Capítulo VI: Claustrofobia
POV: ARATHOR MOLTENCORE
O som de gritos de pavor e desespero passavam quase despercebidos por minha mente. Mas nada poderia me atrapalhar agora, simplesmente, não agora.
E lá estava ela, linda, perfeita como uma opala, com traços quase místicos e um sorriso que iluminava Dul-Kaer por completo. Eu nem sabia como agir, o quê falar.
Gostaria de ser um homem humano, ou até mesmo um elfo, para poder dizer as poesias mais lindas para ela.
Ela, com os olhos claros como safiras, uma trança forte como uma raiz emaranhada nas entranhas da rocha e um ar de encanto solene, e eu, apenas um jovem anão filho das forjas, herdeiro MoltenCore…
Como era a tradição, meu pai entregava ao pai dela a gema mais preciosa da família, e, em troca, ele entregava a filha. O fruto da fertilidade. O geodo vivo, que daria continuidade a minha família.
Era como um sonho. Eu não via a hora de chama-la de minha.
Lembro de Ullus, aquele paspalho idiota zombando de mim. Dizendo que um ferreiro não podia ter uma dádiva daquela, e o quanto eu era sortudo de nossos pais entrarem no acordo patrimonial.
Eu acreditava nele. Pois sempre acreditei. Ullus foi a primeira pessoa que pude chamar de amigo, desde a infância, brincávamos juntos nos túneis comerciais de Kredev. Uma pena os pais dele terem se mudado para Acheron. Mas a vida nunca é muito fácil.
Talvez um dia, depois de casar com Dily, da poderosa família Drill, eu poderia me mudar para Acheron também, e me tornar o único ferreiro de uma cidade de mineradores. Na verdade, eu não me via em uma mina, mas, eles precisariam de ferramentas, e eu seguiria os passos de meu pai.
Durnan MoltenCore não era o tipo de pai que sorria pro filho a qualquer momento. Mas protegia. Era severo, mas dava pra sentir a preocupação. Com ele aprendi sobre princípios, mesmo que não usasse tantos.
Já Grunthor Drill, era o oposto. Carismático, carinhoso. Parecia que o velho anão era um jovem como eu. Sempre abraçado com Dily, minha pretendente.
Me lembro dos passeios pelos túneis de Kredev alguns anos depois, a primeira vez que demos as mãos, aceitando finalmente nosso elo como marido e mulher.
Nossa visita a Dul-Aaman foi espetacular, pouco antes da primeira grande guerra, quando meu pai morreu nas mãos dos goblins invasores.
Para mim, Dily era mais que uma esposa, e sim um alívio.
Quando decidimos nos mudar para Acheron, eu fiquei um pouco abatido. Não havia nada além de escavações e sujeira naquela cidade menor. Era uma das cidades bases de nossa economia, porém, pobre.
Mas se eu estivesse ao seu lado, tudo poderia ser mais confortável. Eu estava pleno. Saciado. Cansado de pensar em batalhas gloriosas contra goblins ou trols da cavernas.
Os humanos nos ajudaram a varrer os demônios verdes das montanhas. O dragão Sirathorn já havia perecido sob as mãos de um herói humano. Não haviam mais guerras. Era a hora da família. Era a hora de se estabelecer em algum lugar. Assim como uma rocha.
O cheiro de chá de ervas infestava a casa. Dily parecia uma deusa, os talentos herdados de sua mãe eram incríveis. Eu nunca pensei que seria tão feliz, e eu estava ali. Seu rosto perto do meu, minhas mãos acariciando seu cabelo. Sua voz próxima a minha face.
— Arathor levanta! — A voz suave de Dily parecia ficar mais empolgada a cada vez que ela falava. — Levanta cara! Por favor
Eu não entendia a urgência, eu não lembrava que tinha que trabalhar hoje
— Porra Arathor levanta caralho! — Era engraçado ouvir Dily xingar, não lembrava dela fazendo isso. — Você não pode morrer aqui filho da puta!
Uma mão pesada me acertou o rosto.
— Dily, porquê está fazendo isso? — Indaguei com curiosidade, impressionado pela força do golpe de minha esposa.
— Dily o caralho porra! — Respondeu agressivamente, sua voz mudando do doce e suave para o bruto e gutura.l — Acorda Arathor, agente precisa sair daqui!
O ar voltou abruptamente a meus pulmões. Silhuetas corriam descontroladamente para todos os lados e ao meu redor. Os olhos doíam assim como os ouvidos e o restante do corpo.
Poeira, fumaça e desespero se juntavam fazendo minha mente girar.
