Índice de Capítulo

    Respirar não era mais involuntário; pelo contrário, estava difícil. O pulmão precisava de mais e mais ar a cada segundo que se passava.

    A mente, antes não pensava em nada, agora questionava tudo. Mesmo com seu ataque mais desesperado, não havia nem sequer um rastro de dano.

    “É possível vencer…?”

    Bastou uma semente da dúvida para florescer uma floresta infinita. Os braços cansados mal conseguiam se manter na guarda sem se tremerem.

    Sua mente não imaginava mais um futuro em que a vitória era possível. Diante do deus do abismo, o que sua existência fraca conseguiria fazer?

    “É… Não tem como.”

    Finalmente ela apareceu: a tão conhecida sabotagem da mente, sussurrando mentiras incontáveis vezes até o improvável tornar-se uma certeza.

    Não é necessário socos para derrubar campeões. Desde que sua motivação seja quebrada, não haverá motivos para erguer o pescoço, e era isso o que acontecia.

    Os olhos não encontravam a luz da esperança para brilharem. Seus dedos gentilmente abandonavam a palma; afinal, cerrar o punho não fazia mais sentido.

    Antes que pudesse explorar totalmente o horizonte de seus poderes, tanto o corpo quanto a mente já haviam desistido da batalha sem que ela terminasse.

    E lá se encontrava seu estado: respiração fadigada, com os braços entregues à desistência do chão, enquanto os joelhos mal encontravam motivos para ficarem em pé.

    A divindade observava cada detalhe com olhares frios e fixos. Seu alvo havia desistido de lutar, mas não significava que seu espírito tinha quebrado.

    Um riso discreto escapou dos lábios. Os olhos permaneciam confiantes, sussurrando ao horizonte: “este experimento parece muito, muito interessante.”

    Em seguida, apareceu na frente de Luna, que nem sequer levantou o pescoço para cumprimentá-lo, ainda que soubesse que ele estava ali.

    — Levante-se quando sua alma gritar, jovem moça.

    Logo depois, apontou o dedo onde já havia danos: a barriga. E então, sem nem precisar tocá-la, seu ataque havia sido disparado em uma velocidade irreconhecível.

    Os olhos de Luna viravam-se no mesmo instante. Sangue tornou-se o novo nome das salivas, vomitadas sem um pingo de hesitação. Seus pés nem pensaram em tentar prestar apoio, era impossível. O corpo entregava-se ao vento, que a levou ao solo gentilmente.

    E lá permaneceu, abraçada ao ridículo. As mãos grudavam na barriga, enquanto os joelhos se encolhiam para que não houvesse gemidos de dor.


    Após, no máximo, três minutos, passos ecoavam pela floresta. Não eram calmos, tampouco coordenados; o desespero tomava conta de cada um deles.

    As gramas gritavam em todas as direções: “Aqui está ele!”, enquanto o vento não dava a mínima importância para sua existência atualmente miserável.

    O suor caía de forma constante, mas não era tão desastrado quanto a respiração ofegante, que, ainda que não houvesse força alguma nos pulmões, continuaria persistindo.

    Infelizmente, a história foi diferente para os seus pés, que logo cessaram a corrida, comprometendo-se com o cansaço vindo da alma.

    Esse foi o destino de Arthur. As pálpebras mal conseguiam ficar de pé, e as palmas entregavam-se ao apoio que só os joelhos podiam oferecer.

    Os instintos ainda não tinham percebido, mas a divindade já estava ao seu lado, observando-o tranquilamente enquanto mantinha as mãos nas costas.

    — Presumo que tenha voltado para o bolo, senhor Arthur?

    Lá estava a voz que destruiu seu espírito só de existir: ecoando pelo universo, mas o pior de tudo encontrava-se no pequeno grande detalhe: estava ao seu lado.

    Não houve raciocínio, apenas ação. Antes dos olhos se abrirem, os pés haviam pulado para trás, em uma tentativa fútil de evitar um confronto inevitável.

    — Infelizmente, você chegou muito tarde para receber a fatia.

    E o que mais temia estava acontecendo: aqueles malditos passos se aproximavam calmamente, e tinham toda certeza do mundo de que nada era páreo.

    — Mesmo que seja só dessa vez, recomendo que olhe para mim.

    Todos os seus instintos o diziam para não obedecê-lo, mas essa não era a melhor das alternativas. Ainda que a hesitação esmagasse seu pescoço, fez como pedido.

    Surpreendentemente, o que via era diferente do que imaginou. A divindade não estava à sua frente encarando-o de uma forma bizarra; na verdade, estava ao seu lado, apontando para algo distante.

    As sombras, conscientemente, tornavam-se um pouco mais luminosas para que os olhos de Arthur alcançassem o que o ser supremo queria que ele enxergasse.

    Uma figura deitada no chão, encolhida em si mesma. Os restos das gramas coexistiam em seu traje, como se aquela pessoa fosse um morador de rua, mas não era qualquer ser humano, era sua mãe.

    — A vida dela vai depender do seu desempenho. Não decepcione, sua existência também depende disso.

