo enquanto respira lentamente. “Então… não tem muito o que possamos fazer com ela por agora”, ela comenta.
Depois, traz a raposa para perto de si, abraçando o animal contra o peito com delicadeza, como um animal de pelúcia.
“E quanto a nós?”, questiona Byron.
“Bem, acho que podemos parar por aqui…” Antes de continuar, Rubi mais uma vez encara a raposa entre seus braços e, em seguida, olha para a arma de Byron fincada no chão, ao lado da garra-cinza morta. “Até que hoje foi um dia bom, não concorda?”
O demônio acena. “Se me permite, eu poderia dizer que foi bastante… proveitoso”, ele afirma com um sorriso largo.

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