— Que diabos esta acontecendo? — Perguntei apavorado procurando por Dily. — Minha família? Minha esposa?
Mais um golpe, dessa vez um tapa. Bem forte em meu rosto.
Esbugalhei os olhos, Atônito com a situação e vi Thorgar em minha frente. Rosto pálido, algo molhava a poeira próxima aos seus olhos amendoados. Talvez lágrimas.
A sensação de desespero preenchia cada centímetro da galeria que estávamos. Duas saídas que levavam aos níveis superiores de Acheron estavam praticamente bloqueadas pelo fluxo de anões tentando fugir em meio a gritos e empurrões. Uma delas dava diretamente na minha casa.
Uma outra saída estava totalmente bloqueada por rochas que desabaram com a explosão.
explosão!
Lembrei da explosão que selou a criatura sinistra no poço. Ullus ainda estava lá? E Luin?
— Vamos embora Arathor, não dá tempo! — Bradava Thorgar, insistentemente lutando para manter a sanidade em meio ao caos
— Não podemos ir, e Ullus? Precisamos voltar — Eu disse, mesmo sem muita coragem, mas tentando manter a calma!
— Precisamos chegar a sua casa com urgência — Suplicou Thorgar — Dily ainda está lá!
Por um instante pude sentir meu coração parar de bater. Dily! Meu amor! Preciso chegar a ela. Ullus teria que me perdoar. Mas será que iria?
Meu primeiro e melhor amigo. Não queria ter que abandonar alguém com tanto peso em minha história. Apesar de quase óbvia, aquela escolha tinha um peso moral enorme em meu esterno.
Olhei para as duas passagens. Não conseguiríamos passar. O fluxo de anões fugindo estava bloqueando totalmente o caminho.
A terra gemia como se reclamasse de uma dor profunda, tremia como se o frio pudesse a penetrar.
Rochas começaram a desabar do teto com o tremor. O caos se fortificou quando uma delas caiu encima de um anão jovem e troncudo que usava uma roupa de couro batido com entalhes prateados.
Pude ouvir outros anão gritando algo, talvez seu nome. Quem sabe era um irmão, ou até… Melhor amigo…
Não tivemos tempo suficiente para o luto do anão esmagado.
Um choro agudo, gutural e estridente torturou os tímpanos de todos. Como se o ar tivesse ganho peso súbito, muitos dos anões que corriam para escapar do poço caíram ou se paralisaram.
Foi quase orquestrado o direcionamento de olhares para o túnel desabado quando um tentáculo escamoso de cor roxa se libertou com força, perfurando a glote de um dos observadores que estavam de frente para os escombros.
As gotas de sangue que pingavam rapidamente ecoavam pela galeria como se o mundo tivesse parado para as escutar. A loucura que se sucedeu parecia um erupção vulcânica, onde rochas derretidas brigam entre si para chegar ao topo do vulcão primeiro.
Segurei Thorgar, que estava paralisado de boca aberta vendo o tentáculos se contorcer e debater matando vários operários. Puxei em direção a parede lateral no lado oposto da multidão que se espremia nas duas passagens. Ali, a algum tempo, Luin abriu um túnel secreto pra esconder pepitas que ele encontrava na perfuração, eu sabia desde sempre, mas fazia vista grossa para meu amigo, aliás, guardar não faria a diferença pra ele já que não tinha alguma ambição. Pobre amigo…
Algumas rochas começaram a descer dos escombros como se um exército as empurrasse de outro lado enquanto o tentáculo se rebatia tentando alcançar alguém.
A verdade é que os anões estavam tão espremidos na areia, que o tentáculo se esticava a metros do último deles. Porém, a agitação fazia alguns serem empurrados e fatalmente, ir até o limite do tentáculo. Senti perfurado, ou esmagado e etc…
As pedras eram todas iguais quando não existia a selvageria da sobrevivência! Não dava tempo pra diferenciar. Ninguém ali podia ficar calmo e analisar nada. Eu não queria morrer. Mas tinha que ser rápido. Minha casa não é tão distante…
Tateando a paredes para encontrar a pedra falsa que abria a entrada do túnel de Luin eu pensei que tudo estava se acalmando. Mas um imagem insoiradora me tirou da atual empreita. Um anão…
Borlim Barba calva atacava com maestria o tentáculo, defendendo com um giro e avançando com um balanço certeiro. O mineiro veterano de guerra era um mestre de combate, e agora estava disposto a enfrentar tal terror.
