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    As chamas estalavam no meio da floresta, labaredas altas de fogo que consumiam os corpos empilhados. O cheiro era ácido, denso, uma mistura de carne e pelo queimados que parecia impregnar a pele. Eldrik e os soldados mantinham lenços presos aos rostos, mas o fedor ainda assim se infiltrava. Os soldados trabalhavam em silêncio, montando as pilhas de corpos enquanto Eldrik ateava fogo com sua mana.

    — São muitos corpos… — disse Aura, olhando ao redor com uma expressão indiferente.

    Dois guardas assentiram, alimentando o fogo com madeira ressecada para ajudar Eldrik a reduzir o uso de mana. Cervalhion não podia deixar corpos apodrecendo assim na mata. Não quando o cheiro atraía mais bestas.

    Eldrik olhou em volta. Os rostos dos soldados deixavam claro o cansaço. Todo mundo tinha visto destruição demais nos últimos dias. Reerguer a cidade rápido seria uma verdadeira loucura.

    — E nossa função só era manter as bestas longe… — resmungou um dos guardas.

    Eldrik respirou fundo, olhando para o céu escurecendo.

    — Reclame com Dan quando ele voltar, de estar fazendo o que sempre faz.

    Foi então que ele ouviu. Um assobio, leve, alegre. Completamente fora de lugar e hora.

    Eldrik virou antes mesmo dos guardas. Dan surgiu caminhando pela trilha, como se estivesse voltando de uma colheita, não de um massacre. Passo tranquilo, ombro relaxado. O martelo descansando casualmente no ombro. E nas costas, amarrada por uma tira de couro, balançando como um saco de farinha… a cabeça de um touro? Não, era muito maior para ser de um touro.

    Os guardas congelaram. Um deles engasgou no próprio ar.

    — …Mas que —

    — O que é isso? — Eldrik perguntou, olhando fixamente para a cabeça.

    Dan se aproximou, sorriso aberto, satisfeito, quase brilhando de suor e sangue seco.

    — Um bicho feio que dói — disse ele, como se estivesse chegando para jantar. — Cadê a comida?

    Eldrik cruzou os braços.

    — Parece que foi uma caçada intensa.

    Dan deixou a cabeça da besta cair no chão com um “thump” pesado que fez o sangue coagulado espirrar.

    — Foi excelente.

    Eldrik ergueu uma sobrancelha.

    — E o que é essa besta?

    Dan deu de ombros.

    — Não sei, nunca vi nada parecido. Parecia uma grande Besta. Touro. Um pouco irritada. Forte pra caralho.

    Seu sorriso aumentou.

    — Boa de briga.

    Silêncio.

    Os guardas apenas ficaram olhando. Eldrik respirou fundo.

    — Começa do começo.

    Dan encostou o martelo no chão, usando-o como apoio, como se conversasse sobre o clima.

    — Tinha uma matilha esperando pra entrar na cidade. — ele levantou a mão com o polegar para cima — Resolvido.

    — Claro. — Eldrik murmurou.

    — Aí encontrei uma besta coruja pronta pra ascender, parece que achei ela justo no período de transição. Mas estava perto demais da muralha.

    Eldrik arregalou os olhos.

    — Ascender… próxima daqui?

    — É. — Dan coçou a barba, indiferente. — Tive que arremessar o martelo. ela só ia voar e se esconder até terminar a evolução e depois atacar a cidade caso fugisse.

    Eldrik fechou os olhos por um segundo.

    — Me fala que não acertou uma estrutura da cidade…?

    Dan piscou devagar, lembrando.

    — Não, foi pro outro lado, parou um pouco… Longe.

    Eldrik soltou um suspiro que saiu quase como uma risada sem humor.

    Dan continuou:

    — Quando fui buscar, encontrei bestas descendo em lote das colinas. Como se tivessem um caminho novo. Segui o fluxo até uma caverna.

    Eldrik franziu o cenho.

    — Caverna? Não existe caverna naquela área.

    — Eu sei. — Dan respondeu simples. — Agora tem, ou melhor tinha…

    — Espera… tem? ou tinha?

    — Tinha, Botei toda a entrada pro chão — Dan respondeu com um sorriso estampado no rosto.

    Silêncio pesado. As chamas atrás deles estalaram alto, consumindo mais ossos.

    — E dentro da caverna…? — Eldrik perguntou, já sabendo que não ia gostar da resposta.

    — Não deu para investigar — Dan deu dois toques no couro que amarrava a cabeça da besta. — Esse aí, ele estava agindo como um guarda, lutava mirando nos meus pontos vitais, até tentar obstruir a minha visão esse safado tentou.

    Eldrik respirou fundo.

    — Dan. — sua voz baixou. — As bestas não lutam assim. Não guardam base. Não visam articulação. Não criam brechas. Você está me dizendo que essa coisa sabia o que estava fazendo?

    Dan olhou para o chão por um segundo. Não por dúvida, mas lembrança.

    — Estou! — disse chutando a cabeça, enfim. — Não era só instinto. Esse desgraçado pensava, ele se adaptava durante a luta, hora me atacava como um guerreiro, e depois atacava como uma besta.

    Eldrik sentiu o estômago contrair.

    — Tem certeza do que está dizendo?

    — Certeza absoluta, pirralho. Você acha que tá falando com quem? Eu mato Grandes bestas desde antes do teu pai aprender a lutar de forma decente.

    Eldrik apenas assentiu.

    — Certo.

    — Se isso for verdade… a situação de Cervalhion é pior do que eu imaginei. — Aura falou de direta, pesando o clima já tenso.

    — O que esta falando garota? — Dan falou olhando de forma seria para aura, que pareceu não se abalar.

    — Pense um pouco, você disse que essa besta estava agindo como um guarda… — o que aconteceria se fossem dois deles se ajudando em uma luta?

    Dan olhou para baixo pensando, até que olhou novamente para ela e falou dando de ombros.

    — Então seriam duas cabeças penduradas nas minhas costas…

    Um dos guardas limpou a garganta, nervoso.

    — A gente… avisa o mestre Valcor?

    Eldrik olhou para Dan. Dan ergueu o martelo de volta ao ombro.

    — Vamos contar pra ele juntos. — disse, de modo leve novamente.

    — Ele vai querer ver a cabeça. Vai ficar orgulhoso.

    Dan bufou, mas não discutiu.

    — Claro que vai, só não deixa a mãe ver.. — Eldrik completou olhando para o rastro de sangue que voltou a pingar da cabeça.

    — A gente entra na surdina. —Dan estendeu a mão, pegando a cabeça pela corda, jogando-a como se fosse um saco de batatas. — Vamos. Ainda dá tempo de pegar comida quente.

    Eldrik começou a caminhar ao lado dele.

    — Você vai tomar banho antes de qualquer forma. — afirmou.

    Dan olhou para ele, ofendido.

    — Por quê?

    Eldrik apontou para ele de cima a baixo.

    — Porque você está fedendo a sangue, tripa e fumaça.

    Dan pensou por dois segundos.

    — Não está tão ruim, assim garoto — Ele olhou para Aura. — Esta?

    Aura apenas confirmou com a cabeça.

    Eles caminharam na direção da muralha. As chamas continuaram queimando às costas deles. E a noite parecia mais atenta do que antes.

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