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    Narrado por Ian

    O pedido de Aedin pairou no ar como aço recém-forjado, quente, urgente e completamente desnecessário.

    Um duelo.
    Sempre a mesma mania humana de tentar transformar respeito em pancadaria.

    Ele queria medir força.
    Eu queria evitar desastre.

    Ergui os olhos devagar.

    — Um duelo? — perguntei, mais por educação do que por real interesse.

    Aedin sustentou o olhar.
    Ele realmente acredita que firmeza é a mesma coisa que sabedoria.

    — Apenas simbólico — disse Aedin. — Entre iguais.

    Eu ri. Baixo. Sincero.

    — Iguais?

    Ele claramente não gostou.
    O cálice quase cedeu na mão dele quando o apertou com força demais.

    — Prefiro resolver as coisas com clareza — disse. — Do que deixar dúvidas corroendo alianças.

    — Ou egos — respondi, no automático.
    E a expressão dele azedou na hora, como alguém que acabou de comer algo estragado.

    O metal da taça trincou.
    Melissa engoliu seco.
    Lysvallis se aproximou silenciosa, avaliando.

    Mantive o olhar, simples como respirar.
    Se ele acha que altura dá vantagem em luta, vai descobrir o contrário de um jeito bem desconfortável…
    Mas eu ainda precisava manter algum decoro.

    Aedin inclinou-se para frente, obrigando-me a olhar para cima.
    Ele é realmente alto…

    — Está me chamando de impulsivo?

    — Estou chamando você de humano — respondi. — E alguns humanos confundem orgulho com liderança.

    — Seu reino está em risco e, mesmo assim, você quer chamar para um duelo justamente quem pode impedir este lugar de cair… só para alimentar orgulho?

    Deixei a pergunta no ar:

    — Há quem possa se dar ao luxo da impulsividade — disse, mantendo o tom nivelado. — E há quem não possa. Qual deles é você, Aedin?

    O rei não respondeu de imediato. Inspirou fundo, um pouco mais do que o necessário, não por falta de ar, mas para não reagir como queria.

    — E o que há de errado nisso? — rebateu. — Somos líderes. E líderes precisam saber exatamente com quem estão lidando.

    Ao contrário do que eu esperava, a frase não veio como ataque.
    Veio como cálculo, algo medido… ele estava me testando.

    Suspirei, não de cansaço, apenas para empurrar a irritação de volta ao lugar.

    — Não me trate como um garoto que você está testando — disse com calma. — Você pode se permitir sentir raiva, dúvida, até teimosia. Eu não tenho esse luxo.

    Coloquei o cálice no parapeito, devagar.

    — Se eu quisesse — falei, sem elevar a voz —, metade desta cidade estaria congelada antes que alguém percebesse.

    Não foi ameaça.
    Foi constatação.

    Aedin piscou uma única vez, um microgesto de quem entendeu o tamanho do tabuleiro.
    Melissa ficou rígida.
    Lys… ela já tinha compreendido antes mesmo que a frase terminasse.

    Aedin apoiou as mãos na mesa, firme, e respondeu com algo que eu não esperava:

    — Justamente por isso eu preciso medir você.

    Não era burrice.
    Era sobrevivência.

    E, por um instante, respeitei isso.

    O rei abriu a boca, mas Melissa cortou:

    — Senhores… — disse, firme. — Um duelo agora só mostraria fraqueza, não força. E nenhum dos dois reinos pode se permitir isso.

    Tenho que admitir: ela é boa em controlar o ambiente.
    Muito boa.

    Aedin desviou o olhar.

    Até a voz do príncipe surgir atrás dele:

    — Pai.

    O garoto avançou com passos firmes.

    — Se querem mostrar força, que façam no festival das Vozes. Diante da cidade.

    Inteligente. Pragmaticamente inteligente.
    O tipo de decisão que salva reinos.

    — Um torneio de força — disse ele. — Um representante de cada reino.

    Lys sorriu de canto. Aedin manteve o mesmo rosto inexpressivo.
    Respirei fundo.

    — Quando tudo isso estiver resolvido… eu lutarei com você, Aedin.

    Não por honra.
    Não por política.

    Aedin me estudou longamente, até finalmente ceder com um sorriso tenso.

    — Então temos um acordo.

    A tragédia foi adiada.
    O suficiente, por enquanto.

