Capítulo 501: Selvagens
— Eu… me rendo, irmão — sua voz saiu mais alta a medida que Dante forçava seu braço mais para trás. Dante sentiu que podia terminar com ela ali mesmo. Sua força tinha se recuperado um pouco, menos do que tinha quando lutou contra o Rastro, mas era suficiente para causar um estrago.
Vendo a cara de sofrimento dela e cada gemido que soltava quando o ferro que envolvia seu corpo se contorcia, Dante teve certeza de que Appos tinha devolvido algo que ele queria tanto. Mas, com esse poder novo, ele não poderia simplesmente demonstrar para todos que estava de volta.
O comentário de Appos tinha sido claro: outros iriam até ele, querendo sua cabeça.
A mais nova missão tinha que ser sua prioridade. Além de manter sua cidade viva. Cuba e Clara eram seu ponto de partida, não poderia deixar tudo para trás somente porque recuperou uma parte do que ele era.
Se fosse verdade, teria como recuperar mais do que somente isso. Se Appos não tivesse mentindo, então, aos poucos, sua força poderia se recuperar. E isso incluía mais do que somente sua habilidade de conversão, até mesmo a habilidade do Bastardo voltaria.
— Então, você realmente se rende. — Dante jogou o braço dela pra trás, a deixando sentar desorientada ainda. — Mostrar suas garras pra mim foi suficiente para entender que não é diferente daqueles dois lá fora. Sorte a deles foi que eu não consegui mostrar minha benevolência. Você mostrou a sua, então, farei o mesmo.
— Não. — Ela esticou as duas mãos, se afastando ainda sentada. — Por favor, irmão. Perdoe minhas dúvidas. Eu realmente acreditei que fosse um daqueles humanos podres.
— Podres? — Dante nem ficou ofendido, mas precisava fingir. — Estou praticamente vivo por um erro deles, além de podres são burros. Agora, fique de pé. Se tentar fazer isso novamente, eu quebrarei você ao meio.
— Peço perdão pelo meu erro, irmão.
Dante voltou até onde estava deitado e pegou o que sobrou da capa escura que tinha sobre o ombro. Tinha deixado muito tempo atrás sua armadura que Crish e Tecno haviam montado, na cidadela de ferro, por isso ficava um pouco chateado quando via uma das suas roupas se rasgando.
Eles tinham feito para ela se recuperar, e acabou por perder sem ao menos lutar.
— Suas ações passadas em confrontar a Selvagem me deu informações de que sua força atual rivaliza com sua antiga postura de combate. — Vick fez um pequeno chiado. — Acredito que as maldições estejam fortalecendo essa terceira zona dentro de sua alma. No entanto, eu… não consigo acessar mesmo tendo conhecimento prévio.
Appos me deu uma pequena ajuda. É suficiente por agora.
— Depois nós avaliamos isso, eu preciso achar a Flor da Neve — sussurrou ao colocar o restante da roupa. — Preciso saber onde estou e como vou sair daqui sem alertar nenhum deles. E achar o Doutrinador.
— Farei a varredura completa da energia e…
— Não. — Dante a cortou virando na mesma hora. — Existe algo pior dentro dessa energia, Vick.
A Selvagem ficou de pé, ainda observando seu irmão. Dante sentia seu olhar mais afiado, uma sensação que ele não tinha antes. Ser observado era uma característica que ele aplicava nos outros, não em si.
Estou sentindo exatamente onde ele está me encarando, pensou. Posso usar isso para…
— Irmão — ela o chamou novamente, sem avançar. Sua voz mais mansa. — Mesmo que minha atitude seja uma inferior, eu gostaria de pedir algo.
Dante se virou, com o rosto neutro.
— O que seria?
— Nossos irmãos estão indo atrás de um dos Homens Azuis. Eu vim até aqui porque sua montaria desapareceu depois de ter te deixado, mas nós temos outra para que possa estar nos ajudando. — Ela juntou a mão a frente do rosto, e abaixou um pouco. — Por favor, ajude os irmãos e me perdoe. Não irá acontecer novamente.
Ela espiou ao levantar um pouco a cabeça, e Dante fez o mesmo movimento. Mesmo replicando, foi o suficiente para ela esboçar um pouco de felicidade. Ela é igual aos que enfrentei, mas aqueles dois que me deixaram…
— Pela forma como disseram — Vick rapidamente cortou seu pensamento —, eles possivelmente eram infiltrados, assim como você.
Imaginei que fossem. Mas, se eles não são da Cuba, então são do outro lado.
— Correto. Posso associar o avanço deles e indicar caso os encontramos.
Dante esticou a mão para a Selvagem, mandando que ela saísse e seguiu o mesmo caminho. Do lado de fora, Dante encostou novamente no peito e sentiu o pequeno cubo preso ainda. O comunicador estava ali, então, precisava apenas achar um lugar que ele funcionasse melhor para dar as ordens a Holanda.
Mas, assim que saiu de sua pequena cabana, deu de cara com as dezenas de Selvagens. Alguns esperavam sentados, colados perto de uma fogueira, outros tinham ficado perto de vigas no alto. A trincheira era enorme, Dante não conseguia ver o fim, e em cada espaço onde seu rosto podia chegar, haviam pessoas.
A quantidade podia chegar a ultrapassar a Cuba facilmente. No entanto, haviam crianças e mais antigos, esculpindo e brincando. Alguns antigos guerreiros sem braços e pernas, apenas conversando enquanto trocavam pequenos itens entre si, como se estivessem em um jogo.
Esse tipo de civilização era tão precária que dependia dos principais caçadores para continuarem vivos. Era noite, e o que iluminava seus corpos eram as tochas, espalhadas em pontos distantes, deixando grandes zonas na escuridão.
Dante entendia porque eles avançavam para dentro de Kappz atrás de suprimentos. Eles estavam em uma situação ainda pior do que Clara e Marcus quando Dante chegou a cidade na primeira vez. Tudo ali era precário demais, seco demais, morto demais.
Tinha algumas pessoas comendo em baldes, competindo um com o outro, empurrando os menores e os mais velhos. Era uma guerra completamente perdida.
Eles estão famintos…
— Posso fazer uma varredura para fazer testes e identificar quais os tipos de nutrientes…
— Não. — Dante tinha certa compaixão por eles, mesmo que fossem inimigos. A Selvagem o viu parar e se virou. Pessoas em situações de risco, em extrema pobreza, mas que não faziam ideia do que ou o que poderia acontecer ao seu redor.
Ele entendia agora como Fronteira retirava as esperanças, fazendo acordos com a própria alma. Eles nunca seriam tratados como seres vivos por aquela aberração…
— Irmão, por favor, temos que ir.
— Eu sei. — Dante memorizou aquela imagem medonha em sua mente. Fronteira, quão desgraçado você conseguiu deixar esse lugar…

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