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    Não existia mais algo para ser chamado de ar, tampouco o sussurro do vento caminhava para o topo. Diante de uma nova determinação, esses conceitos se curvaram.

    O deus observava o resultado de seu experimento com olhares tão satisfeitos quanto arregalados, e mal conseguia conter seu mais animado sorriso.

    “Magnífico…!”

    Pela primeira vez em muito tempo, seu ânimo transitou das brasas para as chamas ao presenciar o renascer de uma vontade destruída pela derrota.

    Sendo assim, desejava, a todo custo, experimentar o que criou. Logo depois, jogou os braços ao horizonte, pronto para aplicar um enfraquecimento em si mesmo.

    Para realizar a própria ambição, começou a limitar drasticamente seu poder, cobiçando ficar em um nível exato ao de Luna, mas um deus não consegue ser tão fraco.

    Infelizmente, para ele, o máximo que pôde chegar era um pouco mais forte do que a adversária, mas era o suficiente para sua diversão.

    “Permita-me ver…”

    Os olhos quase alcançavam o céu com tamanho interesse. Seu sorriso já não era algo que ele tentava esconder, e cada passo expandia curiosidade.

    “… O quão incrível você se tornou!”

    No entanto, o começo de sua jornada estava um pouco diferente do que previa. Luna, ainda que transbordasse um poder que nunca sentira antes, não demonstrava fúria alguma.

    Os braços ainda eram entregues ao chão e, seus olhos, que não se cansavam de lamentar em lágrimas, estavam de mãos atadas à desesperança.

    A divindade cessou os passos logo após, e a face não conseguia esconder tamanha confusão. O que houve? Por que não reage como deveria?

    Aos olhos de qualquer um que observasse esse cenário, Luna estava entregue ao luto; entretanto, mais do que um imenso poder era o tornado de seus sentimentos.

    Estava tão perdida e sem rumo quanto uma pedra jogada ao oceano, e a alma não sabia administrar a montanha do luto junto ao universo de ira.

    Pouco depois, andou poucos passos, como se tentasse recuperar o caminho que perdeu, mas não foi de demora alguma para notar que não havia um norte.

    — Ah…

    Os lábios sussurravam uma fração de sua dor. As mãos, sem saber como consolá-la, tamparam o rosto para tentar encontrar luz nas trevas, mas nada adiantou.

    — Ele morreu mesmo, né…?

    Ao ter uma frustração tão grande quanto a fúria, o único caminho que sua alma encontrou foi separá-la em duas personalidades distintas: uma entregue ao luto, e a outra entregue à destruição.

    No momento, Luna estava de mãos atadas ao sofrimento da perda. Tudo o que sabia fazer era respirar, e os joelhos, desistindo de sua própria função, entregavam-se ao solo lentamente.

    — Meu filho… Ele era tão novo…

    Sem que percebesse, estava ajoelhada, com a testa afundando no chão enquanto os braços tentavam atravessar o solo numa fútil esperança de encontrá-lo.

    — É tudo culpa minha… Minha culpa… Eu me odeio tanto…

    O luto tornou-se julgamento, que rapidamente transformou-se numa autodepreciação forte o bastante para destruir o próprio coração.

    — Ah… Se eu fosse mais forte… Só um pouco mais forte…

    Enquanto afundava no abismo da mágoa, a ira formava o próprio império, um poderoso o bastante para fazê-la levantar sem autorização.

    — E… Agora…

    A realidade fazia parte de sua alma, e a verdade não podia virar mentira. Perante a injustiça, só podia agarrar-se no próprio desejo de vingança.

    — … O que eu faço…

    Os olhos vazios desapareceram num instante, e, as mãos, sem um pingo de esperança, fecharam-se com o próprio desejo de retaliação. Quando o silêncio menos esperava, sua voz explodia ao horizonte, forçando o vento a correr mais uma vez pela sua sobrevivência.

    — O QUE EU FAÇO COM TODA ESSA DOR?!

    A pressão do vento era tão forte quanto a de um tornado, mas era insignificante perante o berro que se misturava com os prantos de uma mãe em luto.

    As três cores de sua energia colapsaram entre si durante alguns segundos, acompanhando os gemidos da angústia até que eles cessassem.

    Perante um misto de emoções que nunca presenciara antes, aquele deus viu-se surpreso e satisfeito com a decisão que culminou para esse evento.

    Ainda que fosse forte o bastante para eliminá-la sem esforço, começava a sentir algo que nunca havia sido dado antes: medo. Isso não vinha por acaso. Graças ao seu poder intencionalmente enfraquecido, seus instintos o alertavam do perigo iminente; entretanto, tudo isso era do seu agrado.

    O cessar do pranto de Luna acalmou o desespero do ar. Pouco depois, entregou-se ao silêncio enquanto a cabeça abaixava em luto.

    Não demorou nem um pouco para que seus olhos se levantassem. Ainda que as lágrimas caíssem feito chuva, seu olhar arregalava-se em uma fúria insaciável.