    Melissa chamou um serviçal para nos mostrar nossos aposentos; os nobres se dispersaram, e Aedin ficou ali, imóvel, encarando o horizonte como se tudo tivesse sido ideia dele desde o princípio.

    Virei-me e segui para dentro do salão.


    O corredor dos aposentos era silencioso, bonito demais para uma cidade que vivia ocupada com guerras. Tapeçarias impecáveis, pisos lavados, guardas atentos demais.

    Aisha quase tropeçava de empolgação.

    — Quartos separados! Camas de verdade! Portas! — murmurava, como se fosse descobrir magia nova.

    Eu me permiti um sorriso.

    — Parece até que você dormia no chão.

    — Ian, eu dormia no chão.

    Ela riu.
    Entramos no quarto dela. Espaçoso, iluminado, exagerado para alguém tão simples quanto Aisha. Ela girou no meio do tapete, radiante.
    Nada comparado ao meu ou ao de Lys; ainda era um quarto de serviçais, afinal.

    — Eu poderia viver aqui — ela disse, quase emocionada.

    — Cuidado para não desacostumar a dormir no chão — respondi, cruzando os braços.

    Ela fez uma careta, seguida de um sorriso.
    Lys riu, muito discretamente, mas riu.

    Enquanto Aisha explorava o quarto, fui até a porta e fiz um sinal.
    Runas azuis acenderam no batente, na madeira e no chão.

    — Alerta, contenção e drenagem arcana se alguém tentar abrir sem permissão — expliquei. — Não quero surpresas.

    — Desde quando você invoca runas assim tão fácil? — Lys perguntou.

    — Desde antes do seu avô nascer.

    Ela sorriu daquele jeito irritante e curioso ao mesmo tempo.

    Seguimos para o meu e o dela, conectados por um corredor secundário.
    Marquei tudo com runas.

    — Isso tudo é necessário? — Lys perguntou.

    — Sim — respondi. — Aedin pareceu saber sobre Thamir e Naira. Acho que pode ter sido blefe, mas não vou apostar nisso.

    Lys cruzou os braços.

    — Eu não gostei do olhar dele quando mencionou “os seus três guardiões”.

    — Nem eu — admiti. — Mas, se for blefe, ótimo.
    Se não for… melhor parecer preparado do que vulnerável.

    Ela me observou com aquele olhar analítico e rápido.
    Sempre parece enxergar duas camadas além.

    Aisha esfregou as mãos.

    — Então… o que fazemos agora?

    Lys respondeu antes de mim:

    — Você — apontou para Aisha — aproveita a cidade. Observe. Escute. Vão querer conhecer vocês, os “estrangeiros que salvaram vilas das bestas”.

    Aisha quase pulou.

    — Mas não pense que seus treinos vão parar — completei.

    Aisha murchou por um instante antes de perguntar:

    — E ele?

    Lys virou-se para mim, quase sorrindo.

    — Você, Guardião… ganha popularidade.

    Arqueei a sobrancelha.

    — Popularidade?

    — Uma cidade que confia em você protege você — disse ela. — E protege o que é seu. Além disso, daqui a dois dias o rei de Elandor deve chegar para a nossa reunião.

    Entendi o subtexto.
    Sobre nossas intenções. Sobre o jogo inteiro.

    Aisha parou diante da porta de seu quarto, animada.

    — E Thamir e Naira?

    — Soltos — respondi. — Observando. Recolhendo informação. Como combinamos.

    Lys assentiu.

    — Então estamos alinhados.

    — Pela primeira vez hoje — retruquei.

    Ela sorriu, calma, provocadora, perigosamente confortável.

    — Não se acostume — disse, indo para o próprio quarto. — Ainda não decidi se gosto de você o bastante pra facilitar as coisas.

    — Só o suficiente pra cair em ilusões… — respondi.

    Ela quase tropeçou, parou na porta e me lançou um olhar por cima do ombro.

    — Boa noite, Guardião.

    — Ainda é manhã — retruquei.

    — Então vá fazer o seu nome — disse, fechando a porta.

    Aisha abriu a dela, sorrindo suave.

    — Ian…
    — Hm?
    — … obrigada por isso.

    Assenti.
    Não precisava dizer mais nada.

    O corredor ficou silencioso.
    As runas pulsavam nas portas.

    E, pela primeira vez desde que pisei em Cervalhion…

    … as coisas pareciam, temporariamente, sob controle.

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