Era fácil se sentir atraído pela luta quando alguém tão habilidoso estava lá. E foi o que aconteceu. Muitos dos presentes, armados de picaretas ou machados partiram para a luta contra o tentáculo que atacava, contorcia, torcia, subia, rodopiava e perfuração.
Foi uma cena horrível onde vi vários antigos companheiros de trabalho. Com uma lágrima no olho, voltei a procurar a pedra falsa. As mãos trêmulas e o coração a mil. Não sabia em que eu podia pensar no momento. E nem se dava pra pensar. Eu queria sair dali. Queria ver Dily. Tomar um banho e sentar no sofá abraçado com o amor da minha vida!
— Porra! — Praguejei em Pânico — Não tô achando
— Caralho Arathor, vai rápido aí! — Disse Thorgar segurando sua picareta e se preparando para um possível avanço.
— Tô tentando caralho! — Gritei em profunda tortura mental, as lágrimas já rolando pelo rosto sujo de . O medo consumindo cada pedaço de minha sanidade.
Embate esse que não se mostrou necessário. Pois depois de muitas quedas, muito sangue anão, Dions Fenda Cava, com um lindo machado prateado que brilhava como um opala, cortou a base do tentáculo que se punha pela fenda aberta nos escombros da explosão.
A criatura grunhiu com dor. Seu grito era tão alto, que a própria terra tremeu à sua voz. Largando Rochas enormes do teto acidentado e ameaçando jogar toda a montanha encima de nós. Dois anões, Lendir FerroMalho e Astro Cianita foram esmagados enquanto Borlim tinha sua perna esmagada e presa pela rocha.
Os demais lutadores estavam banhados em um líquido viscoso de cor verde e um cheiro corpulento sufocante.
Foi realmente perturbador ver amigos que estão entre os anões mais bravos da Embrio serem dilacerados e perfurados como carne de açougue. Mas depois, tudo ficou silencioso. Nenhum som era escutado. Até que ela se foi.
Om sim da criatura respirando indicava erroneamente sua direção e posicionamento. Sejam passos, berros ou até mesmo o frio sobrenatural que ela irradiava. E graças a isso, podemos saber que. A criatura estava descendo novamente ao buraco de onde tinha vindo. Todos podiam ouvir, e sentir.
Tínhamos sobrevivido…
Os bravos anões que sobraram de Mais de mil pessoas.
Gritos e brados explodiram aos montes ecoando na galeria. Uma vitória contagiante. Alguns choravam, outros gritavam como se louvassem Durandir, ou a Horns, os senhores da Honra e guerra. Ou a algum outro Deus dos muitos existentes. O fato é que. A euforia por estar vivo e não ter deixado a besta prosseguir para as vilas próximas foi um alívio imediato.
Vila ametista, vila Ferro, vila Zinco e vila Quartzo eram as mais próximas. Onde geralmente encontrávamos nossas famílias indefesas.
O poço empregava mais de quatro mil pessoas no geral, era uma das empreitadas superpoderosas de Acheron. Muitas vidas perdidas aqui impactaram totalmente o sistema, e a vida de outras pessoas. Mas estávamos vivos. Finalmente, estávamos seguros.
Sentei com as costas na parede, soluços quase me asfixiavam enquanto eu pensava agradecido por estar vivo.
Olhei para o lado, como quem procura apoio. Meu amigo, agora o único deles, Thorgar, estava sentado. Semblante firme. Olhos fixos. Respiração profunda. Mas sem falar uma palavra. Como se estivesse dentro do próprio corpo, ou olhando pra lá. Procurando por si mesmo. Ou tentando se esconder. Era difícil interpretar meu amigo nesse momento. Mas, não sei se seria fácil interpretar qualquer um dos sobreviventes aqui.
Respirei fundo, limpando as lágrimas dos olhos, ensaiando uma risada.
O ar estava estranhamente quente. Aconchegante. Talvez era o gosto da sobrevivência. Ou o calor visivelmente subindo da pequena aglomeração que agora se encaminhava para as entradas abertas de forma mais simples, sem empurrões. Alguns até rindo, entorpecidos pela batalha. Poucos anões tinham honras de guerra ou batalhas. Isso garantiria alguns títulos a eles… Estavam felizes. Tinham que estar.
A neblina se tornavam mais densa, um cheiro amendoado subia com ela enquanto todos iam embora satisfeitos de terem mais um dia com os entes queridos, outros, desorientados por terem perdido entes queridos.
“Clic” Sem querer, acionei a pedra falsa que estive a pouco procurando para ouvir um sistema de pesos se mover e levantar a rocha leve que estava sendo usada de porta secreta.