    Para ele, as palavras eram como o vento. Podiam vir quando quisessem, e sair a qualquer hora, mas, naquele instante, não tinham importância alguma.

    Seu mundo perdia a cor sem pressa. Os olhos arregalados só prestavam atenção em uma única coisa, e os lábios entreabertos não sabiam mais como suspirar.

    bA…dUmP…?

    O coração tropeçava no próprio pulsar. Por um momento breve, esse era o único som que Arthur conseguia ouvir, e não demorou muito para desaparecer.

    Seus instintos faziam os olhos encararem a divindade à sua frente, e ele ainda era imponente, e tão absoluta quanto sempre foi desde o início de sua existência.

    Contra ele, o que conseguiria fazer? Sua vida não foi desfeita com um simples toque porque ele não quis, mas esse fato realmente importa agora?

    As indagações, o medo, o raciocínio, e, por fim, a mente. Tudo ia embora com o seu suspiro, até que sobrasse o vazio, o único capaz de destravá-lo.

    Existe a possibilidade de morrer ao tentar confrontá-la? Ou de, até mesmo, deixar de existir só de simplesmente não tentar? No fim, essas perguntas, que não chegaram até ele, não tinham mais importância.

    No lugar do vazio, algo começava a crescer. Não era confortável, e nem agradável. Não tinha cor, mas sua presença permeava por todo seu corpo; e, ainda mais importante do que isso, era seu nome: loucura.

    A ausência de um plano dominou o todo. Se o soco vai acertar ou não, pouco interessa. Causar danos? Já sabia que a chance era menor do que um, no entanto, desde que não fosse zero, valia a pena tentar.

    E então, ele fez o que era necessário: abandonou a própria existência, e deixou para trás qualquer instinto de sobrevivência, tudo em um único grito.

    O pé direito fez seu primeiro movimento para a frente, e firmou-se no mesmo instante, criando um terreno palpável para o avanço do esquerdo.

    A palma esquerda fechada, segurando o destino da vida de sua mãe, avançou ainda mais rápido do que um trem a todo vapor, rumo ao rosto daquele ser.

    Por sua vez, os lábios da divindade permitiram escapar um pequeno riso orgulhoso, junto a um sorriso discreto, entregando a satisfação que o abraçava.

    Dessa forma, também firmou os pés no chão. Sua vontade divina sussurrou: “eu não quero recuar”; e, sendo assim, deixou a responsabilidade da esquiva ao pescoço e ao tórax.

    E assim foi feito. O ataque desesperado de Arthur foi desviado pelo ser supremo sem um pingo de esforço, no entanto, ainda não tinha acabado.

    Com a falha da esquerda, foi a vez da direita, e ela vinha ainda mais rápido do que a anterior, prometendo a si mesma e para o mundo que acertaria o alvo.

    Ainda que fosse tão veloz quanto um raio, não era o que desejava ser, e, como resultado, teve uma falha tão humilhante e previsível quanto sua antecessora.

    Mas, nada disso importava. Em um período de dez segundos, Arthur tentou incontáveis vezes. Cada soco era mais forte e mais veloz do que o outro, mas nenhum sequer chegava perto de encostar na divindade.

    — Não me causa um arranhão…

    Essa foi a resposta do deus que se divertia enquanto se esquivava dos golpes, observando o próximo ataque chegar em uma velocidade decente.

    Sendo assim, resolveu fazer diferente. Em um instante, retirou a firmeza dos pés e girou seu corpo, deixando o ombro direito alguns centímetros à frente do golpe de Arthur.

    E então, começou seu show divino: o pé direito avançava para a frente e recuava logo após, apenas para o esquerdo fazer o mesmo movimento.

    Permaneceu assim por um breve momento, mas era o suficiente para fazer o som do relógio universal bater cada vez mais devagar.

    Como se não bastasse, lá estava a cor do mundo: entregando-se ao tom de cinza conforme o ritmo tic-tac ficava tão lento quanto se estivesse parado.

    Em consequência, tudo ao redor do ser divino parou, inclusive a movimentação do corpo de Arthur, mas seu show ainda não tinha encontrado um fim.

    Seu corpo desapareceu em um instante, brincando com a lógica humana. Em seguida, reapareceu na frente do adversário, com a palma direita aberta enquanto a outra descansava nas costas.

    Depois, movimentou-a suavemente à frente da face de Arthur, sem encostar um dedo em seu rosto, permitindo apenas que o seu vento pousasse lá.

    Logo em seguida, o tempo retomou a postura, devolvendo ao mundo a cor que era dele por direito, voltando seu caminhar logo depois…

    … Entretanto, a divindade não precisava mais dele. O mover de sua palma foi forte o suficiente para criar um tapa mais poderoso do que todos os socos anteriores.

    Arthur cambaleou para trás enquanto o nariz vomitava sangue; os joelhos se esforçavam para não cair, e os olhos eram obrigados a ver o sorriso satisfeito da divindade.

    — … Preguiçoso, vai ter trabalho!

    Próximo capítulo: As Chamas do Sobrevivente.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (1 votos)

    Nota