    Logo depois, apontou o dedo para o deus que fez da vida de seu filho uma piada. Ali mesmo, para qualquer ser vivo ouvir, prometeu para si e para o mundo:

    — Eu vou te matar, nem que seja a última coisa que eu faça.

    O deus mal conseguia conter a animação que circulava sua alma; sendo assim, anunciou a si mesmo, por tudo que há neste mundo, que aproveitará cada segundo.

    Luna, um instante depois, desapareceu feito fumaça. Logo após, sem doar um segundo para o silêncio respirar, reapareceu diante da divindade.

    Seu punho conseguiu ser ainda mais rápido do que a sua velocidade, e estava cerrado, prestes a acertar o rosto daquele ser, todavia, seu sorriso estava um passo à frente. Antes daquele golpe conseguir avançar, o punho de deus havia acertado o rosto de sua desafiante.

    Sangue fugia das narinas, e o pescoço se curvava para trás; porém, nada disso importava. Ainda que os olhos não conseguissem acompanhar, forçaria o corpo a concluir sua ação, e assim foi feito. Seu punho, ignorando os danos que se reproduziam na face, avançou como se nada além do objetivo existisse.

    A divindade observava em um misto de surpresa e orgulho. Um riso discreto escapou dos lábios, entretanto, desapareceu logo após aquele golpe o acertar.

    Arrepios começavam no pescoço e corriam até os pés. Incontáveis agulhas perfuravam seu semblante, e as narinas formigavam, mas tudo era agradável.

    Pela primeira vez desde o início desse mundo, deus conheceu a dor, e era agradável o suficiente para fazê-lo rir enquanto o impacto o jogava para trás.

    Suas pernas, sem esforço algum, se agarraram no chão. Assim, o permitiu deslizar no atrito até que encontrasse a estabilidade necessária.

    Os dedos limpavam o sutil sangue que escapava das narinas, e os olhos estavam tão prontos para a continuação da batalha quanto Luna.

    Ela, por sua vez, avançou em um instante. Pouco depois, preparou mais um soco de direita, enquanto a divindade movia a guarda para defesa.

    E então, ele veio: um soco poderoso o suficiente para destruir inúmeros adversários; no entanto, seu alvo atual não era a divindade.

    Rapidamente, relaxou seu punho e abriu a palma, movendo-a para o solo em uma busca pelo único apoio que a permitiria rotacionar o corpo.

    Em seguida, o verdadeiro ataque veio: uma meia lua de compasso, que não tinha como objetivo o rosto, mas, sim, a costela sem proteção da guarda.

    O ataque foi perfeito, e os danos eram reais. Um pequeno rio de sangue escapou da boca daquele ser, enquanto as costelas estalavam em dor.

    No entanto, as brechas eram tão fortes quanto. No mesmo instante em que a divindade foi atingida, utilizou-se de sua velocidade para se mover tão rápido quanto um teletransporte, surgindo ao lado de Luna.

    Um instante depois, atacou-a no rosto, utilizando seu joelho. O dano foi tão forte quanto e, a divindade, no limite estabelecido, usou toda força.

    O impacto foi um pouco mais brutal do que aquela meia lua, e mais sangue foi derramado nessa noite. Enquanto Luna era arremessada pelo impacto, a divindade moveu seus olhares ao céu.

    Pela primeira vez, estava ofegante. Os olhos se fechavam gentilmente enquanto a satisfação o reconfortava e, sobretudo, seu pensamento foi único:

    “Arthur e Luna… Vocês, com certeza, passaram no meu teste.”

    Ainda que os danos fossem incômodos, seu coração estava estranhamente calmo, e o motivo era algo sabido apenas por ele e mais ninguém.

    “São dignos de acompanharem o universo até o momento da verdadeira provação chegar até ele.”

    Ao abrir seus olhos, moveu-o gentilmente para trás, observando com uma satisfação palpável algo que ele e poucos conseguiam enxergar.

    “O torneio que chegará parece ser muito, muito interessante. O que você acha, leitor?”

    Pouco depois, voltou os olhares para frente, aguardando pacientemente sua desafiante levantar, até que alguns passos, tão pesados quanto canhões, ecoassem ao horizonte.

    Não demorou muito para que a causadora desse evento fosse revelada: Luna, caminhando sem pressa alguma para o deus que prometeu matar.

    Seus olhos eram tão intensos quanto nunca, e só de lembrar que seu filho não estava mais naquele mundo era o suficiente para trazer as lágrimas de volta.

    O motivo era mais do que válido, e a gasolina para suas ações fazia de suas chamas infinitas, e isso era o requisito abaixo do mínimo para a vitória ser sequer cogitada.

    A divindade, por sua vez, suspirou sutilmente. Seu sorriso orgulhoso virou algo normal, e as palavras que vieram logo depois espalhavam o desejo de sua alma:

    — Venha.

    Próximo capítulo: O Desafio do Oeste.

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