A neblina avançando cada vez mais me fez lembrar que era muito raro ter neblina por aqui. E a forma como ela avançava parecia estranha, como se estivesse saindo do meio da galeria. Em algum ponto entre todos nós. Talvez?
— Thorgar vamos! — Gritei, puxando e tirando meu amigo sobrevivente da neblina que já alcançava seu rosto. — Não é neblina, tá saindo do tentáculo!
— Quê inferno! Respondeu Thorgar recobrando a consciência e entrando comigo pelo túnel de Luin!
— Que diabos foi aquilo Thorgar? — Perguntei meio desesperado enquanto corria pelo túnel mal iluminado de Luin. — Você parecia mais estar sonhando!
— Não tenho certeza! — Disse o robusto anão fazendo uma carranca confusa enquanto me acompanhava de perto pelo estreito de rochas mal esculpidas. — Mas parecia outro lugar!
O caminho íngreme escurecia conforme avançamos. Se tornando mais escuro que meus olhos podiam ver.
Nós anões temos certa capacidade de enxergar na penumbra, mas a tempos atrás, até a maior escuridão se tornavam clara como o dia fora das montanhas para os anões pré energia mineral. O passar do tempo nos acostumou com a iluminação a base da ametista energizada e nós tirou esse dom. Uma pena, pensei eu, descendo mais pela escuridão enquanto ouvia Thorgar explicando sua visão dentro da neblina do monstro.
— Eram os goblins! — Disse Thorgar pálido ao lembrar da repentina visão — Eu estava lá, mas não estava. Eu não pude fazer nada mais uma vez. Eu só assisti mais uma vez! Demônios!
— Calma! — Alertei meu amigo sobrevivente, com a o dedo em frente a boca pedindo silêncio, mas sem a certeza de que ele poderia ver, já que eu já não o via — Não sabemos se estamos seguros!
O silêncio nos abraçou, mas não era um silêncio seguro. Era a ausência sufocante de luz e a certeza de que a criatura ainda podia nos farejar. A escuridão aqui não era apenas a falta de sol; era um manto de culpa. Eu tateava a rocha fria. Havia anos que os anões não confiavam nas próprias vistas na escuridão, dependentes da luz mineral. A geração do meu pai ainda conseguia ver a silhueta da picareta, mas eu? Eu era cego, um MoltenCore domesticado pela maldita luz da ametista.
— Você viu ele, Arathor? — A voz de Thorgar veio, baixa e trêmula, logo atrás de mim. — Ullus?
O nome dele me atingiu mais forte que o tapa que Thorgar me deu antes. Engoli em seco, mas a garganta estava ainda mais seca.
Eu não vi Ullus na neblina, mas o Sopro dele estava ali, em cada centímetro da rocha úmida. O cheiro de amêndoa se intensificou, e a escuridão na minha frente começou a se moldar.
Eu vi a mão de Ullus. Ele estava estendido na nossa frente, a pele roxa de limo e o braço esticado em súplica. Ele parecia estar bloqueando o caminho. Não era Ullus. Eu sabia que não era, mas a mente… A mente o via tão real quanto Dily no sonho. Sua boca não se moveu, mas eu ouvi sua voz na minha cabeça, clara, fria e acusatória.
— Você me trocou pelo conforto. — disse Ullus, ou o quê quer que fosse aquela visão, levantando aos poucos a cabeça para mostrar lágrimas de sangue e os olhos completamente negros. — Nos trocou pela sua vida com Dily. Você nos deixou lá, ferreiro.
— Não! — Respondi em Pânico súbito — Nós não sabíamos, Nós, Nós… Nós só fugimos…
As lágrimas já escorriam como rios em meu rosto.
— Você sempre faz mesma coisa Arathor. — dizia Ullus se aproximando de mim através da neblina. — Em Kredev você fugiu, em Dul-Kaer você fugiu! Sempre foi tudo sobre você! Você deve a mim, você deve a todos nós!
A forma de Ullus foi se transformando junto com a neblina, se tornando fantasmagórica aos poucos. Avançando mais rapidamente em minha direção.
O coração em choque. Eu não sabia oque fazer!
Recuei. Tropecei nas pepitas de Luin, pequenas, brilhantes na escuridão, uma ironia cruel. A ganância do nosso amigo, agora um obstáculo físico. O túnel, que deveria ser nossa salvação, parecia se fechar, nos esmagando entre a neblina de morte atrás e a acusação do morto na frente.
— Não… não deixei ninguém! — Gritei, fechando os olhos para forçar a visão a desaparecer. Eu não podia falhar com Ullus. Não agora, com Dily em perigo.
