Capítulo 22 | Coração Pulsante (1)
O silêncio que se seguiu à queda de Tritão foi pesado, um vácuo preenchido apenas pelo som distante da frota inimiga se agitando na escuridão. O príncipe jazia imóvel no leito do mar, um rastro de sangue azul escuro subindo lentamente de seu pescoço , o brilho da couraça de Poseidon parecendo subitamente opaco.
Do portão principal de Atlântida, Kymos assistiu. Seu corpo maciço tremeu, não de medo, mas de uma fúria sísmica. O golpe covarde de Proteu havia selado o destino de seu príncipe.
— ÀS ARMAS! — O rugido de Kymos foi um som animal de pura agonia, ecoando pela água — MATEMOS AQUELE COVARDE AGORA!
Ele ergueu sua lança de osso, virando-se para os guardas de elite que se reuniam atrás dele, e eles urraram prontos para liderar uma carga suicida contra a escuridão que avançava.
— Espere, General! — A voz de Hermes, embora exausta, cortou a fúria de Kymos. —
Ele se moveu, bloqueando o caminho do general.
— É um suicídio. A frota dele nos fará em pedaços antes que cheguemos perto.
— Saia da minha frente, ser da superfície! — Kymos rosnou, os olhos injetados. — Vi meu príncipe ser abatido por um covarde. Morrer vingando-o é a única honra que resta.
— Eu tenho uma ideia. Algo que pode nos dar a vitória! — Hermes insistiu, a voz firme. — Mas preciso de tempo. E preciso voltar ao Santuário.
Kymos hesitou, o conflito visível em seu rosto. Foi nesse instante que um Tritão, vestindo túnicas cerimoniais manchadas, correu apressadamente do palácio em direção a eles, o rosto em pânico.
— General! Senhor! — Ele engasgou, parando diante do grupo. — O paciente… o velho terreno… ele acordou! Está… está… causando problemas! Não fica quieto, está murmurando… e os que se aproximam dele estão…
Hermes o dispensou com um gesto impaciente.
— Temos problemas maiores do que um paciente delirante! —
O homem peixe tentou rebater, mas foi retirado dali por outros soldados que viam na situação atual maior urgência.
O rapaz de cabelos brancos se voltou para Kymos, os olhos dourados fixos no general. — A frota de Proteu avança. Dê-me alguns minutos.
Kymos olhou para a escuridão onde o exército inimigo se movia, depois para Hermes.
— Minutos, terrenho. Nada mais. — Ele disse, antes de se virar para organizar a defesa final nos portões. — Convocarei Cetus e, caso você não consiga o que planeja até sua chegada em vinte minutos, nós avançaremos.
Hermes não perdeu mais um segundo com Kymos. Ele se virou e correu de volta para o interior do palácio, seus passos ecoando nos corredores de obsidiana agora movimentados e caóticos. Os homens peixe corriam com expressões desesperadas comentando sobre a queda do príncipe.
O som distante do alarme externo, o chamado de Cetus, era um lembrete constante de que seu tempo estava se esgotando. Ele encontrou Magno exatamente onde o deixara, no átrio em frente às imensas portas seladas do Santuário.
O gatuno correu em sua direção com uma expressão preocupada.
— O que houve lá? Por que esse alarme e essa gritaria?
— Tritão foi enganado e derrotado. Precisamos fazer algo para que essa cidade não seja destruída por Proteu.
Magno arregalou os olhos e, acompanhando Hermes que não cessara sua corrida por um segundo sequer para respondê-lo, assentiu.
Chegaram aos titânicos portões do santuário. O gatuno socou a pedra lisa ao lado do portal, uma demonstração de inutilidade e impotência.
— Está trancado! — Magno rosnou quando viu Hermes se aproximar, o rosto pálido de desespero. — O tridente de Tritão… nós não podemos…
Hermes sabia. Ele parou diante do portal de obsidiana. As runas azuis pulsavam suavemente, um selo antigo e indiferente à urgência deles. A frota de Proteu estava a minutos de distância, talvez menos. Ele precisava entrar.
Ele pressionou o ombro contra a laje de pedra. Ela não se moveu um milímetro. Sua mente correu, buscando qualquer solução. Foi então que sentiu um frio sutil em suas costas, uma sensação de queimação e um chamado.
Um pensamento improvável, nascido do puro desespero, tomou forma. Ele puxou a arma longa de suas costas, o Arpão Negro. O metal escuro parecia morto em suas mãos, absorvendo a pouca luz ambiente.
— O que você vai fazer? Tentar arrombar? — Magno perguntou, incrédulo.
Hermes ignorou-o. Ele se aproximou do glifo central, a marca onde Tritão havia pressionado sua própria arma para abrir a passagem. Ele ergueu a ponta farpada e bastarda do arpão e, em vez de bater, pressionou-a delicadamente contra a runa principal.
Por um instante, nada aconteceu. Então, o arpão brilhou, não com luz, mas com uma escuridão pulsante. As runas azuis do selo piscaram violentamente e se apagaram, como velas sopradas por um vento profano. Um som profundo e ressonante de pedra se movendo ecoou pela câmara. As portas imensas deslizaram, abrindo-se.

Hermes recuou um passo, olhando para a arma em sua mão com um novo respeito e um medo crescente. O que, por Hades, ele tinha em mãos?
Sem tempo para questionar a descoberta, ele correu para dentro do Santuário com Magno o seguindo logo atrás.
A câmara sagrada estava silenciosa, banhada pela luz suave e constante do Coração de Caríbide. O imenso cristal multifacetado pulsava em seu pedestal de coral branco, o som rítmico de seu poder enchendo o ar.
— Magno, vigie a porta. Não deixe ninguém entrar — Hermes ordenou, a voz tensa. — Não podemos nos dar o luxo de descobrir outro Theron entre os nossos.
O gatuno assentiu.
As paredes da câmara, feitas de obsidiana polida, ganharam vida quando ele se aproximou, tornando-se translúcidas. Eram os “visores etéreos” do Santuário. Através deles, Hermes podia ver o oceano exterior.
A visão confirmou seus piores medos: a frota de Proteu, uma maré incontável de monstros e Tritões renegados, avançava em velocidade máxima contra a cúpula. Dentro, figuras assistiam visivelmente enfraquecidas pela queda de Tritão.
— Não temos tempo — Hermes rosnou para si mesmo.
Ele se virou para o Coração de Caríbide. Respirou fundo, o ar frio do Santuário enchendo seus pulmões. Ele estendeu as mãos trêmulas e agarrou o cristal flutuante. Com um grito de esforço que ecoou na câmara, ele o arrancou do pedestal condutor.
No instante em que o Coração foi removido, as luzes da câmara falharam, mergulhando o Santuário em uma penumbra vermelha de emergência. Um tremor profundo percorreu o palácio. Nos visores, a cúpula de Atlântida vacilou visivelmente, a luz azul enfraquecendo.
— Hermes, o que diabos você fez?! — Magno gritou da porta, vendo as paredes tremerem.

Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.