As mãos agora cadavéricas da assombração se esticavam em minha direção quando um picareta a atravessou.
— Arathor, a rocha! — Thorgar gritou, não se referindo ao fantasma, mas a algo real.
Abri os olhos, a visão de Ullus se desfez, mas o perigo não. O túnel que Luin escavou era um atalho, não uma obra-prima de engenharia. A pressão da explosão causou uma fissura feia. Uma grande laje de rocha estava inclinada, não totalmente caída, mas perigosamente apoiada em um pilar de ametista frágil. Se caísse, nos selaria aqui. Em uma sepultura de pepitas e culpa.
Não havia tempo para pensar. Era a rocha. E era Dily. Agarrei Thorgar pelo colarinho, a picareta dele estava em Suas mãos, olhei para a rocha inclinada. Tínhamos que passar por baixo dela antes que a pressão a derrubasse.
O cheiro do Sopro da neblina voltou, ainda mais forte, me prometendo paz se eu apenas parasse.
Eu não podia a ver, mas o calor repentino junto com o odor inebriante indicava sua presença.
Tentei correr, mas a voz de Thorgar me paralisou.
— não deixarei que façam o quê quiserem demônios! — ele bradou balançando sua picareta no vento como se lutasse contra um exército! — morram!!!!
— Thorgar cuidado! Alarmei meu companheiro inutilmente.
A picareta de Thorgar desceu com uma fúria cega, talvez errando o alvo imaginário, mas atingindo o pilar de ametista que sustentava a grande laje fissurada. O som foi estrondoso, mais alto que qualquer grito, e a rocha acima de nós gemeu, deslocando-se em um tremor lento e gutural.
— Thorgar! — Supliquei em uma espécie de transe desesperador, como se um órgão estivesse saindo pela garganta, as lágrimas cedendo ao medo e os olhos estoicos. —Pare!
Ele não me ouvia. Seus olhos esbugalhados, fixos em algo que só existia em sua mente envenenada, estavam vidrados em uma raiva pura. Ele balançou a arma novamente em direção ao pilar, e eu soube que ele derrubaria a laje e nos enterraria vivos se eu não agisse.
Em uma mistura de coragem e culpa, avancei e agarrei o braço de Thorgar, o único ponto que eu podia ver em meio à escuridão e ao terror. Tive que usar toda a força de um MoltenCore, filho das forjas, para torcer o pulso do meu amigo. Ouvi o estalo de seu braço cedendo, mas o som foi abafado pelo rugido da pedra se movendo.
Thorgar gritou, não de dor, mas de traição.
— Por que me traí? — disse Thorgar olhando rapidamente em todas as direções , tentando alcançar a picareta com a outra mão — Arathor?! Vai me deixar de sacrifício pra esses demônios?
— Eles não são reais! — Expliquei com súplica ao meu amigo — Você precisa enxergar isso!
Empurrei-o com força contra a parede, a picareta caindo no chão com um baque agudo de aço, e me joguei no túnel a frente, rastejando desesperadamente sob a laje que esmagaria nosso túnel. O cheiro da ametista esmagada, misturado ao doce odor da morte, era a última coisa que eu sentia. Não havia tempo para puxar Thorgar; havia apenas Dily e a escuridão implacável do caminho à frente.
O último som que ouvi, antes que a laje de rocha caísse completamente atrás de mim, foi o choro agonizante de Thorgar, o único amigo que me restara, gritando pavorosamente por socorro.
O barulho ensurdecedor selou a passagem com toneladas de rochas. Eu parei em meio a poeira tentando compulsivamente respirar em meio aos detritos e me manter em pé com o tremor que se sucedeu.
Uma passagem estreita se abriu em uma das paredes bifurcando o túnel como em uma caverna natural.
O caminhos estreito e difícil era agora mais difícil e acidentado.
Lembrei da manhã desse mesmo dia. Me senti perdido, sem chão.
Não sabia se esse maldito túnel tinha uma saída, provavelmente não, já que a inclinação dele descia a montanha. Existia a probabilidade de eu morrer ali. Preso, solitário e longe de Dily.
Enfim, a minha seria a pior das mortes. Nem gloriosa o suficiente pra honrar meu pai e nem sossegada o suficiente pra morrer sem dor.
— Você pode acabar com isso de forma rápida — uma voz sombria sussurrou em meio as sombras — ou pode esperar dias até seu fim e se juntar a nós.
Levantei o rosto molhado de lágrimas procurando a fonte do sussurro.
Quando vi Ullus, Thorgar e Luin, todos em tonalidades ametistas. Rostos fantasmagóricos e armas em mão.

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